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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CADA ROCA COM SEU FUSO...

 

UMA DATA PARA LEMBRAR…


Quando há alguns anos houve alguém, decerto por menos conhecimento (é o menos que pode dizer-se), acabou com o feriado do Primeiro de Dezembro, houve um justo coro de vozes a recordar que se tratava de tentar esquecer uma primeira data da nossa identidade histórica e por isso primeiro feriado civil da República. De facto, logo no ano de 1910, a primeira comemoração profana foi a da libertação da Pátria de 1640. E esse momento foi tão importante que, por exemplo, do alto de uma guarita no Largo do Carmo, Francisco de Sousa Tavares afirmou que a libertação de 25 de abril de 1974 era a data mais importante depois do Primeiro de Dezembro de 1640. A 1 de dezembro de 1910, simbolicamente, também nasceu o que viria a ser a origem da “Renascença Portuguesa”, através da revista “A Águia” de Álvaro Pinto, na continuidade da qual Raul Proença e Teixeira de Pascoais protagonizariam o debate essencial sobre o patriotismo – para um, prospetivo e futurante, para o outro, saudoso e poético, mas para ambos crucial para a definição da cultura portuguesa: lírica ou trágica, mas igualmente picaresca… Se a Revolução de 1820 invocou a Regeneração, que em 1851 daria lugar a um compromisso de acalmação política para quase sessenta anos, a República de 1910 arvoraria a ideia de Renascença, que viria (depois do interregno ditatorial) a tornar-se raiz da democracia do último quartel do século XX. Eis por que faz sentido a lembrança da Restauração da Independência invocada neste Primeiro de Dezembro! Sim, sobretudo quando a fragmentação das autonomias ibéricas do Reino de Espanha demonstra o bem fundado da decisão da independência do ocidente peninsular. Senão vejamos sete pontos sacramentais: 1) O caráter marítimo do ocidente ibérico (“terras de Espanha, areias de Portugal”) e a vontade dos portugueses, para usar a explicação de Herculano, dão a Portugal uma identidade própria que se projeta universalmente; 2) Filipe I, nas Cortes de Tomar, teve consciência disso mesmo ao reconhecer expressamente a independência e o estatuto de Portugal, que se perderia com Olivares; 3) Na guerra dos trinta anos (1618-1648), a casa de Habsburgo que governava a Espanha, levou-nos para um conflito europeu e global que contrariou claramente o interesse estratégico de Portugal; 4) O apoio da França de Richelieu a Portugal no conflito seiscentista permitiu romper com um caminho inexorável de agravamento da decadência através de uma Corte tornada de Aldeia; 5) Perante a ameaça global da Holanda, havia que romper com a tentação de Conde-Duque de Olivares de unificação peninsular num só reino, sem as prerrogativas da independência antiga de Portugal; 6) Os conjurados de 1640 recusaram assim a tal “Corte na Aldeia” e ao dar o golpe sabiam que iriam iniciar uma longa luta de sobrevivência nacional, que começou na tentativa de mobilizar recursos para fazer uma política colbertiana - ouvindo Luís Mendes de Vasconcelos, Conde da Ericeira, Severim de Faria, Ribeiro de Macedo, e seguindo as diligências diplomáticas na Holanda junto dos Cristãos-novos do Padre António Vieira) e terminou na exploração do ouro e dos diamantes do Brasil, sem o investimento na fixação, o que muito nos atrasou… ; 7) O certo é que Portugal seguiu um curso de independência, de acordo com a sua “maritimidade” e o desenvolvimento de uma língua, que se tornaria elemento congregador de várias culturas e alfobre de várias nações… Ao lermos alguns dos nomes dos quarenta conjurados, compreendemos que havia uma resistência, que se tinha solidificado perante a lógica autoritária de Madrid e a insensibilidade de Filipe III. Do mesmo modo, havia uma tomada de consciência de que o império iria desfazer-se, não só o do Índico (já fortemente enfraquecido), mas sobretudo o do Atlântico Sul e do Brasil. Eis os nomes: Antão Vaz de Almada, António Luís de Meneses (Marquês de Marialva), Francisco de Noronha, Francisco de Sousa (Marquês das Minas), D. Jerónimo de Ataíde (filho de D. Filipa de Vilhena e por ela armado cavaleiro com seu irmão Francisco Coutinho), Dr. João Pinto Ribeiro, João Sanches de Baena, Luís de Almada, Martim Afonso de Melo, Pedro Afonso Furtado, D. Rodrigo da Cunha (Arcebispo de Lisboa), Tomás de Noronha (Conde dos Arcos), Tomé de Sousa, Tristão da Cunha de Ataíde… Os nomes envolviam o clero, a nobreza e o povo – e reconstituíam a resistência que tinha levado ao trono o Mestre de Avis em 1385. Eis por que não se trata de uma celebração isolada, mas da afirmação perene de uma vontade de emancipação. E lembremos o que disse António Sérgio no pós Alcácer Quibir:  «Perante a vaga do trono português, sucedeu-lhe Filipe II de Espanha, que nas cortes de Tomar jurou as condições em que reinaria: a sua ideia não foi a absorção de Portugal, mas uma monarquia dualista, em que tínhamos perfeita autonomia, no mesmo pé do que Castela. Cumpriu religiosamente o que prometera; e foi seu neto Filipe IV, ou melhor o conde-duque de Olivares, quem, iludindo-as, provocou mais tarde a revolta dos Portugueses». Regressa à lembrança o sonho do Príncipe Perfeito, de um Império de base ibérica, com um rei português e Lisboa como centro de gravidade dessa realidade universal. Como salientou Vítor Sá:  «A restauração da independência de Portugal trouxe ao primeiro rei da nova dinastia, João IV, inimigos poderosíssimos, dificuldades diplomáticas e militares, que acabaram por ser vencidas nas linhas de Elvas, com o exército português já instituído por bons mestres (Schomberg). «Mostrou-se o povo, mais uma vez, como boa matéria-prima quando enquadrado por boa élite» — concede António Sérgio. Na conjuntura restauracionista teve lugar a primeira tentativa para se «assentar em bases firmes a economia da metrópole», com a política do conde da Ericeira. Mas essa tentativa resultou frustrada pela «sorte grande» que foi a descoberta das minas do Brasil».
 

Agostinho de Morais