MARGARET ATWOOD - "A ODISSEIA DE PENÉLOPE"
Margaret Atwood, a muito premiada escritora canadiana, oferece-nos esta viagem densa, pragmática e fabulosa ao lermos este seu livro “A Odisseia de Penélope” - até nós pela chancela da 20|20 Editora.
Este livro é composto por 29 capítulos concisos, optando a escritora, como nos diz, pela narrativa da história de Penélope e das 12 servas enforcadas, admitindo ter-se sempre sentido assombrada por estas servas, tal como a própria heroína do seu livro.
E Penélope:
«Agora é a minha vez de contar umas histórias. Devo-o a mim mesma. Outrora, as pessoas ter-se-iam rido, mas, agora, quem se rala com a opinião pública? Com a opinião das gentes aqui em baixo, a opinião das sombras, dos ecos? Assim sendo, vou fiar o meu fio.»
É-nos proposto neste livro magnífico que imaginemos uma versão desta história, considerando um agora, no qual, Penélope esquecida de todos, deambula pelos infernos, tendo chegado a altura de expor a sua mão dos acontecimentos.
Como se sabe, em Odisseia, Penélope é sempre a mulher fiel e judiciosa que muito reza pelo regresso de Ulisses que há muito combatia na Guerra de Troia e há muito dele se não sabia.
Penélope ilude os seus Pretendentes durante a sua espera de Ulisses, matreiramente, tecendo uma mortalha que pela noite destece, conseguindo enganar os Pretendentes e adiar o casamento até à mortalha estar pronta.
Todavia, agora, Penélope está morta, e por isso tem conhecimento de tudo, e quando repensa o tudo, receia ter tido acesso apenas a mais algumas realidades de não grande monta, e que, enfim, a morte é preço alto demais, se com ela se julga satisfazer as curiosidades que o mundo dos vivos não concede.
Mais: teve Penélope conhecimento de muitas coisas que preferia nunca ter sabido.
Atente-se que ela nos quer resguardar, se acaso alguma vez pensámos que seria bom ler os pensamentos de outros.
Assusta-nos mesmo com o dever de cautela, na possibilidade de virmos a saber o que acerca de nós foi dito.
Toda a gente chega aqui abaixo com um saco, idênticos aos que se usam para guardar os ventos – alusão ao saco onde o deus Éolo guardava os ventos, nestes ventos e pelo mundo, que ora lê esta Penélope, reside a relação entre eles e as palavras e cavá-las fundo carece de portas bem fechadas.
Ó leitor!, que uma das dificuldades de Penélope neste livro – digo - é a de não poder falar, e não saber como se fazer entender no nosso mundo de corpos e línguas, acrescendo que a maior parte das vezes, duvida mesmo, que deste lado estejamos atentos.
É seu destino saber o quanto a fraqueza de um detentor de poder significa oportunidade para outro.
Mesmo assim é e foi paciente.
Verá este livro chegar ao fim, de conhecimento seguro de que o desejo não morre com o corpo, apenas a capacidade de o satisfazer; mas, aqui, este “apenas” não a alarmava.
As Servas:
Exigimos justiça! Invocamos a lei do crime de sangue! Chamamos pelas Fúrias!
Digo o que creio que elas nos gritam também:
E não se livrarão de nós, fomos enforcadas injustamente, na vida e no além, ou mesmo em qualquer outra vida, estaremos aqui as 12 servas, as 12 acusações pesadas como a memória, e os nossos pés não tocam no chão, mas contorcem-se.
Juiz:
Que se passa? Ordem! (…) isto é um tribunal do século XXI! (…) Onde se escondeu o acusado? Para onde foi toda a gente?...
Ouso, ser a que agora pergunta ao juiz:
Quem resiste à tentação de ser tido como indispensável, esclarecendo as diferentes versões das verdades que andam por aí, durante os últimos dois ou três séculos? Sim é verdade!, sinto tendência para acreditar nos ausentes.
E por Demócrito de Abdera quero o conhecimento dos fragmentos!
E eis uma proposta à leitura desta obra, no mínimo, admiravelmente irreverente:
"A Odisseia de Penélope"
Teresa Bracinha Vieira