CRÓNICA DA CULTURA
EDUARDO LOURENÇO
“Gostava de acabar os dias reconciliado com o mundo, e sobretudo saber que mundo foi este em que vivi e o que é a vida. Sei disso tanto agora que tenho quase cem anos como quando tinha dois anos.”
Ergo-me todas as manhãs e ando na Acrópole. Aqui não sonho com nada. Aqui apenas estou. Aqui a minha idade é uma áurea entre mim e a poesia que dedilha tudo o que do homem ficará. Aqui, a música, numa relação de verdade que muito procuro entre ela e nela, único acesso à altura do meu mais alto tema.
Leio um passado para chegar ao presente: uma reflexão que transforma. Leio Eduardo Lourenço.
Ergo-me todas as manhãs para andar na Acrópole. Foi assim que iniciei o conhecer.
Apaziguou-me o ponto de partida para uma fuga que não foi afastamento, afinal uma pergunta ao mundo, sempre: o que foi o que vivi até hoje? O que me resume tanto que nada sei daquela lágrima que cai pesadamente enquanto a outra acena, e enquanto tudo, avaliamos na ideia do vento, todos os nossos pensamentos.
E quando o amanhecer no seu contexto é a realidade que me contém, experimento de novo o verso e reabro as palavras de E.L.
«Os autênticos poetas de uma época não são sempre aqueles que visivelmente o parecem, mas todos cuja obra é fonte de energia e impulso anímico, como queria Dilthey.»
Anda esta afirmação a regular o som dos sinos, não os distinguindo como côncavos ou convexos. E no entanto, no ouvido das ideias, deixa E.L. que se saiba que ele também diz:
‘Faço de tudo uma espécie de leitura poética, de puzzle da ficção. Unamuno pensava que Hegel era um grande filósofo porque era um grande poeta. E Heidegger entendia que os filósofos são, a seu modo, poetas’»
E ainda com a candeia de invulgar ensaísta:
«A poesia é na totalidade da nossa existência um sol fabricado mas a sua luz é a única que permite distinguir o que dura do que morre, o que é digno do homem e o que não o é.
«O que dura os poetas o fundam».
Eduardo Lourenço sempre leu os poetas de forma osmótica. Fernando Pessoa está quase sempre quando lê os outros poetas, entendendo-o como um bisneto de Shakespeare.
Estabelece E.L. um cosmos literário analisando também as questões da identidade a partir da literatura e sobretudo da poesia. Assim registei e confirmei no diálogo com quem o conhece de fundo.
Nestes tempos de plena cultura da imagem em que ser poeta continua a ser um dos grandes actos de coragem; nestes tempos em que somos mais do que perecíveis, acode Eduardo Lourenço com a sua enorme força-luz, como só um interlocutor capaz de falar a partir do destino da aventura poética, pode ter.
Muito obrigada a quem
“Gostava de acabar os dias reconciliado com o mundo, e sobretudo saber que mundo foi este em que vivi e o que é a vida. Sei disso tanto agora que tenho quase cem anos como quando tinha dois anos.”
Teresa Bracinha Vieira