Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Assinala-se nesta crónica o centenário da morte do arquiteto Ventura Terra (1866-1919) relevante na época e ainda hoje pela qualidade e variedade de projetos com que enriqueceu o país, no ponto de vista da construção, desenvolvimento e enriquecimento cultural e urbano. Sendo certo que a sua obra em muito transcende as áreas de produção artística e, designadamente, os teatros e casas de espetáculo cultural, importa em qualquer caso evocar este arquiteto, a quem muito se deveu e deve na valorização arquitetónica do país, até porque a sua obra foi e é descentralizada.
Ora importa então referir que Ventura Terra deixou uma obra prestigiante no ponto de vista da qualidade arquitetónica, mas também na adequação dos projetos à política de descentralização cultural/teatral que o país lhe ficou a dever e, em muitos casos, até hoje lhe deve...
E entretanto, importa frisar que Ventura Terra esteve ligado à projeção e construção de dois teatros de relevo: o curioso Teatro Clube de Esposende e o ainda hoje muito relevante Teatro (e depois cinema) Politeama de Lisboa. E sem querer de jeito nenhum salientar apenas a descentralização, pois a própria atividade da cultura amplamente assim o merece e exige, importa ter em vista o que representam e significam estes projetos.
E desde logo, tento então sobretudo (mas não só) o significado cultural do investimento em Esposende entre os anos de 1908, data do projeto, e 1916, data da inauguração, importa inclusive ter presente o que essa iniciativa dupla significou numa política de descentralização e produção cultural. Isto, tendo inclusive bem presente a relevância notável, em todos os aspetos, do Politeama em si.
O que não obsta a que se refira com relevo a obra de Esposende, sobretudo considerando a política de descentralização teatral que envolveu. Até porque o Teatro Clube de Esposende constituiu na época um significativo investimento de descentralização cultural e de espetáculo, sendo certo que o Teatro Clube de Esposende valorizou a região e prolongou a descentralização cultural já antes prosseguida por um Teatro de Santo António que vinha do século XVIII e ardeu em 1899, sendo depois "substituído" pelo Teatro Clube.
E é então de assinalar que este Teatro serviu para instalar, a certa altura, o Museu Municipal de Esposende, um projeto do arquiteto Bernardo Ferrão. E em qualquer caso, é de referir a atualidade e utilidade do edifício e a adaptação a Museu Municipal segundo projeto de Bernardo Ferrão. Estava-se em meados da década de 80 do século passado.
O edifício em si mesmo merece referência e a adaptação então ocorrida manteve os azulejos que Ventura Terra instalou.
Quanto ao Politeama importa aqui recordar a validade e a função cultural e recreativa do Cineteatro, que em ambas as funções arcou com destaque a sua atividade. Recordo que lá atuaram gerações de figuras determinantes da cultura de espetáculo. Se virmos os dramaturgos que lá estrearam peças, reconheceremos essa função cultural: peças de Alfredo Cortez, Ramada Curto, D. João da Câmara, Raul Brandão, Júlio Dantas, interpretados em épocas diversas por nomes como Amélia Rey Colaço, Ângela Pinto, Adelina e Aura Abranches, Chaby Pinheiro, António Silva, Filipe La Féria e tantos mais...
E aqui referimos a relação direta e específica de Alfredo Cortez, grande dramaturgo do século XX, com o Politeama. Aqui estreou peças de destaque como "O Lobo" (1923), "A La Fé!" (1924) e "Lourdes" (1927). Mas a minha geração apanhou sobretudo o Politeama (mas não exclusivamente) como cinema de qualidade.
O fim da segunda guerra mundial foi, sobretudo, a vitória dos aliados anglófonos e, por arrastamento, da língua inglesa.
A ideia que prevalece é a de que os que detêm o poder impõem a sua língua.
Mas há que ter presente que nem sempre a língua dos conquistadores acabou por se impor, como resulta das invasões bárbaras, que ditaram a queda do império romano, em que os conquistadores adotaram a língua dos conquistados, cedendo-lhe contributos que foram causa de modificações que o latim viria a manifestar.
Decisiva foi a intervenção americana na segunda grande guerra, cuja economia estava em condições de acudir à devastação gerada, trazendo com ela o inglês, a língua dos vencedores.
Os defensores e promotores do inglês continuam a confiar na onda e imagem que impele as instituições e organizações internacionais a restringirem, na prática, cada vez mais o acesso de outras línguas.
