Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Apprivoiser l’ Étrangeté, de Claude Lévi-Strauss, aparece encabeçado por uma citação de Platão: Pois que é o mais contrário, acima de tudo, o maior amigo do que lhe é mais contrário... Assim, Princesa de mim, há paradoxos em que os contrários nos surgem como alter-ego do outro. Também é verdade que prudência é grande amiga da perspicácia e, por isso mesmo, ao querer aproximar-me do ignoto, do desconhecido, tenho sempre bem presente aquela definição "agostino-aquinense" da prudência como amor sagaz. Mas hoje vamos deixar Lévi-Strauss falar-nos do padre Luís Fróis. Traduzirei trechos do tal Apprivoiser l'Étrangeté.
O Ocidente descobriu o Japão por duas vezes: em meados do século XVI, quando os jesuítas, na senda dos mercadores portugueses, ali entraram (mas foram expulsos um século depois); e trezentos anos mais tarde, com a ação naval conduzida pelos Estados Unidos para obrigar o Império do Sol Nascente a abrir-se ao comércio internacional.
O padre Luís Fróis foi um dos principais atores da primeira descoberta. Papel comparável desempenhou, na segunda, o inglês Basil Hall Chamberlain, de quem Fróis surge hoje como o precursor. Nascido em 1850, Chamberlain visitou o Japão, por lá ficou e lá se tornou professor da Universidade de Tokyo. Num dos seus livros, "Things Japanese", publicado em 1890 e composto como um dicionário, na letra T desenvolve um artigo intitulado "Topsy-Turvy Dom" (o mundo com tudo do avesso) em que afirma que «os japoneses fazem muitas coisas de maneira exatamente contrária à que os europeus consideram natural e conveniente»...
...Se ele tivesse conhecido o tratado de Fróis, teria encontrado um repertório fascinante de observações por vezes idênticas às suas, mas mais numerosas, e conduzindo todas à mesma conclusão...
Alimentado pelo seu trabalho antropológico, Lévi-Strauss vai então buscar um interessante termo de comparação das notas de Fróis (séc. XVI) e Chamberlain (XIX) com outras, acerca do Egipto, feitas por Heródoto no século V antes de Cristo! Diz o grego antigo: «Os egípcios conduzem-se, em todas as coisas, ao contrário dos outros povos.» As mulheres dedicam-se ao comércio, enquanto os homens ficam em casa. E são estes, e não elas, quem tece. E começam a tessitura na parte de baixo do tear, e não pela de cima, como nos outros países. As mulheres urinam em pé, os homens de cócoras... E o antropólogo francês comenta: E não continuo a lista, que põe em evidência uma atitude de espírito comum aos três autores. E acrescenta:
Não devemos ver só contradições nas disparidades que enumeram. Têm muitas vezes um estatuto mais modesto: ora simples diferenças, ora presença aqui, ausência ali. E Fróis bem o sabia, pois que, no título da sua obra, as palavras contradições e diferenças[em português no texto francês] estão lado a lado. E todavia, nele, muito mais do que nos outros dois autores, existe um esforço para que todos os contrastes caibam no mesmo quadro. Centenas de comparações, formuladas de modo conciso e construídas de modo paralelo sugerem ao leitor que não se lhe assinalam apenas diferenças, mas que todas essas oposições constituem, de facto, inversões. Entre os usos de duas civilizações, uma exótica, outra doméstica, Heródoto, Fróis, Chamberlain, partilharam a mesma ambição: para lá da ininteligibilidade recíproca dessas civilizações, eles insistiam em poder ver relações transparentes de simetria.
Pessoalmente, sempre procurei tentar perceber a razão e o modo de pensamentos, sentimentos e comportamentos que me pareciam estranhos, interrogando-me também, simultaneamente, sobre as razões e modos dos meus próprios. Talvez por isso, cedo compreendi que, antes de qualquer construção mental e afetiva, e por detrás das suas expressões, existe um húmus humano comum, graças ao qual nos podemos reconhecer no que, em primeira abordagem, nos aparecia contraditório. Sei, Princesa de mim, que reincido na tradução de longas citações, mas acho bem deixar-te aqui uma conclusão de Lévi-Strauss:
Assim, teremos de reconhecer que o Egipto, para Heródoto, tal como o Japão, para Fróis e Chamberlain, tinham uma civilização em nada desigual à deles? A simetria que reconhecemos entre duas culturas une-as ao opô-las. Surgem-nos simultaneamente semelhantes e diferentes, como a imagem simétrica de nós mesmos refletida por um espelho que nos fica irredutível, apesar de nos descobrirmos em cada pormenor. Quando o viajante se convence de que usos em total oposição aos seus o tentariam a desprezá-los e rejeitar com desgosto, na realidade lhes são idênticos quando vistos ao contrário, aprende a domesticar o estranho, a torná-lo familiar.
