BREVE EVOCAÇÃO DE FIAMA DRAMATURGA
Em 1961, portanto há exatos 60 anos, é publicada uma antologia de peças de autores, nessa época iniciáticos, que dedicavam precisamente ao teatro uma recolha, ela própria também genericamente iniciática, de peças de teatro.
Tratava-se de uma afirmação em si mesma significativa de renovadores da arte dramática, para alguns deles não prosseguida mas significativa, da relevância crítica que o teatro ia manifestando, numa época e numa fase mais significativa na criação e na publicação do que na consagração de espetáculo, como bem se entende.
E podem então citar-se peças por vezes esporádicas de autores hoje consagrados na literatura em geral: peças de Yvette Centeno, de Rui Mesquita, de Artur Portela Filho, de Fonseca Lobo, de Augusto Sobral, de Salazar Sampaio e de mais escritores que de uma forma ou de outra marcaram e não poucos continuam a marcar a criação dramatúrgica da época e (alguns menos ou bem menos…) de hoje.
Sendo certo que, para muitos, o teatro surge como uma espécie de complementaridade da criação literária e poética, numa época em que era difícil, por razões políticas e económicas generalizadas, levar à cena, e portanto complementarizar a criação dramática em termos de espetáculo, o que em si mesmo não era nada estimulante!...
E nesse aspeto é muito interessante esta reedição fac-similada da peça publicada no corrente ano (“Público”), assinalada por um carimbo datado de 9 de setembro de 1963, de reprovação pela censura, emitido pela então determinante Inspeção dos Espetáculos nesse tipo de intervenções.
Fiama Hasse Paes Brandão publicara em 1958 a peça “Em Cada Pedra um Vão Imóvel” a que se seguiu em 1960 “O Serão”. Em 1963, tal como referi na “História do Teatro Português”, surge “O Museu”, este publicado numa recolha coletiva, intitulado “Novíssimo Teatro Português”, juntamente com peças de Augusto Sobral, José Sasportes, Artur Portela Filho e Maria Teresa Horta. E aí cito ainda outras peças relevantes de Fiama: “O Cais” e “A Casa”, ambas dos anos 60, “Os Chapéus de Chuva”, “O Testamento” (1962), “O Golpe de Estado” (1962), “A Campanha” (1963), “Auto de Família” (1964), “Quem Move as Árvores” (1970).
Acresce Luis Francisco Rebello uma intervenção muito concreta da estética teatral ideológica do conjunto de peças de Fiama. Refere os problemas com a censura teatral dominante na época. E acrescenta a renovação da sua obra.
Escreve então Rebello que “da revolta anárquica, surrealizante, das suas primeiras obras («Os Guarda-Chuvas», 1962; «O Testemunho»,1963) evolui para um didatismo” que lembra Brecht.
E mais: “transportando para o palco personagens, episódios e mitos da história nacional – os amores de Pedro e Inês de Castro, os processos da Inquisição, as guerras liberais, as revoltas populares -, nenhuma destas peças tem a estulta pretensão , a que românticos e neo-românticos cederam, de reconstituir um passado irresistível, mas sim submete-lo a um olhar novo (como diria Brecht a propósito do seu «Galileu») que nos restitui um passado irresistível, mas sim submetê-lo a um olhar novo (como diria Brecht)”… Assim mesmo!
Veremos ainda outra peça de Fiama: “O Testamento”.
DUARTE IVO CRUZ