Mesmo na União Europeia usar o inglês é tido como mais barato do que permitir o uso de outras línguas, tido como ruinoso a nível de custos, o que não vai mudar com o Brexit, embora a língua inglesa só seja idioma oficial da Irlanda, com menos falantes que Portugal.
Há um assumir, cada vez mais banalizado, de uma caminhada do inglês como idioma oficial internacional, internacionalizando-o como língua dominante, a par da materna, a ser aprendido desde os primeiros anos de escolaridade, o que é facilitado, para as crianças, pela quase totalidade dos produtos de entretenimento, gerando a ideia geral, em vários países, incluindo o nosso, de que pessoas até aos 40 anos compreendem e leem em inglês, o que não é verdade.
Fala-se em “imperialismo anglófono”, “englofonite endémica”, língua hegemónica de caraterísticas glotofágicas, “erva daninha” que provoca o definhamento e desaparecimento das outras, alterando o equilíbrio ecológico no domínio linguístico, idioma quase exclusivo em áreas científicas, potenciado por políticas de avaliação universitária, que beneficiam a publicação em inglês em editoras e revistas internacionais, com universidades cada vez menos instituições de ensino superior e cada vez mais vocacionadas na captação de fundos para investigação.
Goste-se ou não, o inglês é a língua franca, o que não exclui que se evitem exageros e condescendências absurdas, estabelecendo prioridades e equilíbrios, desde a promoção bilingue em trabalhos académicos e científicos, à promoção do multilinguismo em conferências internacionais, sem esquecer que entre os estudantes universitários estrangeiros que frequentam as nossas universidades há os provenientes dos países de língua portuguesa, não se internacionalizando o nosso ensino superior ensinando-os e forçando-os a aprender em inglês.
Internacionalizar não é só anglicizar o conhecimento e o saber.
Internacionalizar é também, e por maioria de razão, dotar a língua portuguesa (já uma língua internacional), de recursos materiais, científicos e humanos que lhe permitam ser um meio de acesso ao conhecimento e ao saber, veículo de ciência e tecnologia acessível a todos os seus falantes, a começar pelos seus nativos.
O que significa que o português é sempre essencial e nunca pode ser menosprezado, sendo certo que dominar o inglês é uma ferramenta que nos torna mais competitivos a nível internacional.
Em Que Crê Quem não crê? (Um livro acalorado e nós)
Existe uma noção de esperança que para todos signifique o mesmo?
Ou existe um otimismo trágico que também pode ser lido por otimismo da vontade?
Ou que o que existe é um tipo de enfermidade acordada, todas as vezes que o fim dos tempos sopra e à qual também chamamos esperança?
E poderá essa enfermidade ter-se tornado num hábito assente num erro e medita se, medita-se, e vamos fingindo ignorar a não resposta?
E também se pode dizer que se deu a essa enfermidade, um significado espiritual para que ela possua a ideia reguladora de nos julgar, e a nossa engenharia humana, aceita. Aceita porque os nossos medos se acostumam que assim seja.
E desafia-se a força desta esperança enferma, a enfrentar a força dos fantasmas, e ao fazê-lo, deixa de fora a sua irrealidade. Quanto alívio!
Às vezes, existe uma cor nos dias que parece aquela cor da alvorada que nunca existiria e que, no entanto, um tema, um dia inteiro expõe irreverente, com todo o poder do capital da cor que subscreve.
Aprende-se então que a cor tem poder de mando, reconhecida mesmo por aqueles que só se vincularam à razão.
Aprende-se que existe sim, uma noção de esperança, e que para todos não significa o mesmo.
É então chegado o tempo da permuta das razões em liberdade.
É então chegado o tempo do entreabrir de uma das portas do futuro dos homens não resignados com o seu presente.
Continuo com o discurso de Francisco ao Corpo Diplomático, com perspectivas para o mundo pós-pandemia, a partir das crises causadas ou postas a nu pela pandemia.
2.3. Crise migratória.
A crise provocará um aumento dramático de migrantes e refugiados. Desde a Segunda Guerra Mundial que o mundo não tinha ainda assistido a “um aumento tão dramático do número de refugiados. Por isso, torna-se cada vez mais urgente “erradicar as causas que obrigam a emigrar”, como também se exige um esforço comum para apoiar os países de primeiro acolhimento, que se encarregam da obrigação moral de salvar vidas humanas.
