A VIDA DOS LIVROS
De 30 de novembro a 6 de dezembro de 2020
Manuel Ivo Cruz (1935-2010), autor de “O Essencial sobre a Ópera em Portugal” (INCM, 2008), é uma referência na musicologia portuguesa contemporânea, tendo tido uma muito relevante presença como maestro e como estudioso e divulgador da história da música em Portugal. Com uma assinalável presença na cidade do Porto, tornou-se aí um fator de prestígio e de afirmação de uma cultura musical de qualidade, em coerência com a história muito rica da cidade nesse domínio.
UMA FAMÍLIA DE ARTISTAS
Originário de uma família na qual as Artes tiveram sempre um papel muito importante, Manuel Ivo Soares Cardoso Cruz era filho do maestro Ivo Cruz (1901-1985) e formou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Recorde-se que o Pai do Maestro teve uma longa carreira no Conservatório Nacional, onde trabalhou com Vianna da Mota, a quem sucedeu na direção da instituição (1938-1971), tendo iniciado a sua formação musical em Lisboa com António Tomás Lima e Tomás Borba, tendo estudado depois em Munique Composição, Direção de Orquestra, Estética e História da Música. Fundou a Sociedade Coral Duarte Lobo, para a execução da música portuguesa pré-clássica, tendo ainda promovido as primeiras audições modernas de compositores como Carlos Seixas (1704-1742) e João de Sousa Carvalho (1745-1798). Entre vasta produção, inclusive literária na revista “Contemporânea” (1915-26) e “Música” (1924-25), sua obra é vasta, sendo porventura a mais conhecida a Sinfonia de Amadis, estreada em Lisboa em 1953. É assinalável a coleção bibliográfica que reuniu e se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal, na qual se inclui o maior conjunto conhecido de autógrafos de João Domingos Bomtempo (1775-1842). Lembra-se este percurso, uma vez que o filho, com grande autonomia de estilo e de cultura, desenvolveu o conhecimento e a divulgação da história da música portuguesa, em especial quanto à sua projeção internacional. É, aliás, fundamental a bibliografia que Manuel Ivo Cruz (filho) produziu e que é fundamental para o conhecimento da História da Música em Portugal – como “O Teatro Nacional de S. Carlos” (Lello, 1992) e “O Essencial sobre a Ópera em Portugal” (INCM. 2008). O conhecimento da ação de D. João V no desenvolvimento da cultura musical em Portugal, em especial com a fundação em 1713 da Escola de Música do Seminário da Patriarcal mereceu da parte do Maestro Manuel Ivo Cruz um interesse especial, que permite compreendermos melhor a importância da música na cultura portuguesa. Não esquecemos, por outro lado, no seu ambiente familiar, a obra que tem sido desenvolvida no domínio da História do Teatro pelo irmão do Maestro, Duarte Ivo Cruz, dirigente do Centro Nacional de Cultura, em tantos domínios complementar da de Manuel Ivo Cruz.
UM TALENTO REVELADO DESDE CEDO
Com sólida formação musical, deu o seu primeiro concerto ainda estudante, com 19 anos, tendo sido bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo-se diplomado com distinção, como maestro, na Academia de Mozart da Universidade de Salzburgo, na Áustria. Regressado a Lisboa, foi diretor musical e chefe da Orquestra Filarmónica de Lisboa, tendo dirigido programas de música na Radiotelevisão Portuguesa (RTP), colaborando nas temporadas de ópera do Teatro da Trindade, em Lisboa, e nos concertos das orquestras sinfónicas da então Emissora Nacional. Foi ainda maestro-diretor do Teatro Nacional de São Carlos, sendo o grande animador dos Cursos Internacionais da Costa do Estoril, e maestro convidado, com grande sucesso, em Espanha, Alemanha, França, Grécia, Itália, Brasil, Estados Unidos da América, Rússia e Venezuela. Foi presidente e diretor artístico do Círculo Portuense de Ópera, no Porto, e da Ópera de Câmara do Real Teatro de Queluz. Como grande pedagogo, foi estudioso e divulgador de obras musicais portuguesas menos conhecidas, fazendo, para isso, investigação na área da musicologia histórica portuguesa e apresentando um vasto reportório documentado e publicado pela EMI, Numérica, Tecla, Jorsom e Solemio. Em 1969, Manuel Ivo Cruz recebeu o Prémio Moreira e Sá do Orfeão Portuense e foi distinguido pela França com o título de Oficial de Mérito Cultural e Artístico, pelo Brasil com a Ordem do Rio Branco e em Portugal com o Grande Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2004, nas comemorações do 50.º aniversário da carreira artística, com a Medalha Municipal de Mérito, grau ouro, entregue pela Câmara Municipal do Porto.
UMA REFERÊNCIA CULTURAL
O Maestro ministrou cursos na Universidade do Pará e em S. Paulo. Foi sócio honorário da Sociedade Brasileira de Musicologia, Sócio Correspondente da Academia de Letras e Música do Brasil, Membro do Conselho Português da Música, da Associação Portuguesa de Ciências Musicais, Fundador e Vice-Presidente da Conferénce Européenne de la Musique e do Observatoire Européen des Sciences, des Techniques et de l’Economie de la Musique.
Ao longo dos 50 anos de carreira, o Maestro Manuel Ivo Cruz dirigiu a maior parte das obras que se inscrevem no reportório da música sinfónica. É porventura o Maestro português que mais óperas dirigiu, em quantidade e em diversidade. Também dirigiu primeiras audições de obras de compositores como António Victorino d’Almeida, Cláudio Carneyro, João Domingos Bomtempo, ou João Pedro Oliveira. A par da sua longa atividade artística, o Maestro Manuel Ivo Cruz cultivou uma rica bibliofilia musical que lhe permitiu reunir o acervo documental que serviu de base ao protocolo estabelecido entre o Maestro e o Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa. O destaque desse espólio refere-se a fontes relevantes do Património Musical Português dos finais do século XIX e primeira metade do Século XX, entre as quais se encontram a obra integral do compositor Ivo Cruz (Pai) e peças de Miguel Ângelo Pereira, Ciríaco de Cardoso e de João Arroyo entre outros. O espólio abrange ainda partituras de orquestra, óperas, música de câmara portuguesa, muitas delas dirigidas em primeira audição pelo próprio maestro. O acervo é ainda enriquecido por libretos dos séculos XVIII e XIX, gravuras, discos, coleções de postais e programas de concerto e ainda por inúmeros livros de referência.
Guilherme d’Oliveira Martins
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