Ao sublinhar que os usos dos egípcios e os dos seus próprios compatriotas estavam numa relação de inversão sistemática, Heródoto punha-os realmente no mesmo plano, e indiretamente dava conta do lugar que cabia ao Egipto segundo os gregos: civilização de respeitável antiguidade, depositária de um saber esotérico ao qual se podiam ir buscar ainda ensinamentos.
Tal como noutros tempos, posto numa conjuntura comparável em presença doutra civilização, é também pelo recurso à simetria que Fróis, sem o saber, pois era cedo demais, e Chamberlain, sabendo-o, nos deram um meio de melhor compreender a profunda razão pela qual, por volta de meados do século XIX, o Ocidente ganhou o sentimento de se redescobrir nas formas de sensibilidade estética e poética que o Japão lhe propunha.
Nesta conjuntura torna-se coerente a evocação de situações de criação ou de representação artística, e designadamente cénica, em épocas passadas. Aqui temos pois evocado sucessivas criações de espetáculo e simultaneamente sucessivas evocações de espaços/edifícios, históricos ou não, onde os mesmos espetáculos se concretizam: isto, tendo em vista que teatro é texto, sem dúvida, mas é texto/espetáculo ou espetáculo/texto.
E nessa medida, faz-se agora uma breve mas significativa evocação do chamado teatro do absurdo, tal como foi criado ou adaptado em Portugal e aqui representado: e isto porque a expressão, mais ou menos hoje consagrada, constituiu nos anos 50 do século passado uma característica esparsa mas relevante em si mesma da dramaturgia e do espetáculo em Portugal. E a ele voltaremos.
Neste momento, entretanto, apraz recordar o dramaturgo Carlos Montanha, no centenário do seu nascimento, ocorrido pois em 1921. Virá a falecer em 1972, marcando entretanto uma relevante modernização da criação dramática em Portugal, num conjunto de obras hoje na verdade esquecidas ou quase.
E é justo fazer aqui referência a um estudo de uma autora também esquecida, Sebastiana Fadda, que em 1998 publica um livro referencial, intitulado “O Teatro do Absurdo em Portugal”, o qual já temos citado e que aborda, precisamente o que na época representava um movimente de inovação feito entre nós por autores que hoje estão em parte esquecidos…
E nesse aspeto, aqui recordamos que ao Teatro Estúdio do Salitre se deveu a estreia em público da peça escrita por dois irmãos, Carlos Montanha e Pedro Bom intitulado “Um Banco ao Ar Livre”. Ora, recorde-se que Carlos Montanha (1921-1972) nasceu pois há exatamente 100 anos e como tal merece pelo menos uma referência histórica…
Recorde-se pois que Carlos Montanha é autor de peças de que se destacam “Fábula do Ouro” e “Para Lá da Máscara”, ambas de 1948 sendo esta, precisamente, o último espetáculo do Teatro Estúdio do Salitre. Podemos lembrar aliás que importa destacar por um lado a sua criatividade como dramaturgo, mas por outro lado a relevância que o Teatro Estúdio do Salitre alcançou numa época de pouca recetividade a este teor de criação de espetáculos então “experimentais” – mas não, note-se quando na criação de outros textos dramáticos representados! Aliás podemos lembrar que desde 1782 existiu em Lisboa um chamado Teatro do Salitre que desaparece com a obra de abertura da Avenida da Liberdade.
E é ainda de assinalar que Pedro Bom manteve colaboração expressa e implícita com as iniciativas e criações teatrais, designadamente no Grupo de Teatro Experimental que viria a consagrar a estreia como dramaturgo de Tomás Ribas (1918-1999) o qual, como bem sabemos, viria a desenvolver uma carreira interessante nas artes ligadas ao espetáculo, como veremos.
Na afirmação das ciências e tecnologias que se exprimem e pensam em português, será o Brasil, pelo seu potencial e dimensão, o presumível e futuro líder natural. O que não exclui que Portugal e demais países lusófonos não tenham um papel de relevo. No caso português, desde logo face às suas responsabilidades históricas e posição geográfica em relação aos restantes Estados e comunidades lusófonas, e do seu enquadramento na União Europeia.
É evidente que a expansão da língua portuguesa no mundo surgirá tanto mais naturalmente quanto mais ciência, tecnologia e arte se fizer em português, o mesmo sucedendo com a economia e a cultura no seu todo. Serão fatores essenciais para que falantes de outros idiomas precisem e queiram falar em português.
Uma ideia ou visão estratégica não surge por efeito de uma lei ou de um decreto, antes se assume de modo evidente, intuitivo e notório quando aceite e partilhada pelas elites e população em geral. Evidentemente que com contribuições políticas, económicas, de escritores, poetas, filósofos, cantores, músicos, cineastas, sociólogos, cientistas, técnicos, juristas, homens de ação e de aventura, místicos, desportistas, entre outros.
