Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

A porosidade do tecido urbano.


No livro La Ville Poreuse de Bernardo Secchi e Paola Viganò, lê-se que a porosidade é o conceito usado para descrever e interpretar os vazios do tecido urbano contemporâneo. Porosidade relaciona-se com a ideia da passagem lenta de um líquido, em queda, por uma massa filtrante e sólida. O líquido atravessa, por isso, um vazio que não é perfeito e que encontra pelo caminho outros corpos, que podem impedir ou facilitar a sua passagem. Os deslocamentos que se dão num tecido urbano são muito semelhantes, a nível macroscópico, aos deslocamentos de um fluído num meio poroso. E o tecido urbano é como que uma esponja porosa e permeável, pois só assim é possível averiguar a essência das relações entre os deslocamentos e a sua forma. Porosidade opõe-se a opaco e a impenetrável.


«Porosidade diz respeito às diferentes maneiras de utilização do espaço urbano e de deslocamento dentro da cidade pelos diferentes usuários, não somente humanos, mas também de outras espécies. A porosidade é uma descrição e uma atitude de projeto: uma maneira diferente e inusitada de conceber espaços (interstícios do tecido compacto, como jardins privados, espaços abertos na grande cidade moderna, passagem para pessoas e natureza nos espaços construídos descontínuos, parques, praças, jardins) e práticas (públicas, individuais e coletivas). Para trabalhar com a porosidade é preciso dispor de oportunidades para melhorar a acessibilidade e a permeabilidade do tecido urbano, aprimorando a qualidade do domínio público e aumentando as práticas públicas.» (Valva 2016, 61)


Ora, para que uma cidade se mantenha viva, necessita de movimentos contínuos. Para Secchi, porosidade não diz respeito somente à mobilidade humana (viaturas, bicicletas e pessoas), mas também à percolação das águas e aos movimentos dos elementos naturais (vegetais e animais). Para Secchi, uma metrópole socialmente integrada, é uma metrópole sem barreiras físicas, monetárias ou imaginárias. É uma metrópole, sem divisões e sem enclaves – é porosa, permeável, isotrópica, transparente e que atua em todas as direções. A isotropia, figura por excelência da democracia, opõe-se a uma organização piramidal e hierarquizada da metrópole radioconcêntrica. Secchi revela que o maior obstáculo à porosidade, à conectividade, à permeabilidade e à acessibilidade, é o imaginário que acredita que a ordem, em todos os seus domínios, coincide com hierarquia - hierarquia dos espaços verdes, dos cursos de água, das infraestruturas da mobilidade, dos lugares centrais e de sociabilidade. (Secchi e Viganò 2011, 46)


Para que a porosidade seja eficaz, tem de se garantir que os poros ou vazios estejam todos interligados. A cidade porosa, pretende, interligar as diferentes partes de uma cidade e de um território. Porosidade pode dar de novo significado ao território disperso e fraturado e principalmente ao sistema ambiental. Porosidade faz referência a densidades, a distâncias, à sociedade e à ecologia.


A porosidade de uma cidade pode encontrar obstáculos e barreiras físicas dispersos pelo tecido urbano - autoestradas, linhas ferroviárias, canais, muros perimetrais, zonas de atividades ou diferentes heterotopias (como hospitais, campus universitários, centros comerciais, prisões, cemitérios e museus). Ou barreiras imaginárias e sociais, tais como aquelas constituídas por zonas sensíveis e por comunidades encarceradas.


Por isso, é a porosidade que aumenta a diversidade ecológica e social, através da abertura de canais de comunicação eficazes. Uma metrópole porosa deve construir uma acessibilidade generalizada no território, através do cuidado com a configuração de uma infraestrutura da mobilidade e à dinâmica do movimento das pessoas, aliado a ciclovias e à rede viária de transporte público. As infraestruturas dividem-se, assim, em duas classes:

  • o tubo: estabelece troca dentro do território somente em poucos pontos bem definidos - estradas e autoestradas – e permite o fluxo eficiente, mas sempre que se introduz a alta velocidade diminui-se a conectividade.
  • a esponja: permite que cada pessoa se relacione com o território a qualquer momento. É uma massa filtrante. É uma rede urbana menor, de trama muito pequena e densa.