Neste contexto, Francisco espera com interesse “a negociação do Novo Pacto da União Europeia sobre a migração e o asilo”, observando que “políticas e mecanismos concretos não funcionarão sem o apoio da vontade política necessária e do compromisso de todas as partes, incluindo a sociedade civil e os próprios migrantes.”
2.4. Crise política. Para Francisco, todos estes temas críticos “põem em relevo uma crise muito mais profunda, que de algum modo está na raiz das outras e cujo dramatismo veio à luz precisamente com a pandemia.” É a crise política, que desde há uns tempos mina de modo violento muitas sociedades e “cujos efeitos devastadores emergiram durante a pandemia”. Aumentam os conflitos políticos e a dificuldade, se não a incapacidade, para “encontrar soluções comuns e partilhadas para os problemas que afligem o nosso planeta”. Manter viva a democracia é, portanto, um gigantesco desafio neste momento histórico. “A democracia baseia-se no respeito recíproco, em que todos possam contribuir para o bem da sociedade, e em considerar que opiniões diferentes não só não ameaçam o poder e a segurança dos Estados, como, pelo contrário, num confronto honesto, se enriquecem mutuamente e permitem encontrar soluções mais adeqaudas para os problemas que é preciso enfrentar.”
Infelizmente, “a crise da política e dos valores democráticos afecta também a nível internacional, com repercussões em todo o sistema multilateral.” É o momento de levar adiante reformas, para que as organizações internacionais recuperem a sua vocação essencial de servir a família humana, preservar a vida de todas as pessoas e a paz. “Todo o corpo vivo precisa de reformar-se continuamente e, nesta perspectiva, estão também as reformas que implicam a Santa Sé e a Cúria Romana.”
Constata: “Há demasiadas armas no mundo”. Por isso, é necessário intensificar o esforço no âmbito do desarmamento, contra a proliferação do armamento nuclear, que deve estender-se às armas químicas e às armas convencionais. Um equilíbrio baseado no medo apenas tende a minar a confiança entre os povos. Confessa: “Não posso esquecer outra grave praga do nosso tempo: o terrorismo”, com tantas vítimas entre pessoas inocentes e indefesas.
2.5. Crise das relações humanas. Esta é talvez a mais grave: “a crise das relações humanas, expressão de uma crise antropológica geral, que diz respeito à própria concepção da pessoa humana e à sua dignidade transcendente.”
Longos períodos de confinamento também permitiram mais tempo passado em família e redescobrir “as relações mais queridas”. Não há dúvida de que “o casamento e a família constituem um dos bens mais preciosos da Humanidade” e “o berço de toda a sociedade civil”. Perante a dimensão mundial dos problemas, a família cumpre as novas incumbências que sobre ela recaem, “em primeiro lugar oferecendo aos filhos um modelo de vida fundado sobre os valores da verdade, liberdade, justiça e amor”. Também é um facto que nem todos puderam viver com serenidade na própria casa e muitas vezes as situações degeneraram em violência doméstica e “sabemos que lamentavelmente são as mulheres que, amiúde com os seus filhos, pagam o preço mais alto”. Aliás, a pandemia aprofunda as desigualdades sociais e as mulheres são as mais atingidas.
2.6.Catástrofe educativa. A pandemia obrigou a longos meses de isolamento, e é preciso pensar nos estudantes que não puderam frequentar presencialmente a escola ou a univeridade. Até certo ponto colmatou-se a situação através de plataformas educativas informatizadas, mas isso contribuiu também para o aprofundamento das desigualdades — não se pode esquecer que a escola é factor decisivo a favor da igualdade —, e o aumento “da dependência das crianças e adolescentes da internet e das formas de comunicação virtual em geral, tornando-os ainda mais vulneráveis e sobre-expostos às actividades cibercriminais.”
2.7. A dimensão religiosa. As exigências para conter a difusão da pandemia acabaram por limitar também várias liberdades fundamentais, incluída a liberdade de religião. Ora, não podemos “passar por alto que a dimensão religiosa constitui um aspecto fundamental da personalidade humana e da sociedade; mesmo quando se está a procurar proteger vidas humanas da difusão do vírus, a dimensão espiritual e moral da pessoa não se pode considerar como secundária relativamente à saúde física.”
Por outro lado, “a liberdade de culto não constitui um corolário da liberdade de reunião, pois deriva essencialmente do direito à liberdade religiosa, que é o primeiro e fundamental direito humano. Por isso, é necessário que seja respeitada, protegida e defendida pelas autoridades civis, como a saúde e a integridade física. Aliás, um bom cuidado do corpo nunca pode prescindir do cuidado do espírito.”
