A VIDA DOS LIVROS
De 7 a 13 de junho de 2021
Pedro Lains (1959-2021) foi uma referência na História Económica de Portugal, tendo-nos deixado muito jovem, quando muito havia a esperar do seu labor de investigador e estudioso das relações entre Portugal e a Europa.
UM ESTUDIOSO PROMETEDOR
Foi António Barreto quem me apresentou Pedro Lains, numa sessão no Centro Nacional de Cultura, referindo ser alguém cuja obra tinha de ser seguida com muita atenção. Nunca mais deixei de acompanhar o seu percurso de historiador económico, sempre com renovado interesse, com convergência de preocupações, e sistematicamente com a estimulante curiosidade de seguir e aprofundar muitos dos seus estudos e conclusões. Há dias, quando tive a notícia do seu prematuro desaparecimento, pensei naquele encontro já distante, e conclui que o Pedro foi sempre um valor seguríssimo, em capacidade científica e pedagógica. Tive, aliás, a oportunidade de o dizer ao recensear obras, que constituem marcos da melhor historiografia contemporânea. Sabia da sua saúde, através de António Costa Pinto, um amigo comum de muitos anos e partilho plenamente o que disse quando anunciou o falecimento de quem associava a generosidade pessoal e a simpatia ao empenhamento científico, como excelente académico que sempre foi. Licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, doutorou-se em História no Instituto Universitário Europeu, sendo investigador-coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa – prestigiando as instituições e as escolas em que se formou e onde trabalhou. Centrou a sua investigação na história económica dos séculos XIX e XX, sobretudo preocupado com o tema do crescimento económico de longo prazo em Portugal e nos países periféricos europeus, bem como na integração europeia e nos desafios atuais da economia portuguesa. Foi autor da História da Caixa Geral de Depósitos 1876-2010; de Os Progressos do Atraso – Uma Nova História Económica de Portugal; e de A Economia Portuguesa do século XIX; sendo coautor de História Económica de Portugal (com Álvaro Ferreira da Silva); e de Os Petróleos em Portugal – Do Estado à Privatização 1937-2012. Todas obras de grande importância, indispensáveis para a compreensão dos temas que tratam.
RAÍZES DO ATRASO PORTUGUÊS
Pedro Lains soube, com extraordinária mestria, aliar a análise económica quantitativa e a perspetiva comparada. Recorde-se, por exemplo, que no início da I República, Portugal partilhava com os países balcânicos a última carruagem da economia europeia, apesar de tudo com um crescimento per capita de 0,8 % ao ano. A indústria vinha crescendo, de modo mais regular e contínuo, a um ritmo duas vezes superior à agricultura, com baixa produtividade (2,3 % entre 1854 e 1911, que comparam com 0,94 %, desde a Regeneração até 1903). Isto significa que o chamado fontismo não registou um salto industrializador nos anos 70 e que os anos 90 conheceram um medíocre marcar passo. No tocante à produção agrícola alguns sinais positivos no final do século deram lugar a uma contração do início do século XX. Ao contrário de alguma voz corrente, Pedro Lains demonstrou que a crise das exportações não serve para explicar a má evolução da economia nacional, até porque foi o mercado interno que sustentou, ainda que timidamente, a indústria. As importações, numa economia dependente do exterior na indústria, foram apoiadas não pelas exportações agrícolas, mas pelas remessas dos imigrantes e pelas reexportações coloniais. Assim, o protecionismo não foi ajudado pelas exportações agrícolas, por manifesta incapacidade para promover mudanças estruturais na economia nacional, ao contrário do que se verificou no norte da Europa. Se a agricultura não evoluiu positivamente, num horizonte fechado e resistente à mudança, a indústria também ficou aquém do que seria exigível. E a explicação deste medíocre desenvolvimento não nos remete sem mais para a tese da dependência relativamente à “pérfida Albion”, centro do capitalismo, já que o setor externo registava um peso reduzido. Os limites do crescimento nacional estiveram, assim, sobretudo ligados ao mercado interno. As alternativas económicas eram parcas, sobretudo influenciadas pela ausência de uma iniciativa empresarial moderna. As explicações decadentistas carecem, assim, de fundamentação plena – obrigando, segundo a perspetiva de Pedro Lains, a uma análise mais profunda. Mais do que a dependência externa, houve a ausência de uma política reformista interna associada a um setor investidor audacioso e forte. Se olharmos a historiografia económica portuguesa, compreendemos como Pedro Lains seguiu os passos antes trilhados por Jaime Reis, aprofundando-os numa investigação persistente e muito clara a partir dos meios estatísticos disponíveis. No fundo, Portugal ter-se-á comportado de acordo com o que o seu potencial económico permitiria. Independentemente do que separa este entendimento de quantos consideraram que o nosso atraso económico se deveu a opções políticas erradas, importa perceber que a leitura da investigação de Pedro Lains revela-se muito útil para a compreensão dos fenómenos económicos como complexos, influenciados por diversos fatores contraditórios. E quando lemos os textos fundamentais da Geração de 1870 ou sobre a fixação e o transporte de António Sérgio, percebemos que há consciência de que as fragilidades ou as condicionantes internas que Pedro Lains investiga não lhes passaram despercebidas.
O ATRASO SERIA EVITÁVEL?
Poderia Portugal ter diminuído o fosso que o separava dos países desenvolvidos? Eis o ponto que merece ser revisitado criticamente. E Pedro Lains, como Jaime Reis, tem a virtude de apontar num sentido que procura articular a compreensão do potencial económico e a exigência do que designaríamos como pensamento estratégico e que nos leva à literatura económica portuguesa do século XVII ou à “Vida Nova” (1885). Portugal arrancou para a industrialização já com atraso, não contando nem com uma procura interna forte nem com um mercado interno consolidado, além da ausência de estabilidade política, de finanças públicas sãs, de crédito bancário sólido e de mão-de-obra qualificada e flexível… Eis o que não pode ser esquecido. Numa palavra, os números estudados por Pedro Lains não podem deixar de ser integrados numa reflexão global, designadamente no tocante à explicação do facto de países, à partida com condições idênticas, terem diminuído o fosso que os separava dos mais desenvolvidos. E é o próprio historiador que nos alerta para o facto de não pretender apresentar uma conclusão definitiva relativamente às causas do atraso português. Há, pois, razões compósitas que devem ser consideradas. Basta ver como a convergência da economia portuguesa com as economias do centro da Europa se degradou no século XIX até ao começo do século XX e como a evolução do endividamento público incumpriu a regra de ouro das Finanças Públicas. Numa palavra, não é possível continuar a estudar seriamente o desenvolvimento económico português sem entender esta investigação, até para evitar a mera repetição de perspetivas unilaterais. Pedro Lains ainda tinha muito para continuar a dar-nos. Era estimulante o seu entusiasmo. Urge continuá-lo!
Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença