VICTORIA CAMPS - CUIDADOS: UMA OBRIGAÇÃO DE TODOS (I)
Para que haja um início a uma não enferma democracia, absoluto se torna que ela crie raízes a um novo pacto social e que este crie uma mudança de paradigma e nele a assunção de todos ao ato de cuidar.
Todos temos a obrigação moral de cuidar e de sermos cuidados.
A sociedade deve entender como um direito social aquele que dá acesso ao cuidar como dever ético e democrático.
A relevância ao ato de cuidar – equilíbrio entre razão e sentimento - é um colocar no seu sítio a justiça que lhe deve acudir.
Na nossa sociedade, são sobretudo as mulheres que cuidam, e essa exigência é-lhes implicitamente destinada no seio das próprias famílias e em todas as circunstâncias.
As primeiras a deixarem os empregos para se encarregarem dos filhos ou dos pais, ou de outros familiares que necessitam de apoio, são as mulheres, e, para elas, essa é uma obrigação a que naturalmente se devem prestar a cumprir e que, se assim o não entenderem, têm de conseguir suportar uma violenta e permanente crítica e mesmo um desprezo de todos, apesar de um dia, um direito à vida, a dada altura, lhes ter sido prometido e dentro dele um cuidar partilhado.
Todos sabemos que é uma responsabilidade de homens e mulheres, esta dos cuidados familiares, mas, a verdade, é que os cuidados não são tratados como direitos éticos, nem se pensa que todos temos direitos a ser cuidados. E o que nos aguarda?
Esta pandemia deixou aberta a porta que mostra, nus, muitos dos caules da solidão. As transformações de ordem social que têm tido lugar têm revelado um menu moral absolutamente primário para se compreender uma época.
A ausência de um contacto vital e das consequências a assumir por cada um, expôs, de um modo ou de outro, que muitas gerações são questões biológicas mais do que espirituais. A consciência da diferença e da existência de gerações não as fez conceber um cuidado no amor sem que pelo menos ele se inscreva no caderno dos créditos e dos débitos.
Também o aumento da esperança média de vida contém, em muitos olhares, a nesga cruel da linguagem dos olhos de quem está só, e, naturalmente descuidado, como se o tema do nosso tempo fosse o desamor, o alheamento, o desamparo, enfim.
E de novo numa vida presa por grampos ao que lhes resta viver, surgem as mulheres, e elas, no cuidar, são o todo e o tudo e quantas vezes a outra face.
Disse, Carol Gilligan:
«En un contexto patriarcal, el cuidado es una moral femenina; en un contexto democrático, el cuidado es una moral humana».
Teresa Bracinha Vieira