Páscoa Feliz!
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 3 ABR 2021
Louis Kahn e a procura por uma profundidade universal.
A procura de Louis Kahn por uma profundidade universal em arquitetura estabeleceu-se em momentos distintos da sua vida. Para trás de 1950 fica a experiência de Kahn, ao planear bairros de habitação social, respondendo ao New Deal - com ações de produção industrial meramente funcionais, mecânicas, efémeras, repetíveis que se adaptam a qualquer lugar segundo protótipos. A vontade partilhar as suas ideias, que dizem respeito à pessoa humana e ao arquiteto, inicia-se nos anos 30 com a formação do Architectural Research Group (ARG) de Filadélfia. No início dos anos 30, o centro de debate, sobre o futuro da arquitetura moderna nos Estados Unidos, tinha lugar no T-Square Club Journal of Philadelphia, revista fundada por o George Howe. Mas a partir de 1932, Kahn organizou e dedicou a maior parte do seu tempo a outro centro do debate sobre arquitetura moderna. Foi a partir deste momento que Louis Kahn estudou as publicações de Le Corbusier, interessando-se pelos temas fundamentais do movimento moderno. Uma das preocupações mais importantes do ARG era a responsabilidade social do arquiteto perante o planeamento de habitação em massa, como consequência da Depressão. (Brownlee 1998)
A partir dos anos 50, do século XX, Kahn passou a trabalhar com arquétipos, isto é, princípios formais originais, imutáveis, intemporais, genéricos e essenciais. É necessário referir que só a partir de 1947, Kahn criou seu próprio gabinete com Anne Tyng e Oscar Stonorov. A viagem a Roma (como residente da Academia Americana de Roma) entre 1950 e 1951, assim como as viagens que fez a Grécia e ao Egito, permitiram a clarificação do seu pensamento e permitiram também a sua autonomia como arquiteto. Forma e projeto, a partir desta data, nascem de uma reflexão e de um conceito, convenientemente escolhido, que respondem a leis universais e que respondem a regras intemporais. O conceito é a diretriz generativa que dá sentido total à obra de arquitetura que se constrói e que tem de, por isso, ser forte e determinante para resistir à evolução do programa. Kahn propõe assim um método que supera certas limitações da modernidade, criando novas formas, associadas a uma nova monumentalidade e a um poder institucional para uma nova sociedade norte-americana. Se a arquitetura racionalista se baseava na simplificação e na repetição, Kahn soube introduzir ingredientes poéticos, espirituais, intemporais, unitários, verdadeiros, arquetípicos e soube também introduzir a ordem e a hierarquia formal e funcional. Kahn aplica uma mudança enraizada em valores ideais e na expressão de um pensamento. Kahn deseja criar momentos sociais que cumpram um carácter social - lugares coletivos que permitam a inspiração no seio de uma comunidade, onde a pessoa humana se possa realizar melhor, e que respondam a um desejo de reunião e de assembleia e que possam igualmente dar abrigo a à aprendizagem, à oração, à expressão, à reflexão e à intimidade (escolas, centros de investigação, mosteiros, igrejas, mesquitas e sinagogas).
A obra de Louis Kahn afirma-se, na transição dos anos 1950 para os anos 1960, através da maturação das ideias de hierarquia espacial e de regras de interpretação que criam os lugares. Chega ao fim a sua colaboração com Anne Tyng e o fim de uma atribuição particular à geometria combinatória.
A partir dos anos 60, Kahn desenvolve um pensamento livre de referências. Só uma expressão poética é suficiente para dar sentido a uma obra. É através dessa expressão poética que Kahn consegue ligar forma e projeto, ideia e construção:
“Architecture is the thoughtful making of spaces” (Kahn 1961)
Ao longo dos anos 60 e 70, Kahn vive num tempo onde vê o seu trabalho reconhecido (a sua experiência na Índia é um facto!). Os seus alunos seguem e admiram as suas ideias. A sua linguagem e o seu discurso tornam-se cada vez mais poéticos e mais herméticos - agora Kahn fala de inspiração, arte lei e vontade. Os novos conceitos estão relacionados com a aproximação da arquitetura como arte, da arquitetura como servidora de um espírito. Para Kahn, quem procura um arquiteto está interessado no valor do espaço, porque só o arquiteto é capaz de conceber o espaço e esse espaço passa a ser inspirado.
