CRÓNICAS PLURICULTURAIS
69. A DUPLA FACE DE JANO
Segundo a lenda, Saturno teria dado a Jano o dom da dupla ciência, a do passado e a do futuro, representando-o os romanos com duas faces voltadas em sentido contrário.
Jano tornou-se o deus do início de todas as coisas, entre elas o início do ano, o 1.º de janeiro, “a porta que abre o ano”.
Responsável pela abertura das portas ao ano que se iniciava, era o guardião das portas, tendo presente que toda a porta olha para dois lados, com duas faces, uma contendo o ano velho que findou e outra o ano novo com os seus mistérios e segredos futuros.
Jano mostra-nos que tudo tem duas faces, que tudo tem em si princípio e fim, daí ser representado por duas faces contrapostas e opostas: uma envelhecida (passado) e outra jovem (futuro).
Há sempre o ano velho e o novo, no sentido de que tudo tem, pelo menos, duas faces, nada sendo imutável e permanente.
Mas nem tudo é a preto e branco, bom e mau, numa dualidade constante, com referência a uma pretensa analogia com as duas faces do ser humano.
Jano também simbolizava o deus das metamorfoses, das transformações, da mudança, da sabedoria, podendo ser representado com uma face masculina e feminina, ou outras dualidades, como guerra e paz, sol e lua.
Para Ovídio a face dupla de Jano exercia o seu poder sobre a terra e sobre os céus.
E de deus que presidia aos começos, do início de todas as coisas, como o início do ano (januarius significa janeiro), tornou-se no deus das quatro estações possuindo, então, quatro cabeças, em vez de duas.
Para os romanos, o primeiro mês do ano era dedicado a Jano, celebrando-se as januárias, no início de janeiro, em sua honra, por analogia com as atuais celebrações de ano novo, num renascer permanente ano a ano, querendo descartar o passado (ano velho) e viver o futuro (ano novo), numa afirmação e formulação anual de rituais, balanços, expetativas e desejos que no essencial se repetem e que marcam a natureza transitória da nossa passagem no mundo que conhecemos.
No final e início do ano há sempre promessas e juras de metamorfoses em que acreditamos ou teatralizamos acreditar.
Há o passado (ano velho) e o futuro (ano novo) que, para Santo Agostinho, são figuras de linguagem de um tempo que já foi ou que virá a ser, mas que não é, em que a realidade existe apenas no presente, que é o tempo em movimento.
Um melhor e mais auspicioso 2021.
01.01.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício