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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Entretiens sur le Béton e o equilíbrio ideal entre o artificial e o natural.


Entretiens sur le Béton
de Éric Rohmer (1969), é composto por entrevistas, ao arquitecto Claude Parent e ao teórico urbanista Paul Virilio, conduzidas por Louis Paul Letonturier e François Loyer, onde se expõem as possibilidades expressivas do betão armado - de modo a contrapor a generalizada hostilidade pública em relação à arquitetura brutalista.


Através desta entrevista, Rohmer contribui para o debate sobre modernização da arquitetura, que sucedeu à Segunda Guerra Mundial e que mobilizou cidadãos, os arquitetos e urbanistas. (Schmid 2015, 10).


Entretiens sur le Béton
apresenta uma reflexão pertinente sobre as novíssimas formas do betão - o betão foi o material que, por excelência, possibilitou o uso das formas puras, na emergência do modernismo. O arquiteto Claude Parent e o filósofo Paul Virilio, são assim chamados e entrevistados, para com a sua experiência, explicarem as qualidades plásticas e excecionais do betão e tentarem por isso afirmarem poesia nas grandes novas formas do betão à vista.


Rohmer, com este programa, proclama fé nos novos materiais, através do testemunho de Parent e Virilio. A beleza difícil dos novos materiais (que apareceram após Revolução industrial) endereçados e apresentados no documentário Métamorphoses du Paysage (1964) é aqui esquecida, porque nesta entrevista, é explorada a potencialidade estética e estrutural do betão. (Schmid 2015, 11)


A entrevista tenta assim resgatar beleza a um material, normalmente associado a formas construídas assépticas e sem alma. Segundo Parent e Virilio, o betão representa uma nova maneira de fazer arquitetura, porque unifica e permite a continuidade do espaço - ao passado pertence o uso do betão numa perspetiva meramente estética e decorativa. Ao apresentar fluidez, ritmo e a possibilidade de construir formas simples, o betão apresenta-se como sendo o primeiro elemento plástico, na história da arquitetura, antes mesmo do aparecimento do plástico, porque representa a possibilidade do movimento infinito - onde chão, parede e teto estão em constante comunicação e se unificam.


Para Parent e Virilio, nem Le Corbusier foi capaz de utilizar o betão nas suas maiores capacidades e de forma expressiva. O betão é mais vivo do que a pedra, pela sua flexibilidade e pela sua capacidade de se ligar ao que rodeia, adquirindo uma cor e uma textura diferente ao longo do tempo. Para Virilio, o betão é comunicação, é liberdade, significa movimento livre. É o novo lirismo arquitetónico.


Nesta entrevista, Virilio e Parent, acreditam que a arquitetura sobretudo deve permitir a deslocação espontânea do ser humano - é muito mais do que uma fachada e vai muito mais além do que o mero funcionalismo. E o betão pode ser esse veículo do ser humano tão desejado na arquitetura.


Na opinião de Virilio, a torre de vidro moderna representa uma arquitetura puramente visual. O betão tem a capacidade de permitir outras soluções urbanas mais dinâmicas, para além da vertical - deve possibilitar uma arquitetura que é suporte de vida. A verticalidade é estática, é a negação do dinamismo urbano e humano.


Para Virilio, a arquitetura do passado é uma arquitetura meramente protetora, que dá muita importância à cobertura e à fachada. A época contemporânea é a época da infraestrutura, do nível, do chão, do suporte e o betão reforçado tem aqui um papel fundamental, porque apresenta grandes capacidades de trabalhabilidade e de resistência.


Segundo Virilio e Parent, existem dois tipos de arquitetura a da proteção (críptica e primitiva) e a arquitetura infraestrutural (que é a arquitetura do suporte e do lugar humano, da deslocação e da circulação sociológica). A arquitetura contemporânea deve ser pois exterior e infinitamente contínua. O betão flui e permite fluir e está na base da reorientação do futuro. É uma matéria táctil e viva.


Schmid no artigo Between Classicism and Modernity (2015) argumenta que a visão de Rohmer, acerca da arquitetura moderna, em Entretiens sur le Béton, é mais uma vez ambígua, sobretudo a seu ver, por causa da insistência de Parent e de Virilio ao sublinharem e elogiarem a plasticidade e tactilidade das estruturas de betão - até considerando estas estruturas muitíssimo superiores à leveza e à estética transparente da arquitetura de Mies Van der Roher. Virilio não acredita no modelo da torre transparente como solução urbana e Rohmer, nesta entrevista, permite claramente demonstrar que o betão é uma estrutura tão especial que pode até revolucionar o desenho urbano modernista, apenas através da redefinição da sua infraestrutura.


Schmid diz que a ambiguidade de Rohmer também se manifesta nas imagens dos bunkers, porque em nada esclarecem o tipo de arquitetura que Parent e Virilio acreditam como solução. Se estivermos bem atentos e informados acerca da teoria de Parent e de Virilio, da fonction oblique (teoria que afirma rampas, ângulos e diagonais como definidores do desenho do espaço e que assim permitem uma continuidade infinita, onde público e privado se misturam e a superfície da cidade é fluída) reconhecemos que os bunkers só são mencionados pelos entrevistadores, por em nada esta ser a arquitetura representativa do betão, nem a arquitetura que defendem. O bunker representa a arquitetura epidérmica, de proteção por excelência e que se relaciona com as mais primitivas e já ultrapassadas formas construídas. Virilio afirma que estamos na era da infraestrutura e é para isso que o betão em muito pode contribuir, ao permitir reorganizar a cidade em camadas e em fluxos contínuos e infinitos.


Neste debate, Rohmer permite que a visão de Parent e Virilio, acerca de uma arquitetura do betão ambígua, contínua, fluída, dinâmica, orgânica e circulatória, tome conta do debate. Parent e Virilio fazem-nos acreditar no betão como sendo o material por excelência capaz de negar a arquitetura isolada, estática, artificial, epidérmica, encenada e petrificada da modernidade. Esta entrevista confirma o interesse de Rohmer em fazer coexistir equilibradamente o artefacto e o natural, o divino e o humano (Margulies 2014, 163). E Parent e Virilio mostram que isso poderá ser possível com uso sábio do betão.

Ana Ruepp