“Sylvie e Bruno”, de Lewis Carroll, publicado em 1889-93, (trad. portuguesa, Relógio d’Água, 2003) foi o último e o menos conhecido dos livros do autor de “Alice no País das Maravilhas”, mas talvez o mais fascinante…
LITERATURA E ECONOMIA A história tem todos os ingredientes conhecidos de Carroll e é protagonizado por duas crianças e pelas suas inesperadas reflexões. O autor explica no prefácio o que o anima nesta obra. “Uma vez que percebamos qual é o verdadeiro objetivo na vida — que não é prazer, nem conhecimento, nem sequer a fama(…) — mas que é o desenvolvimento do caráter, a subida a um mais elevado, mais nobre, mais puro estandarte, a construção do homem perfeito — e então, enquanto sentirmos que isso continua, e vai (confiamos) para sempre continuar, a morte não tem para nós nenhum terror; não é uma sombra, mas uma luz; não é um fim, mas um começo!”. Recordamos a obra, a propósito da relação entre Literatura e Economia invocada no último ensaio de Lord Maynard Keynes no livro, já por nós referido, “Ensaios em Persuasão” (Imprensa da Universidade de Lisboa, 2018) – “Possibilidades Económicas para os nossos netos”… Lorde Keynes, o maior economista do século XX e um dos grandes génios de sempre, refletiu sobre a literatura e a economia no referido ensaio sobre o futuro, no qual chama à colação Lewis Carroll, lembrando o negócio que a Rainha Branca fez com Alice sobre uma compota, mas também o estranho entendimento de um Professor e de um Alfaiate relatado em “Sylvie e Bruno”… E se falamos dessa relação, devemos começar (antes de tudo) por ler o Sermão da Terceira Quarta Feira da Quaresma, de 1669, do nosso Padre António Vieira para percebermos a importância do fenómeno económico, no que às letras escritas diz respeito. Afinal, a economia tem a ver com a “regra da casa” e com o modo como as necessidades humanas são satisfeitas. Eis por que estamos na essência da literatura. E cite-se a passagem de Vieira, em que num subtil jogo de palavras relaciona a adequação entre a utilidade dos bens e as responsabilidades de cada qual. “Quem fez o que devia devia o que fez e ninguém espera paga de pagar o que deve. Se servi, se pelejei, se trabalhei, se venci, fiz o que me devia a mim mesmo; e quem se desempenha de tamanhas dívidas não há de esperar outra paga”. Entre a obrigação e o direito, entre o dever e a paga, entre o serviço e a responsabilidade, temos a essência do que hoje designamos como sustentabilidade – que é a palavra tecnocrática para exprimir o que é natura, enquanto equilíbrio entre a necessidade e o custo.
PROCURA DE EQUILÍBRIO A economia é exatamente a procura desse equilíbrio – que, mais do que a riqueza, obriga à criação de valor. E como o que tem mais valor é o que não tem preço, estamos na essência das Humanidades, da comunicação entre as pessoas e das Artes como elementos criadores por excelência. Por isso, o Padre Vieira diz-nos que “quem fez o que devia devia o que fez” – do mesmo modo que “ninguém espera paga de pagar o que deve” O barroco jogo de palavras vem exprimir uma ordem simples do que é a capacidade criadora. Pagar o que cada um deve, fazer o que cada um pode, é no fundo, representar a vida como uma relação permanente de cada um com o outro e de todos nas relações que estabelecem entre si. Voltando a Keynes, este lembrava que Alice não gostava da compota que a Rainha lhe queria dar. Mas esta descobriu o estratagema para que a compota fosse recebida, apenas como um valor futuro. De facto, o pensamento económico comporta sempre consideração sobre o futuro. “O homem ‘determinado’, dizia Maynard, está sempre a tentar garantir uma imortalidade falsa e ilusória para os seus atos, empurrando o seu interesse por eles para a frente no tempo”. Eis a chave da narrativa: ligar o tempo presente e o passado ao futuro – como faz Xerazade nas “Mil e Uma Noites”. O que importa para Xerazade é conseguir mais uma noite de vida, estendendo as possibilidades da existência para além do imediato. E estamos aí na essência da narrativa e da literatura. Que é a literatura senão a criação de valor pela compreensão do tempo e da