Porém, e no que toca ao português, a sua expansão será tanto maior e mais eficaz quando os países lusófonos e integrantes da CPLP se afirmarem e ganharem maior visibilidade e poder nas relações internacionais.
Foi este entendimento que motivou o aparecimento de realidades económico-políticas sob o pretexto de pertença a uma comunidade linguística, tendo presente o valor económico e de influência que um idioma comum tem, em que um bloco linguístico, cultural e económico pode gerar um efeito multiplicador.
A língua portuguesa, como idioma de comunicação global falada por países com potencial económico reconhecidamente elevado, por desenvolver ou em desenvolvimento, impõe uma política linguística apetecivelmente aceite por um bloco lusófono, em sintonia com uma política de língua para não falantes de português como idioma materno que ultrapasse o seu núcleo central e espaço geolinguístico.
O NOSSO POVO DIVERSO E FORMOSO VAI EMERGIR ÚNICO E MARAVILHOSO
disseste
com a verdade da tua qualidade de espírito, dos teus movimentos livres, porque vês coisas diferentes e para elas escreves horizontes de antecipações, e porque antes já perguntaste
When day comes we ask ourselves where can we find light in this never-ending shade?
Agora, para todos te encontras preparada, aberta à lucida felicidade por ti procurada e por ti revelada nas palavras
When day comes, we step out of the shade aflame and unafraid.
Como um pássaro real sem peso dentro da liberdade total do ser.
Amanda Gorman
que sem a mínima dúvida o teu poema foi antes de nós e foi o que conta para nós
Os jornalistas da Gazzeta dello Sport perguntaram-lhe se tinha pensado em escrever uma encíclica sobre o desporto. Francisco: “Explicitamente não, mas há muitos elementos dispersos nas minhs intervenções, sugerindo, por exemplo, como o desporto pode ajudar ou pelo menos dar um contributo para a globalização dos direitos. A cada quatro anos há os Jogos Olímpicos, que podem servir de farol para os navegantes: a pessoa no centro, a pessoa orientada para o seu desenvolvimento, a defesa da dignidade de todas as pessoas. Contrfibuir para a construção de um mundo melhor, sem guerras nem tensões, educando os jovens através do desporto praticado sem discriminações de nenhuma espécie, num espírito de amizade e de lealdade.”
Jogos Olímpicos. “O lema olímpico: “Citius, Altius, Fortius” (Mais veloz, Mais alto, Mais forte) é belíssimo. Com os cinco círculos e a chama olímpica é um dos símbolos dos Jogos. Não é um convite à supremacia de uma equipa sobre a outra, ainda menos a uma espécie de incitamento ao nacionalismo. É uma exortação aos atletas, para que tendam a trabalhar sobre si mesmos, superando de modo honesto os seus limites, em ordem a construir algo de grande, sem se deixar bloquear por eles. Tornou-se uma filosofia de vida: o convite a não aceitar que alguém assine a vida por nós.”
Dos Jogos Olímpicos fazem parte integrante “os Paraolímpicos, uma das formas mais altas de igualdade, dignidade, redenção”. Francisco: “No desporto, agrada-me a ideia de inclusão. Aqueles cinco anéis entrelaçados, com cores diferentes e representando as cinco partes do mundo, são uma imagem fantástica de como o mundo poderia ser. O movimento paralímpico é preciosíssimo: não só para incluir a todos, mas também porque é a oportunidade para contar e dar direito de cidadania nos média a histórias de homens e mulheres que fizeram da deficiência a arma da redenção. São histórias que fazem nascer histórias, quando todos pensam que já não haveria nenhuma história para contar.”
Mas os negócios rondam a maravilha e a beleza do desporto, fazendo-lhe perder a alma. “O atleta é um mistério fascinante, uma obra-prima de graça, de paixão. Mas é facílimo transformá-lo num objecto, uma mercadoria que gera lucro. Na Fratelli Tutti, quis tornar claro que o mercado só não resolve tudo, embora a cultura de hoje pareça fazer-nos crer a todo o custo neste dogma de fé neoliberal. Isto acontece quando o valor económico faz lei, tanto no desporto como em tantos outros sectores da nossa vida. Vimos, nos últimos meses, como a pandemia tornou claro que nem tudo se resolve com a liberdade do mercado.”
Aqui, nesta crise, permita-se-me uma reflexão pessoal. A nossa palavra escola vem do grego scholê, que significa ócio (do latim otium), não no sentido de preguiça, mas de tempo livre para pensar, pesar razões, reflectir sobre o essencial. Desgraçadamente, hoje parece que tudo se trasformou em negócio (do latim nec-otium, negação do ócio). O resultado está à vista. Até o desporto, que pode e deve ser uma escola de vida, se tornou negócio, um gigantesco espaço de negócios, com imensa corrupção pelo meio.