O modelo da esponja porosa, para Secchi, poderá fazer confluir ecologia, mobilidade e habitat. A cidade e todo o seu território, é irrigado por redes ramificadas, que como numa esponja, têm com o seu contexto uma relação osmótica. Numa cidade porosa as relações por osmose são muito importantes, porque a compacidade dos tubos pode reduzir ou mesmo eliminar todo e qualquer o fluxo urbano. É a forma de um tecido urbano que nos informa e influência, em grande medida, a quantidade e a qualidade de todas as deslocações. Para Secchi, é muito importante, por exemplo, estudar como é que as entidades (peões, bicicletas, carros e água) existentes num meio urbano, ou em geral numa rede territorial, podem utilizar o espaço à disposição para os seus deslocamentos, e pôr isso em relação com o desenho desse mesmo espaço. (Secchi e Viganò 2011, 46)


Para Secchi, porosidade é a fração de espaço dentro do qual os deslocamentos têm lugar. É uma relação entre o volume dos poros (espaços não construídos) e o volume total da esponja (área que a cidade ocupa). Uma grande porosidade significa que o espaço à disposição para o deslocamento é grande, mas isto não garante necessariamente, que os deslocamentos sejam, na verdade, valorizados. Por isso, a porosidade, por si só, não garante o fluxo e por isso precisa de se associar à conectividade, à permeabilidade e à acessibilidade.


Em relação à conectividade, uma grande porosidade não significa necessariamente uma boa mobilidade, porque nem sempre os poros estão ligados entre eles. As barreiras impedem a conectividade e contribuem para a existência de enclaves. A conectividade, por isso, é muito importante, porque é a garantia de que há movimento entre um espaço vazio e outro. Uma forte porosidade não garante forte conectividade, mas pode em muito contrariar a existência de uma cidade fechada e compacta.


Já a permeabilidade é uma medida que avalia a facilidade da travessia. Se os poros são isolados, o fluxo não se pode realizar. Para que haja fluxo, os poros precisam de estar interligados. A permeabilidade mede, não só, o nível de porosidade do tecido urbano, mas também o grau de conectividade, isto é, a possibilidade de movimento entre as diferentes direções. A grande porosidade não é suficiente para uma grande permeabilidade. Porosidade e conectividade são características que se relacionam com a geometria e o desenho do tecido urbano. A permeabilidade diz respeito, aos sujeitos que aí se deslocam. Diferentes tipos de fluídos percorrem os tecidos urbanos - há por exemplo tecidos que são permeáveis para peões e bicicletas, mas o são não para comboios e elétricos.


Por fim, acessibilidade é a medida que averigua a possibilidade efetiva de se passar de um ponto a outro, graças a um meio de transporte. Um espaço pode ser acessível por bicicleta ou a pé, mas não ser inacessível por elétrico ou metro. Porosidade, conectividade e permeabilidade são condições necessárias, mas não são suficientes para acessibilidade acontecer.


Para Secchi os principais problemas das cidades contemporâneas (sobretudo das grandes metrópoles) são as suas crescentes desigualdades e fraturas: entre o centro e as periferias; entre os lugares de exceção e os lugares esquecidos; e entre as suas diferentes estruturas sociais, económicas e físicas. E porosidade associada a conectividade, permeabilidade e acessibilidade são conceitos que poderão em muito contribuir para uma nova interpretação do território urbano. Estes são os instrumentos concetuais fundamentais para investigar e projetar o território urbano contemporâneo e na opinião de Secchi, também o território do futuro, e surgem a partir da identificação da forma, da força e da importância do vazio, entre os diferentes fragmentos de uma cidade.

 

Ana Ruepp