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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O PAPA FRANCISCO E O DESPORTO. 3

 

Os jornalistas da Gazzeta dello Sport perguntaram-lhe se tinha pensado em escrever uma encíclica sobre o desporto. Francisco: “Explicitamente não, mas há muitos elementos dispersos nas minhs intervenções, sugerindo, por exemplo, como o desporto pode ajudar ou pelo menos dar um contributo para a globalização dos direitos. A cada quatro anos há os Jogos Olímpicos, que podem servir de farol para os navegantes: a pessoa no centro, a pessoa orientada para o seu desenvolvimento, a defesa da dignidade de todas as pessoas. Contrfibuir para a construção de um mundo melhor, sem guerras nem tensões, educando os jovens através do desporto praticado sem discriminações de nenhuma espécie, num espírito de amizade e de lealdade.”


Jogos Olímpicos.
“O lema olímpico: “Citius, Altius, Fortius” (Mais veloz, Mais alto, Mais forte) é belíssimo. Com os cinco círculos e a chama olímpica é um dos símbolos dos Jogos. Não é um convite à supremacia de uma equipa sobre a outra, ainda menos a uma espécie de incitamento ao nacionalismo. É uma exortação aos atletas, para que tendam a trabalhar sobre si mesmos, superando de modo honesto os seus limites, em ordem a construir algo de grande, sem se deixar bloquear por eles. Tornou-se uma filosofia de vida: o convite a não aceitar que alguém assine a vida por nós.”


Dos Jogos Olímpicos fazem parte integrante “os Paraolímpicos, uma das formas mais altas de igualdade, dignidade, redenção”. Francisco: “No desporto, agrada-me a ideia de inclusão. Aqueles cinco anéis entrelaçados, com cores diferentes e representando as cinco partes do mundo, são uma imagem fantástica de como o mundo poderia ser. O movimento paralímpico é preciosíssimo: não só para incluir a todos, mas também porque é a oportunidade para contar e dar direito de cidadania nos média a histórias de homens e mulheres que fizeram da deficiência a arma da redenção. São histórias que fazem nascer histórias, quando todos pensam que já não haveria nenhuma história para contar.”


Mas os negócios rondam a maravilha e a beleza do desporto, fazendo-lhe perder a alma
. “O atleta é um mistério fascinante, uma obra-prima de graça, de paixão. Mas é facílimo transformá-lo num objecto, uma mercadoria que gera lucro. Na Fratelli Tutti, quis tornar claro que o mercado só não resolve tudo, embora a cultura de hoje pareça fazer-nos crer a todo o custo neste dogma de fé neoliberal. Isto acontece quando o valor económico faz lei, tanto no desporto como em tantos outros sectores da nossa vida. Vimos, nos últimos meses, como a pandemia tornou claro que nem tudo se resolve com a liberdade do mercado.”


Aqui, nesta crise, permita-se-me uma reflexão pessoal. A nossa palavra escola vem do grego scholê, que significa ócio (do latim otium), não no sentido de preguiça, mas de tempo livre para pensar, pesar razões, reflectir sobre o essencial. Desgraçadamente, hoje parece que tudo se trasformou em negócio (do latim nec-otium, negação do ócio). O resultado está à vista. Até o desporto, que pode e deve ser uma escola de vida, se tornou negócio, um gigantesco espaço de negócios, com imensa corrupção pelo meio.


Por detrás de um campeão há um treinador.
Treinar é um pouco como educar? Francisco: “Sim. No momento da vitória de um atleta, quase nunca se vê o treinador. Mas, sem treinador, não nasce um campeão, um treinador que invista tempo, que saiba entrever possibilidades que nem o atleta imaginaria. Não basta, porém, treinar o físico; é preciso saber falar ao coração, motivar, corrigir sem humilhar. Quanto mais genial for o atleta mais delicado tratar com ele: o verdadeiro treinador, o verdadeiro educador sabe falar ao coração de alguém que nasce campeão.”


O segredo para competir no campeonato da santidade?
Francisco: “Que faz um jogador quando é convocado para um jogo ou um atleta antes de uma competição? Deve treinar, treinar, treinar um pouco mais. A cada um Deus deu um campo no qual jogar a sua vida; sem treino, até o mais talentoso continua a ser um perdedor. Para treinar — até um Papa tem de continuar a treinar —, perguntar a Deus todos os dias: ‘Que queres que eu faça?, que queres da minha vida?’ Pedir a Jesus, confrontar-se com ele como treinador.”


O segredo da vitória
. Francisco: “Penso que, se perguntássemos a qualquer desportista o segredo último das suas vitórias, mais de um nos diria que vence porque é feliz. E a felicidade é a consequência de um coração em ordem, em estado de graça, pronto para o desafio.”


Um sã competição pode ajudar também o espírito a amadurecer?
Francisco: “São Paulo escreveu aos Coríntios: ‘Não sabeis que, nas corrida no estádio, todos correm, mas só um conquista o prémio? Correi também vós de modo a conquistá-lo’. É um belíssimo convite a entrar no jogo, para não olhar o mundo pela janela.”


A Igreja e o desporto
. “A Igreja sempre alimentou um grande interesse pelo mundo do desporto. Podemos dizer que no desporto as comunidades cristãs identificaram uma das gramáticas mais compreensíveis para falar com os jovens.” O desporto contribui para um desenvolvimento saudável e harmónico.


Votos para 2021
. “O meu desejo é muito simples, exprimo-o com as palavras escritas numa camiseta que me foi oferecida: ‘Mais vale uma derrota limpa do que uma vitória suja.’ Desejo isto para toda a gente, não só para o mundo do desporto. É a forma mais bela de jogar a vida com a cabeça erguida. Que Deus nos conceda dias santos. Por favor rezem por mim, para que não desista de treinar com Deus.”

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 23 JAN 2021