Por detrás de um campeão há um treinador. Treinar é um pouco como educar? Francisco: “Sim. No momento da vitória de um atleta, quase nunca se vê o treinador. Mas, sem treinador, não nasce um campeão, um treinador que invista tempo, que saiba entrever possibilidades que nem o atleta imaginaria. Não basta, porém, treinar o físico; é preciso saber falar ao coração, motivar, corrigir sem humilhar. Quanto mais genial for o atleta mais delicado tratar com ele: o verdadeiro treinador, o verdadeiro educador sabe falar ao coração de alguém que nasce campeão.”
O segredo para competir no campeonato da santidade? Francisco: “Que faz um jogador quando é convocado para um jogo ou um atleta antes de uma competição? Deve treinar, treinar, treinar um pouco mais. A cada um Deus deu um campo no qual jogar a sua vida; sem treino, até o mais talentoso continua a ser um perdedor. Para treinar — até um Papa tem de continuar a treinar —, perguntar a Deus todos os dias: ‘Que queres que eu faça?, que queres da minha vida?’ Pedir a Jesus, confrontar-se com ele como treinador.”
O segredo da vitória. Francisco: “Penso que, se perguntássemos a qualquer desportista o segredo último das suas vitórias, mais de um nos diria que vence porque é feliz. E a felicidade é a consequência de um coração em ordem, em estado de graça, pronto para o desafio.”
Um sã competição pode ajudar também o espírito a amadurecer? Francisco: “São Paulo escreveu aos Coríntios: ‘Não sabeis que, nas corrida no estádio, todos correm, mas só um conquista o prémio? Correi também vós de modo a conquistá-lo’. É um belíssimo convite a entrar no jogo, para não olhar o mundo pela janela.”
A Igreja e o desporto. “A Igreja sempre alimentou um grande interesse pelo mundo do desporto. Podemos dizer que no desporto as comunidades cristãs identificaram uma das gramáticas mais compreensíveis para falar com os jovens.” O desporto contribui para um desenvolvimento saudável e harmónico.
Votos para 2021. “O meu desejo é muito simples, exprimo-o com as palavras escritas numa camiseta que me foi oferecida: ‘Mais vale uma derrota limpa do que uma vitória suja.’ Desejo isto para toda a gente, não só para o mundo do desporto. É a forma mais bela de jogar a vida com a cabeça erguida. Que Deus nos conceda dias santos. Por favor rezem por mim, para que não desista de treinar com Deus.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 23 JAN 2021
Playtime de Jacques Tati, Uniformidade e Singularidade.
Em arquitetura, a forma certa responde a um significado preciso e único. Para um significado existe uma única e irrepetível forma. E o comportamento das pessoas ao interagir com essa forma da arquitetura é que afinal conta, em defesa do indivíduo, que não se automatiza e que continua livre.
«What I’ve been trying to show is that the whole world is funny (...) comedy belongs to everybody.» (Malcolm Turvey, 2020, p. 62)
Hulot representa o indivíduo em ‘polémica’ com a sociedade estabelecida - não é apenas um visionário isolado do mundo. Hulot reforma sem destruir, sem quebrar a evolução natural da sociedade.
Na era da máquina o trabalho manual deixou de estar no centro de tudo, deixou de estar totalmente envolvido com o material. Tati, mostra que a arquitetura deixou de ser a revelação de um espírito, porque quando assim é, revela-se sempre imperfeita incompleta, impura e expressiva. No livro PlayTime. Jacques Tati and Comedic Modernism (2020), de Malcolm Turvey, lê-se que no filme Playtime, só o erro traz individualidade ao Royal Garden e a humanização, naquele espaço acontece assim que o chão se descola ou assim que Hulot tenta apanhar a laranja que está colada ao teto... A irregularidade, a incorreção, o amor pela alteração, pela imaginação confusa, o excesso e a redundância, a mistura das partes e a união do todo, só se conseguem a partir desse momento, no filme, naquele pequeno espaço da festa no Royal Garden.
Por toda a cidade, de Playtime, o corpo está ausente, existem só reflexos na arquitetura de vidro. Na cidade de Playtime, tal como para Walter Gropius «o espaço da arquitetura não é nada em si; é uma pura, inclassificável e ilimitada extensão» (G.C. Argan, 1992, p.273). O edifício já não é uma massa plástica, mas sim uma construção geométrica de planos transparentes no espaço.
Tati não critica o movimento moderno, critica sim a rapidez das transformações no mundo moderno e a forma absurda que a arquitetura pode tomar assim que uma linguagem (qualquer) é esvaziada de significado. Talvez a personagem de Hulot em Mon Oncle e em Playtime tente dar de novo significado à arquitetura. Tente dar de novo autonomia à expressão individual, pura e livre. Talvez despoletado não por uma intenção meramente pessoal, mas por uma intenção muito maior, relacionada com a necessidade de perseguir a vida com mais alegria, poesia e compaixão (porque se todos estivermos atentos e disponíveis estes propósitos podem ser encontrados a todo o tempo e em qualquer parte). Naquele bocado de espaço do Royal Garden, estabelece-se dentro daquele espaço (que é expressão subjetiva da vontade do tempo e do ser humano) de repente uma festa paralela dentro de um espaço irregular (formado pelo acaso, não planeado, sujo, partido, pequeno...).
No filme Playtime, todo o ambiente urbano se organiza sem erro e sem nódoa. Tudo e todos reagem como autómatos - em movimentos repetidos e iguais. Não se distinguem tipologias arquitetónicas - o aeroporto, o hotel, o escritório, a loja e a casa. Tudo se parece. O dentro e o fora misturam-se. O espaço privado e o espaço público confundem-se. Caixas de vidro aparecem dentro de caixas de vidro.
E por isso, as outras dimensões da vida são introduzidas através da imperfeição - talvez a verdadeira vida só aconteça por entre aquilo que é automático.
Neste ambiente, Hulot não consegue ser rápido e eficaz em controlar até os seus próprios movimentos. Playtime deixa transparecer a necessidade de um profundo espírito, individual e livre, que deve estar constantemente por trás de tudo o que é criado (por mais insignificante que a criação seja). O ideal de beleza que só aceita o rápido, o perfeito, a síntese, a repetição, a precisão, a uniformização e a passividade deve ser substituído por uma vontade de dar forma que aceita as imperfeições, a problemática, a irregularidade, a demora, a hesitação, a singularidade e a participação de todos os indivíduos, sem exceção. Porque a criação não é uma habilidade superior, nem inatingível. É uma capacidade humana que se encontra em todo o fazer desde o trabalho mais moroso ao mais minúsculo e ínfimo.
Tati não procura evocar uma forma de arquitetura nostálgica mas antes uma arquitetura mais humana. As imperfeições são difíceis de aceitar e o modernismo cómico manifesta-se através de imperfeições, enganos (um aeroporto que parece um hospital, um edifício que se parece com o aparelho radiofónico).
«What I condemn in the ‘new’ life is precisely the disappearance of any respect for the individual», Jacques Tati (Malcolm Turvey, 2020, p.55)
“Contos Populares Portugueses” de Adolfo Coelho (Paulo Plantier, 1879) constitui uma tentativa séria de preencher uma lacuna na cultura portuguesa e que tem a ver com a ausência de uma recolha sistemática, ao longo dos séculos, de exemplos coevos da cultura popular no imaginário literário.
CONTOS DA CULTURA POPULAR
Como diz Adolfo Coelho (1847-1919) no prefácio da obra: «Os contos que publicamos não têm todos igual valor, mas oferecem todos mais ou menos interesse sob o ponto de vista tradicional. Em regra, pode considerar-se a tradição dos contos entre nós como assaz obliterada; falta-lhes vida, poesia, muitas vezes referência; muitas feições significativas em versões doutros países tornaram-se aqui ininteligíveis e só pela comparação se explicam. A sua forma em geral é seca, monótona, enumerativa. Alguns, porém, apresentam-se ainda numa forma excelente, menos deturpados por elementos modernos; noutros, como em todos os países sucede, há o resultado de estranhas combinações de elementos de contos diversos». Insiste o pedagogo que os contos populares «não são ridículas invenções, boas só para divertir gente rude, que não tem cousa melhor para pasto do seu espírito e da sua ociosidade» - e continua: «muita gente, séria e grave na própria opinião, pasmará de que haja quem gaste o seu tempo com tais coisas; mas algumas pessoas haverá também que queiram aprender e para essas escrevemos as observações que seguem, desnecessário aos que estão ao corrente da ciência». Mas reconhece que «a novelística culta de fundo tradicional é um dos ramos mais pobres da nossa literatura; por essa razão a história dos contos populares entre nós não se pode estudar com a clareza que haveria se tivéssemos numerosos documentos do género do que trasladamos. O Orto do Esposo e os Contos de proveito e exemplo de Gonçalo Fernandes Trancoso assumem, por isso, uma importância excecional». A mais antiga edição desses contos é de 1575, segundo Teófilo Braga, mostrando que foram escritos por ocasião da peste de 1569. E Trancoso terá usado a tradição popular como fonte». Entre os contos populares reunidos por Adolfo Coelho, podemos referir: A história da Carochinha; A Formiga e a Neve; O Rabo do Gato; A Torre da Babilónia; Mais vale quem Deus ajuda do que quem muito madruga; História do Grão-de-Milho; O Príncipe Sapo; O homem que busca estremecer, O Príncipe com Orelhas de Burro; Os Três Estudantes e o Soldado; a Moura Encantada…
CIDADÃO E PEDAGOGO
Francisco Adolfo Coelho foi pedagogo, filólogo, etnólogo, linguista e escritor. Exerceu funções de professor do Curso Superior de Letras, onde ensinou Filologia Românica Comparada e Filologia Portuguesa, foi diretor da Escola Primária Superior e lecionou na Escola do Magistério Primário de Lisboa, onde organizou o Museu Pedagógico. Nas Conferências do Casino, em 1871, tratou do tema “A Questão do Ensino”, onde defendeu a separação da Igreja do Estado e a promoção da liberdade de pensamento, como essenciais para o progresso do País pela Instrução Pública. O novo Portugal nasceria, para Adolfo Coelho, da incorporação da cultura popular num projeto da nação no qual a Educação fosse central. As tradições do povo, o seu saber e a pedagogia popular seriam considerados para alicerçar a modernização da sociedade portuguesa e o espírito da sociedade nova centrados na sua cultura. Figura considerada e prestigiada teve nas duas primeiras décadas do século XX um papel importante, designadamente na institucionalização da República, em especial no tocante à organização do ensino secundário superior. Assim, acentuou a necessidade de só se apresentar aos educandos aquilo que estivessem preparados para entender e de lhes dar liberdade de escolha entre algumas disciplinas de opção nas classes superiores do ensino secundário.