vida. O “homo economicus” de Keynes, que ele considera ‘determinado’ – “não gosta do seu gato, mas dos filhos do seu gato; bem, na verdade, nem dos filhos do seu gato, mas apenas dos filhos dos filhos do seu gato, e assim sucessivamente para todo o sempre até ao fim do reino dos gatos”… E regressando a Lewis Carroll. Para a Rainha “compota não é compota, a não ser que se trate de um caso de compota amanhã: nunca compota hoje”. Como Alice não gosta de compota, a Rainha oferece dois dinheiros por semana e compota dia sim, dia não. Portanto, falamos de compota amanhã ou de compota ontem, mas nunca de compota hoje. E como hoje não é nem ontem nem amanhã, nem sim, nem não, hoje é sempre hoje – nunca há compota hoje. E assim se cria a ficção. Do mesmo modo, como o paradoxo de Zenão, no romance “Sylvie e Bruno”, o alfaiate nunca vai receber a dívida do professor porque o montante da dívida vai sempre duplicar em cada ano – até morrer. E ele vai esperar, porque vale sempre a pena esperar mais um ano para obter o dobro do dinheiro. A lógica, a economia e a literatura digladiam-se e têm sempre um amanhã, como Xerazade e o professor ardentemente desejam, iludindo o alfaiate e o Sultão…
QUE OPORTUNIDADE? Isabel I de Inglaterra talvez não se tenha apercebido de tudo quando investiu na expedição de Francis Drake da “Corça Dourada”, mas tomou a decisão certa. De facto, cada libra que Drake trouxe para casa em 1580, transformou-se hoje em 100 mil libras, pelo poder dos juros compostos. Mas será que o futuro repetirá o passado? O tempo nunca se repete – e a ilusão do alfaiate, se é a fonte da literatura, vai deparar-se com mil fatores complexos e aleatórios. “O ritmo a que poderemos alcançar (…) o destino da felicidade económica será definido (diz Keynes) por quatro elementos: a nossa capacidade de controlar a população, a nossa resolução de evitar guerras e conflitos internos, a nossa disponibilidade para confiar à ciência a orientação das questões que são do domínio da ciência, e a taxa de acumulação fixada pela margem entre a produção e o consumo. Destes quatro elementos, o último cuidará facilmente de si mesmo, se os três primeiros forem cumpridos”. E eis aqui a chave de todos os mistérios. É que apenas a imaginação e a literatura, por um lado, a inteligência e a capacidade de sermos prudentes a encarar o futuro, por outro, poderão permitir que um destino de felicidade não se torne uma realidade vã…
Páscoa é designação que nos remete para a língua, a história e a cultura religiosa do povo de Judá e Israel ou, melhor dizendo, para a sua libertação e saída do território e do jugo egípcio e sequente passagem à terra prometida. Na versão latina da Vulgata, o pertinente salmo de celebração canta: In exitu Israel de Aegypto / Jacob de populo barbaro / facta est Judea sanctificatio ejus / Israel potestas ejus. Afinal é ao poder santificante de Deus que se deve a libertação. Mas na ação de Deus está implícita a vontade passiva e activa do ser humano, como tão bem ilustra o episódio da luta com Deus (ou de Jacob com o Anjo) relatado no capítulo 32 do Génesis (versículos 23 e seguintes): alguém lutou contra ele até ao alvorecer. Vendo que não conseguia dominá-lo, bateu-lhe na articulação da anca, e a anca de Jacob deslocou-se enquanto lutavam. Disse-lhe: «larga-me, porque já se levantou a aurora». Mas Jacob respondeu: «Não te largarei, sem que me tenhas abençoado». - «Como te chamas?» - «Jacob». Então prosseguiu: «Não mais te chamarão Jacob, mas Israel, porque foste forte contra Deus e contra os homens, e levaste a melhor». Jacob fez-lhe este pedido : «Revela-me o teu nome, por favor». Mas respondeu-lhe o outro: «Porque me perguntas o meu nome?» E ali mesmo o abençoou.
Seria ele mesmo o inominável, o que respondeu a Moisés dizendo «Eu sou aquele que é» e o mandou dizer aos israelitas que «Eu sou enviou-me até vós»? Aquele que, quiçá até para todos nós - e não só para incréus ou agnósticos - em qualquer momento surge misterioso, interrogação ainda quando se nos afirma e connosco luta, o Quem ou o Quem? que nos defronta em inesperado instante da vida?
Nesta celebração da Páscoa como festa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, talvez pelo clima de pandemia, muita incerteza e tanta aflição que a envolve, proponho-me pensarsenti-la como se me investisse daquele Jacob que lutou com a presença não evidente de Deus. Por Jesus, com Jesus e em Jesus, Ele partilha connosco um destino que só pode ser o nosso próprio. Chama-nos ao combate, à luta contra a limitação das nossas fraquezas e vulnerabilidades, resignações e preconceitos. A Páscoa de Cristo é passagem, sim, o nosso passo para a liberdade que nem o tempo, nem espaço algum, por muito confinado, poderá diminuir.
Fazemos hoje nova referência ao Teatro Municipal de Bragança, sala que ilustra claramente a política cultural e urbana de renovação que, na área de arquitetura do teatro, tem marcado, a partir designadamente dos anos 90 do século passado, o interior do país. E no caso concreto, desde já se assinale que este notável Teatro Municipal, bem como o seu bem próximo e contemporâneo Teatro de Vila Real, também Municipal, se devem ambos à traça do arquiteto Filipe de Oliveira Dias: e ambos marcam, na notável modernidade harmoniosa dos projetos e dos edifícios, as urbanizações respetivas, numa linha de modernidade que não choca, antes pelo contrário, valoriza a tradição urbana e arquitetónica respetiva. Mas do Teatro de Vila Real falaremos noutra ocasião.
Importa entretanto, no que respeita agora a Bragança, o moderno Teatro Municipal retoma uma tradição de edifícios teatrais que remonta pelo menos ao século XIX. Em 1870 há notícia de um Teatro Brigantino que, 12 anos depois, beneficia de ampliação e passa a designar-se, a partir de 1891/92, por Teatro Camões, projeto do arquiteto António Augusto. Tinha para cima de 80 lugares de plateia, 4 frisas, 30 camarotes em duas ordens e uma galeria. Era propriedade de uma Associação de Artistas de Bragança.
Este teatro sofre nova reconversão a partir de 1923, e alinha no movimento de transformação e exploração urbana e social de cine-teatros, notável na época. De referir porém que já se fazia lá cinema desde pelo menos 1911, o que é também notável, tendo em vista, designadamente, a interioridade então dominante...
É de assinalar os aspetos de implantação/renovação da malha urbana e do centro histórico de Bragança. Sem “prejudicar” as tradições histórico-arquitetónicas e urbanas da cidade, salienta-se entretanto a proximidade da nova Sé, também notável na modernidade da sua estrutura arquitetónica e funcional. Bragança não perde a sua secular tradição, basta lembrarmos por exemplo a antiga Sé ou o Castelo: mas harmoniza-a com a adequação a novos estilos urbanos e arquitetónicos.
Ora no Teatro Municipal de Bragança, o que hoje mais impressiona é precisamente a ligação do edifício ao meio urbano, não, insista-se, pela reconstituição de estilo arquitetónico, aliás notável, mas, precisamente, pela modernidade da fachada, dominada por uma escadaria e por um imponente e grandioso “janelão” que abre por completo a cidade ao foyer e ao interior do teatro em si. O foyer de entrada é marcado também por um painel de cerâmica de Graça Morais.
A sala principal comporta cerca de 400 lugares de plateia, valorizada por revestimento de paredes e teto em painéis de madeira que se harmonizam com o tom vermelho das cadeiras. E é de assinalar os painéis do teto, dotados de uma “mobilidade” que permite adaptações técnicas e decorativas aos espetáculos e se adequa à acústica e à variedade das exigências de cena. E essa estende-se ao palco, também eminentemente adaptável às exigências dos espetáculos, e mesmo à abertura de um fosso de orquestra.
E mais: existe ainda uma sala de ensaios que em si mesma constitui uma segunda sala de espetáculos pela capacidade de produção autónoma com acesso direto ao público.
Repito: esta modernidade harmoniza-se com o património histórico-urbano da cidade. E esse, como sabemos, vai desde o Domus Municipalis ao Castelo e ao Pelourinho, à antiga Sé, entre tantos mais edifícios-monumentos históricos.
Nem sempre o número de países que cada potência colonial gerou é proporcional ao de falantes.
Por exemplo, o francês tem menos falantes como língua materna ou segunda que o português, mas gerou quatro vezes mais países do que aqueles que têm o nosso idioma como oficial ou língua segunda, o que lhe dá maior projeção e prestígio nos fóruns e organizações internacionais permitindo-lhe, até hoje, ser a segunda língua oficial mais representativa a seguir ao inglês.
Como consequência de um passado colonial ligado à França e à Bélgica, há entre 25 a 30 países que têm o francês como língua oficial. Além da França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça e Mónaco (na Europa), há mais de vinte países africanos, o Canadá (Quebeque), apesar de haver países árabes, colonizados pela França, que não adotaram o francês como língua oficial.
Portugal, enquanto império colonial, defendeu a unidade administrativa e política das suas colónias, atendendo apenas à sua descontinuidade geográfica, o que se repercutiu no número de países gerado pela sua descolonização.
Ao invés do processo de descolonização espanhol na América Latina, que originou uma pulverização nacionalista de vários países, o mesmo não sucedeu com o Brasil, apesar das tentativas no Rio Grande do Sul entre 1835 e 1845 e na então província do Grão-Pará, para bem da unidade brasileira, mas que do ponto de vista estratégico e pela frieza e natural força representativa dos números seria mais benéfico para a língua portuguesa. Não teríamos hoje, porém, um país com a dimensão continental e potencialidades que o Brasil tem.
Há uma acentuada diferença entre o oficial e o real, daí resultando vantagens e desvantagens consoante o contexto, estratégia e perspetiva, com reflexos inerentes à representatividade linguística global dos vários idiomas.
Que dizer de toda a qualidade e força criativa do il sommo poeta da língua italiana?
Nasce em Florença, Dante, escritor, poeta e político, Durante (seu nome) é lancinantemente exilado da sua terra natal, e mais do que uma separação física, Dante foi abandonado pelos seus próprios parentes. Dor que sempre o acompanhará.
La Divina Commedia, poema épico e teológico é a sua obra-prima iniciada por volta de 1307.
Poema narrativo e extremosamente planejado a cada etapa da viagem, com detalhes quase visuais, narra uma odisseia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Dante, o personagem, é guiado pelo purgatório e pelo inferno pela mão do poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, a mulher dentro de si, no coração do seu amor.
Os três livros da Divina Comédia estão divididos em 33 cantos cada, e terminam com um verso isolado no final. No último verso de cada um dos livros a mesma palavra: stelle.
Estrelas que influenciaram pintores, músicos, cineastas, poetas e outros artistas do mundo como Gustave Doré, Botticelli, Dali, Michelangelo, W. Blake, Shumann, Rossini, Liszt, Rodin entre tantos outros.
O inferno, na La Divina Commedia corresponde também a um desalinho do caminho certo que impede de ver o céu e as estrelas.
Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura ché la diritta via era smarrita.
(Numa tradução possível)
No meio do caminho desta vida vi-me perdido numa selva escura, solitário, sem sol e sem saída.
O purgatório, proposto aos arrependidos e com força para subirem os sete terraços, odisseia que define o local onde se expurgam os sete pecados capitais, e de novo Beatriz, a que purifica.
Depois o paraíso dividido em duas partes: uma material e uma espiritual. A primeira segue o modelo cosmológico de Ptolomeu, e consiste em círculos formados por sete planetas, e quando o céu das estrelas fixas se expõe, no paraíso terrestre, Beatriz olha fixamente para o sol e ela e Dante começam a elevar-se até ele.
Aqui chegado Dante adquire uma nova capacidade visual e cristalina, passando a ter visão para compreender o mundo espiritual, e separando-se da própria Beatriz sente então o amor divino.
Tive a oportunidade de ver Dante Alighieri: Le più belle battute di Roberto Benigni a Firenze na passada sexta-feira.
De facto, no inferno, os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise, como bem afirmava Dante. E com que motivação e sentimento, Benigni no-lo transmite! Como agradecer a generosidade e a capacidade de Benigni e do seu próprio ser para connosco, em mais um ato inesquecível da sua arte de comunicar em excelência?
Impossível também não recordar Sophia de Mello Breyner que, na nossa opinião, tendo Dante nos olhos da alma, abre a luz do percurso iniciático e mantém-se num aqui onde escolheu viver, e na Carta aos Amigos Mortos
Nada me resta senão olhar de frente Neste país de dor e incerteza
E quase geme Benigni, neste torna a Sta Croce com TuttoDante e ainda recita com a esperança nos olhos que nos buscam
Oh, quão insuficiente é a palavra e quão ineficaz / ao meu conceito!
E como dizer de outro modo este beijo emozionato nello prima serata di TuttoDante?, quando a criação da prisão moderna é local chamado liberdade?
Repito: Signore, sono felicissimo di verdevi; però credo che il tempo cambi.
Teresa Bracinha Vieira
Obs: Solicitou-se a reposição deste texto publicado em 2011 neste blogue.