CADA ROCA COM SEU FUSO...
REPÔR A VERDADE DE D. PEDRO…
Estabeleceu-se a certa altura o mito urbano a propósito da Coluna do Rossio, que honra a memória do Rei D. Pedro IV. Certamente um partidário da causa absolutista, derrotada em Lisboa no dia 24 de julho de 1833, data do desembarque das tropas liberais comandadas pelo Duque da Terceira, fez espalhar com insistência a notícia-falsa de que a figura que encima o monumento não seria a do Rei de Portugal, mas de Maximiliano, o malogrado imperador do México. Vejo, aliás, alguns pseudo-cicerones de Lisboa, montados ou não em tuk-tuks, cheios de ignorância e prosápia, a repetir essa patranha, que não tem ponta por onde se lhe pegue. De facto, tratou-se de uma falsidade maldosa. O problema, felizmente, há muito está esclarecido e o facto de estar patente no Museu da Cidade, no Palácio Pimenta, uma mostra evocativa dos 150 anos da inauguração do monumento, que se aconselha, permite recordar a verdade dos factos e calar de uma vez por todas essa brincadeira de mau gosto.
Recorde-se que o Imperador Maximiliano (1832-1867) era o irmão mais novo do Imperador Francisco I da Áustria, tendo apenas dois anos de idade quando o nosso D. Pedro morreu. Relacionou-se, sim, com D. Pedro II, Imperador do Brasil, tendo sido um fugaz Imperador do México, a convite de Napoleão III, na sequência da invasão francesa daquele território. Viria, contudo, a ser fuzilado em 1867, cerca de três anos depois de ser proclamado Imperador, e temos memória visual desse funesto acontecimento num quadro célebre de Manet. Nunca chegou a consolidar a sua posição, pela fragilidade da investidura, não tolerada pelos patriotas mexicanos, e igualmente pelo desenvolvimento da Guerra da Secessão nos Estados Unidos, com vitória dos Unionistas-Republicanos e derrota dos Sulistas – Confederados…
A ideia de construir uma estátua em honra de D. Pedro seguiu-se imediatamente à morte do Rei em Queluz, no ano de 1834. A mostra agora levada a cabo, no ano do bicentenário da Revolução Liberal, está no piso superior do Palácio Pimenta e revisita a história de um monumento, que demorou mais de 35 anos a ser erigido, com “três cerimónias de lançamento de primeira pedra, três concursos públicos e duas demolições, várias comissões de gestão e outras tantas polémicas”. Para além de peças inéditas do acervo do Museu de Lisboa – caso dos testemunhos que foram colocados na base da estátua, descobertos em 2001 -, a mostra conta com obras procedentes do Museu Nacional dos Coches, da Biblioteca de Arte da Fundação de Calouste Gulbenkian, da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e do Arquivo Histórico do antigo Ministério das Obras Públicas.
A estátua de bronze é de Elias Robert, o pedestal foi executado por Germano José Salles, e o risco é do Arquiteto francês Jean Davioud. O monumento tem 27,5 metros de altura e é composto de envasamento, pedestal, coluna e estátua. O pedestal é de mármore de Montes Claros e a coluna de pedra lioz de Pêro Pinheiro, a estátua de bronze. Na base do pedestal, há quatro figuras femininas representando a Justiça, a Prudência, a Fortaleza e a Moderação, qualidades atribuídas ao Rei-Soldado, entrelaçadas por festões e os escudos das 16 principais cidades do país. A parte inferior da coluna tem quatro figuras da Fama em baixo-relevo. A coluna coríntia, canelada é encimada pela estátua que representa o Rei em uniforme de general, coberto com o manto da realeza, a cabeça coroada de louros, ostentando na mão direita a Carta Constitucional por ele outorgada em 1826.
A lenda falsa sobre a estátua assenta na ideia de que o monumento teria sido aproveitado a partir de um outro projeto concebido para o referido imperador Maximiliano do México. No entanto, porque o imperador foi fuzilado pouco antes de a estátua ter sido inaugurada, prontamente teria sido esta reaproveitada para o projeto do Rossio, o que explicaria as – supostas – semelhanças da estátua do rei português com a figura do imperador mexicano. No entanto, vários estudiosos, entre os quais o historiador José-Augusto França em A arte em Portugal no século XIX, demonstraram inequivocamente que a peça apresenta claros sinais de se tratar da figura nacional portuguesa: as armas nos botões do fardamento, o grande colar da Torre e Espada – Valor, Lealdade e Mérito (aliás, bem visível em imagens de pormenor que têm sido publicadas) além da Carta Constitucional. Recentes descobertas na base da estátua, em meados de 2001, durante obras de restauro, confirmam tratar-se da figura de D. Pedro IV: em especial, dois frascos de vinte centímetros cada, contendo documentos e uma fotografia revelada em albumina.
Neste momento, não há qualquer razão para haver dúvidas. D. Pedro é D. Pedro, o seu a seu dono. E o Rossio fica a merecer uma visita cuidada, quando o quarteirão da antiga Suíça se aprimora, o Teatro Nacional invoca a filha gloriosa do homenageado, trazendo-nos à memória Garrett, bem como Mestre Gil e a camoniana figura (fazendo esquecer a memória pesada dos Estaus). No outro quarteirão, à sombra das ruínas do Convento do Carmo, há uma grande diversidade de boas memórias: o Café Nicola do tão esquecido Bocage, a casa dos pais de Eça de Queiroz, onde o romancista ficava quando estava na capital e o velho Café Gelo, que invoca poetas e escritores (de Aquilino a Cesariny) que anunciaram a modernidade… A Sul, temos as embocaduras das Ruas Augusta e Áurea, o Arco da Rua dos Sapateiros e a tradicional Tendinha (fundada em 1818, onde se bebia o melhor vinho de Colares). Em toda a Praça, temos pavimento ondulado, em calçada à portuguesa, por iniciativa do General Eusébio Pinheiro Furtado… E aqui fica a recordação, sem esquecer a nostalgia dos antigos e pioneiros anúncios luminosos da Mabor e do Brande Constantino (a fama que vem de longe) e na esquina para a Rua do Ouro o velho placard desaparecido do “Diário de Notícias” onde sabíamos as últimas novidades… Aqui me encontrei há muitos anos já com o estro do meu amigo Carlos Fradique Mendes (aqui invocado no Passeio Público por Bernardo Marques), passeando com o saudoso Doutor José Pedro Fernandes, que escreveu um romance sobre esse nosso encontro.
Agostinho de Morais