UM CONTO ATUAL
Como exemplo de pedagogia pela recordação da cultura popular, lembramo-nos do célebre conto tradicional das culturas europeias, que muitos de nós ouvimos contado pelas nossas avós. “O Homem que busca estremecer”, incluído nos “Contos Populares Portugueses”, que constitui uma versão nossa do velho conto dos irmãos Grimm do jovem que partiu em busca do medo. “Era um homem rico e tinha um filho que nunca estremeceu com nada. Dava-lhe o signo dele de ir passar muitas terras e nunca seria timorato, nunca teria medo a cousa nenhuma”. Pediu então o filho a seu pai que lhe desse o seu quinhão para poder partir em busca do medo que lhe faltava. E assim aconteceu, enfrentando mil situações aterradoras. Com demónios estoirando dentro de casas, sempre sem o mínimo calafrio. A tradição germânica relatada pelos Grimm é semelhante. “Um pai tinha dois filhos, o mais velho deles era sábio e sensato, e sabia fazer tudo, mas o mais novo era tolo, e não conseguia aprender nem entender o que quer que fosse”. Mas enquanto o mais velho se negava a ir para locais sombrios e assustadores, nada atemorizava o mais novo. Por mais que tentassem, nada havia que lhe metesse medo – até que um pobre sacristão ficou em muito mau estado quando quis assustá-lo como se fora um fantasma, pois o jovem não se deixou perturbar pela suposta ameaça. Então partiu pelo mundo em demanda do medo. Com cinquenta moedas no alforge, enfrentou perigos, até com risco de vida, mas sempre sem o menor temor. José Gomes Ferreira também tratou do tema nas “Aventuras de João sem Medo” (inicialmente publicadas nas páginas da revista “O Senhor Doutor”, em 1933). Aí, cansado de viver numa terra de choros e queixas, a aldeia de Chora-Que-Logo-Bebes, João decidiu saltar o muro que separava o lugarejo do mundo, em busca de enigmas da infância e de entes fantásticos – bichas de sete cabeças, gigantes de cinco-braços, fadas, bruxas, animais que falavam e ainda o mítico Príncipe de Orelhas de Burro… No conto de Adolfo Coelho o medo seria encontrado num cabaz de pombas que «lhe esvoaram para a cara», causando-lhe estremecimento; no relato de Grimm, o jovem tornar-se-ia rei e tudo terminou num epílogo algo ingénuo e pouco épico, com um balde de água fria, lançado por uma aia da rainha, cheio de gobiões, peixinhos moles e peganhentos, com barbatanas perturbadoras. As metáforas merecem ser lembradas. Os tempos muito incertos e cheios de ameaças que vivemos não permitem que facilitemos as coisas. Ainda estamos longe de nos libertarmos destas condições trágicas. Precisamos de encontrar todos os meios possíveis para inverter a tendência e para podermos salvar vidas. A liberdade individual e a proximidade uns dos outros terão de ser recuperadas com solidariedade e esperança. Sendo atuais, urge compreender o medo e a verdadeira audácia, para não nos desprevenirmos nesta pandemia que nos enlouquece…
A coleção La Librairie du XXIe. Siècle, dirigida por Maurice Olender, publicou em 2011 uma pequena coletânea de escritos do grande antropólogo Claude Lévi-Strauss, intitulando-a L’AUTRE FACE DE LA LUNE - Écrits sur le Japon (Seuil, Paris). Junzo Kawada recorda, no prefácio a essa obra, uma confissão de Lévi-Strauss que, na apresentação da edição japonesa do seu livro Tristes Tropiques, em 1977, revela o seu apego ao Japão:
Nenhuma influência contribuiu mais precocemente para a minha formação intelectual e moral do que a da civilização japonesa. Por vias bem modestas, sem dúvida: meu pai, artista pintor, fiel aos Impressionistas, tinha, na mocidade, enchido uma gorda pasta de estampas japonesas, e deu-me uma pelos meus cinco ou seis anos. Ainda me lembro dela: era uma gravura de Hiroshige, já muito gasta e sem margens, que representava umas passeantes debaixo de uns grandes pinheiros à beira-mar.
