A FORÇA DO ATO CRIADOR
Nuno Portas e o Prefácio à Edição Portuguesa de História da Arquitetura Moderna de Bruno Zevi.
No Prefácio à Edição Portuguesa de História da Arquitetura Moderna (1970), Nuno Portas faz reparar que o historiador Bruno Zevi alargou os conteúdos e os horizontes de uma herança que se identificava demasiado com conceito estreitos e exclusivistas da arquitetura moderna. A história escrita por Bruno Zevi foi responsável maior pela circulação posterior do conceito de espaço, tomando como medida de leitura a valorização da arquitetura e da urbanística. Zevi valoriza a arquitetura moderna através da sua especial atenção ao conceito de espaço.
A obra de Zevi teve a capacidade de recriar o presente. Segundo Portas, foi sobretudo através desta história que, de repente “a arquitetura moderna se descobriu, nos anos 50, imensamente mais rica de raízes do que se quisera polemicamente pensar, capaz portanto de reencontrar seiva noutros filões ou fontes de forma.” (Portas, 2005)
As revelações desta história formaram um degelo em que ficaram à vista preocupações, objetivos humanos, sociais e plásticos ou culturais. Este degelo consistiu fundamentalmente numa outra ordem de leitura de que emergem necessariamente outras ordens de intenção que deveriam ser integradas no processo da criação e que Zevi mostra a sua génese histórica. Para Zevi, Frank Lloyd Wright é a personalidade principal e o fornecedor maior da nova substância da arquitetura moderna - o espaço interno. Para Portas, esta história possibilita o degelo ainda ao mostrar que nenhuma destas correntes ou personalidades poderia ser erigida em totalidade, mesmo provisória da arquitetura moderna, para além do período histórico que tinha recebido a sua formatividade.
Para Portas, as maiores deficiências de formação dos arquitetos e urbanistas, dos críticos e do público, estarão no aprofundamento do conceito de espaço, como estrutura sensível capaz de comunicar valores, não só da economia e de conforto, mas também, socioculturais e poéticos: “Uma arquitetura para habitar em vez de caixas para contemplar.” (Portas, 2005)
A interpretação espacialista, gerada na polémica racionalismo-organicismo, da primeira metade do século, já não faz sentido. Para Portas, parece oportuno proceder à recuperação do espaço, no campo da criação de formas. A arquitetura moderna tentou de alguma maneira o estudo sistemático das necessidades espaciais humanas a todos os níveis possíveis de análise - tentou de alguma maneira, até estabelecer tipos ou standards arquitetónicos, que eram o elemento base para formar modelos para uma arquitetura de massas. Mas, esta exigência não chegou a concretizar-se, senão em análises de fatores ou aspetos muito parciais.
A prática arquitetónica é, fundamentalmente, um juízo sobre o espaço interno dos edifícios. Ritmo, escala, equilíbrio, massa só fazem sentido numa arquitetura que concretiza espaço. Para Portas, o que é específico de um sinal arquitetónico é precisamente a sua espacialidade. O conceito de espaço está relacionado com uma “delimitação intencional de uma zona ou de um campo de experiências sensível - que resulta da sua conformação pelas superfícies, volumetrias, massa, continuidade ou descontinuidade, aberturas, fugas ou encerramento do contorno”; é um “campo de experiência que propõe um espaço real às nossas ações e movimentos.” (Portas, 2005)
Para Portas, Zevi, ao apresentar o espaço como conceito fundamental da arquitetura, está a afirmar que a arquitetura é uma procura, porque cria sobretudo condições de vida - cria possibilidades para que o habitante tenha um papel ativo e cria motivações na existência quotidiana de todos: “Assim, a arquitetura atual procuraria criar condições de vida em vez de condições de... vista, vestir valores humanos em vez de simbolizar ideias eternas, identificar sujeito e objeto em vez de os distanciar pela perspetiva, pelas fachadas, pelo volume.” (Portas, 2005)
Entender um espaço é o mesmo que habitá-lo e na própria proposta de habitabilidade descobrir-se-á a dimensão poética da arquitetura. A experiência prática e poética, do espaço interior de uma arquitetura não coincide com a perceção do volume interno da caixa construída - só um conceito figurativo, ao nível do imaginário, é que pode talvez entender o sistema de elementos do espaço, embora com o risco de ser muito subjetivo. O espaço de uma arquitetura exprime-se através da experiência que se vive dentro dele. Zevi faz um levantamento dos elementos que compõem o espaço interno (no interior os edifícios ou entre edifícios que fazem uma cidade) e faz uma crítica de coerência da linguagem e interpreta os significados, mas em torno das intenções que o autor põe na sua mensagem. O espaço pode ser estudado juntamente com o comportamento humano ou pode ser estudado juntamente com a função, ou como continuidade - para Portas é de notar a importância do trabalho Pedro Vieira de Almeida ‘Ensaio sobre o Espaço da Arquitetura’ (1963), para o enriquecimento dos conceitos no campo da leitura do espaço arquitetónico. No limite, Portas antevê que o conteúdo de espaço provém não já de um uso específico, mas da própria flexibilidade à variação (e que isso evita a obsolescência).
Ana Ruepp