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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Definição de Espaço segundo Georges Perec.

 

“We live in space, in these spaces, these towns, this countryside, these corridors, these parks. (…) We can touch. We can even allow ourselves to dream.” (Perec, 2008)

Em Species of Spaces, Georges Perec acentua o lado humano na vida dos espaços. Espaço não é o vazio, é o que está à volta do vazio. É o que acontece dentro desse vazio. Para Perec, não existe um único, perfeito e belo espaço, mas existem imensos, pequenos, múltiplos e divisíveis espaços, de tamanho diverso e de usos diferentes - um desses bocados de espaço pode ser um corredor que liga ao metro e outros, podem ser, por exemplo, o espaço da cama, ou o espaço do quarto, ou ainda o apartamento, a cidade e até mesmo o espaço determinado por uma linha que define a fronteira de um país. Mas, a principal preocupação de Perec, é entender o espaço como sendo a circunstância mais direta que permite a existência de interações humanas. Em termos de estrutura lógica, Perec distingue entre espaços existentes (descritos pela geografia), espaços inventados (feitos por seres humanos) e espaços virtuais (que existem apenas mentalmente ou no papel). Por exemplo, para Perec, o início do espaço inventado pode começar num desenho, numa folha de papel vazia: “This is how space begins, with words only, signs traced on the blank page” (Perec, 2008)

Os espaços podem também ser vistos como um inventário para os humanos. O espaço está sempre vinculado à atividade e ao seu uso, por exemplo no campo, o espaço é preenchido com animais, as ruas das cidades são preenchidas com carros e com pessoas, nas florestas com lenhadores. O espaço é, assim, um cenário idealizado, é uma garantia.

Como ponto de partida e para descrever os vários espaços que fazem parte da vida das pessoas, Perec começa por escrever sobre a cama (na qual passamos mais de um terço de nossas vidas) depois escreve sobre o quarto (e coloca a questão se, por exemplo, a cama muda, o quarto também?). Logo a seguir, descreve a casa com os seus diferentes espaços, que têm funções fixas baseadas no seu uso ao longo do dia e que se estabelecem naturalmente.

Perec, escreve também sobre portas, que fazem parar, que separam, que marcam transições, que partem mas que também juntam e que possibilitam a aproximação do espaço privado e do espaço público. Já as paredes permitem só dividir o espaço. Os edifícios de habitação formam alinhamentos e determinam a rua, que não pertence a ninguém, mas que liga uma casa à outra e que dá lugar ao contacto entre pessoas. A vizinhança é a porção de cidade mais acessível a pé a partir de casa e é diferente do lugar onde se trabalha.

“We live somewhere: in a country, in a town in that country, in a neighborhood, in that town, in a street, in that neighborhood, in a building in that street, in an apartment in that building (…) What quantity of space can our eyes hope to take in between our birth and our death?” (Perec, 2008)

Perec explica que é o campo de visão do ser humano que determina os limites do espaço e dá a ilusão de relevo e de distância. No fundo, espaço é o que prende o olhar. Espaço é sempre que existe um ângulo, onde existem arestas e existe sempre que duas linhas se juntam no infinito. Para Perec, a pura sensação do espaço real, que cada um de nós ocupa, poderá fazer esquecer o nosso rumo, o nosso estado de espírito, o nosso quotidiano, as nossas ambições, as nossas crenças e a nossa razão de ser. Perec gostaria que o espaço fosse uma entidade simplesmente estável, imóvel, impalpável, intocável. Mas, o espaço é uma constante pergunta, não é evidente, não pode ser incorporado, nem apropriado: “Space is a doubt: I have constantly to mark it, to designate it. It's never mine, never given to me, I have to conquer it.” (Perec, 2008)

 

Ana Ruepp