Entusiasmado pela primeira emoção estética que ressentira, com ela cobri o fundo de uma caixa que me ajudaram a pendurar por cima da minha cama. A estampa fazia de panorama avistado do terraço dessa casinha que, de semana em semana, eu me entretinha a rechear de móveis e personagens em miniatura importados do Japão, e de que uma loja chamada "La Pagode", situada na rua dos Petits Champs, em Paris, fizera especialidade sua. Desde então, uma estampa veio premiar cada um dos meus êxitos escolares, e assim foi durante anos. A pouco e pouco, a pasta de meu pai foi-se esvaziando para proveito meu. Mas tal não chegava para conseguir o encantamento que me inspirava o universo que eu ia descobrindo através de Shunsho, Yeishi, Hokusai, Toyokuni, Kunisada e Kuniyoshi... Até aos meus dezassete ou dezoito anos, todas as minhas economias se gastaram em estampas, livros ilustrados, lâminas e copas de sabre, indignas de qualquer museu (já que as minhas só me deixavam adquirir coisas humildes), mas que me absorviam durante horas, nem que fosse para - armado de uma lista de caracteres japoneses - apenas decifrar, laboriosamente, títulos, legendas e assinaturas... Posso portanto dizer que toda a minha infância e parte da minha adolescência se desenrolaram tanto, ou talvez mais, no Japão do que em França, pelo coração e pelo pensamento.
Todavia, curiosamente, só entre 1977 e 1988 é que Lévi-Strauss fez umas cinco viagens ao Japão, onde nunca estivera, ele que nascera em 1908. Já depois de ter escrito que, apesar disso, não ignoro as grandes lições que a civilização japonesa tem em reserva para o Ocidente, se este quiser entendê-las: que, para viver no presente, não é necessário odiar e destruir o passado; e que não há obra de cultura digna de tal nome onde não haja lugar para o amor da natureza e respeito por ela. Se a civilização japonesa consegue manter o equilíbrio entre a tradição e a mudança, e se o preserva entre o mundo e o homem, sabendo evitar que este não arruíne nem torne feio aquele, por, numa só palavra, permanecer persuadida, conforme o ensino dos seus sábios, de que a humanidade ocupa esta terra a título transitório e de que tal breve passagem não lhe confere o direito de causar irremediáveis danos a um universo que existia antes dela e continuará a existir depois, então talvez tenhamos uma fraca probabilidade de que as sombrias perspetivas a que este livro chega não sejam, pelo menos em partes deste mundo, as únicas promessas às futuras gerações...
Reconheço, minha Princesa de mim, que esta carta te foi escrita mais pelo Claude Lévi-Strauss do que por este Camilo Maria que a subscreve. São, na verdade, muito longas as citações que aqui traduzo, mas também é certo que a minha convivência de décadas com a gente nipónica e a sua cultura me leva a acordar-me com tudo, ou quase tudo, do que aqui transcrevi do prefácio straussiano à edição japonesa (em 1977?) do seu Tristes Tropiques, cujo original francês foi publicado pela Plon, Paris, em 1955. Aliás, tem sido longa a minha própria reflexão acerca das diferenças culturais, tal como da evolução das culturas de, e em, várias sociedades, da aculturação e inculturações que todos os dias vão medrando por esse mundo em que vivemos ou, melhor, convivemos. Aprendi muito, quanto ao Japão, com o padre Luís Fróis, jesuíta português do século XVI, observador perspicaz e amantíssimo das gentes e coisas japonesas. Em próxima carta, Princesa de mim, debruçar-me-ei sobre um capítulo de L’autre face de la Lune, capítulo esse intitulado Apprivoiser l’étrangeté (que traduzo por "Domesticar a estranheza ou o estranho", no sentido de tornar cá de casa o que nos é estranho, ou seja, também, conviver com a nossa própria estranheza. A fonte de tal capítulo é um prefácio de Lévi-Strauss ao livro Européens & Japonais. Traité sur les contradictions & différences de moeurs, versão francesa (Chandeigne, Paris, 1998) dum escrito do padre Luís Fróis, no Japão, em 1585. Veremos então a bem profunda admiração de Lévi-Strauss pelo nosso missionário quinhentista...
Começamos por assinalar que o historial das artes de letras e de espetáculos não impedem o uso literário de referências, vindas dos séculos XIX/XX, marcadas pela tradição histórica das respetivas designações: e assim, o dramaturgo D. João de Castro (1871-1955), nascido pois há cerca de século e meio, então como tal consagrado e hoje praticamente esquecido, marcou no entanto a época e de certo modo a produção dramatúrgica pós-romântica, o que em rigor significa uma transição, tantas vezes nem sequer como tal explícita, do teatro português.
E é interessante então relacionar estas evocações de autores, como tal mais ou menos esquecidos, com a estrutura histórico-artística da época e designadamente com a relevância que tem esta produção de espetáculos teatrais e a importância dos seus autores: nesse sentido, e por isso mesmo, esta série de artigos muitas vezes se destina a recordar nomes e obras que valorizam o teatro.
Fazemos e citamos então agora diversas referências à obra dramatúrgica deste João de Castro, a partir do que escrevemos na “História do Teatro Português”.
Aí referimos que na época o teatro histórico em verso marcou a cultura, a produção e mesmo o espetáculo. E esta opção, que em rigor dura até hoje, foi relevante da dramaturgia de autores na época consagrados e ainda evocáveis, desde logo Henrique Lopes de Mendonça ou Júlio Dantas, por exemplo: mas há que lembrar portanto a dramaturgia, hoje de facto praticamente esquecida, de João de Castro.
Ora, importa ter presente que D. João de Castro, como tal mesmo na época consagrado, é considerado um dos iniciantes do simbolismo, ou pelo menos Júlio Brandão assim o evoca. E será oportuno ainda referir que a dramaturgia de D. João de Castro comporta um díptico referido no conjunto como precisamente “O País da Quimera” que envolveria duas peças: “Via Dolorosa” (1898) e “Vida Eterna” que se perdeu.
Mas como já escrevemos, o chamado então “Teatro Heroico”, nada menos, envolveu peças como “Brasil” (1924) ou “Por Bem” (1931), peças hoje efetivamente esquecidas... e podemos ainda citar por exemplo peças como “Jesus”, “A Desonra”, ou “O Marquês de Carriche” (1927).
Finalmente Luiz Francisco Rebello na “História do Teatro Português” escreve: «Mas devem ainda citar-se D. João de Castro (1871-1955), o autor dos sonetos “neofilibatas” de “Alma Póstuma” e do romance “Os Malditos” que depois do poema-drama “Via Dolorosa” (1898), escreveria um drama naturalista que ousadamente punha em cena um caso de incesto filial (“A Desonra”, 1913) e peças de assunto histórico na linha do neo-realismo finissecular (“O Marquês de Carriche”, 1927; “Por Bem”, 1931)».
E seguem citações de autores que Rebello refere como relevantes dramaturgos da época (alguns ainda hoje, acrescente-se): designadamente Manuel da Silva Gaio, Júlio Dantas, Afonso Lopes Vieira...
Ora, independentemente de quaisquer outras apreciações, a referência à citação de Luiz Francisco Rebello sobre D. João da Câmara representa o interesse que significa a obra hoje injustamente esquecida deste dramaturgo!
Essa língua em boa hora nossa, não é apenas nossa, mas também nossa. De matriz galega e com uma variedade de influências, é uma realidade em movimento, de passagem por Portugal, pois é partilhada por outros países, como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. E por comunidades lusófonas disseminadas pelos vários continentes, para além de grupos, instituições e pessoas não lusófonas que mantêm com a nossa língua e culturas lusófonas relações de comunhão afetiva e de interesse. À disseminação do português pelas navegações, associou-se a diáspora portuguesa, lusófona e contemporânea, com consequências inseparáveis ao nível da sua dimensão de mercado, globalização e do seu potencial geoestratégico. Dispersão a que agregaremos as características de língua transcontinental, transnacional, de civilização, difusora, migratória, em circuito aberto e crescimento demográfico, miscigenada, promíscua, de assimilação, pluricêntrica, de cultura, de ciência, técnico-científica, pluricultural, informatizada, internáutica, flexível, de exportação, de propensão essencialmente não-europeia tendo aqui, como critério classificativo, uma variação diatópica ou geográfica, apesar da sua génese. Tendo-a como língua de estratégia e de vanguarda, com características emergentes e tendentes à universalidade e, para tanto, beneficiada pela difusão natural, aprendizagem e plasticidade, Fernando Pessoa já previa, nos anos 20 do século XX, que o nosso idioma estava destinado a ser uma das poucas línguas universais de futuro, enquanto falado em todos os continentes e ter como sujeito falante um país continental e potência emergente, ou seja, o Brasil. Todavia, é necessário recuperar e renovar o espírito de achamento e descoberta que nos caracterizou e associar o português à inovação e modernidade, tornando-o transigente, integrador e cosmopolita. Reconhecida e aceite como uma boa língua para literatura, é também um idioma que não atrapalha o raciocínio e a imaginação científica, sendo amiga das ciências, o mesmo sucedendo em relação às novas tecnologias, desde a informática à internet. Não basta, pois, que a defesa da nossa língua se faça apenas no campo literário e cultural em geral, sendo necessário que se faça também nos campos científico e tecnológico.