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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MAIS 30 BOAS RAZÕES PARA PORTUGAL

 

Reiniciaremos a 1 de agosto o folhetim de Verão que intitulámos este ano de 2021 “Mais 30 Boas Razões para Portugal”. Já tínhamos verificado que havia muito mais do que 30 boas razões para um Amor Português. Mesmo assim já conseguimos reunir algumas razões evidentes, que agora serão completadas. Falámos de episódios históricos, agora referiremos também exemplos do património imaterial. E recordamos o que dissemos há um ano: “o leitor dileto perguntará se só vemos boas razões. Não. Mas o motivo fundamental deste folhetim são as razões que nos levam a ter saudades de Portugal quando estamos longe, e a procurarmos o que nos liga a uma identidade tão especial, que morre e estiola quando se fecha e que tem tanto a ver com a abertura e o cosmopolitismo. E a língua que falamos expandiu-se mundo afora. De facto, temos mil defeitos, cultivamos o escárnio e o maldizer, temos a tendência para a boa anedota e o picaresco, mas temos características que conhecer, para podermos ser melhores”. 


Olhemos a nossa criação popular. Lembremo-nos de canções como a da “linda falua que lá vem lá vem” ou a do “jardim celeste”. E no próximo capítulo falaremos da “Nau Catrineta”, que é um verdadeiro romance de encontro entre Deus e o Diabo, entre o lirismo e a tragédia… A costa ocidental portuguesa é uma razão fundamental para a nossa longa independência e liga-nos profundamente ao mar. E assim vivemos a coexistência entre o perigo e a beleza. O mar encerra a estabilidade e a instabilidade, a incerteza e o infinito, a matéria e o espírito. Isso mesmo nos separou de Leão e Castela. A Senhora do Almortão olha para o mar, porque essa orientação é natural, e não há ressentimento. O horizonte marítimo onde a terra se acaba e o mar começa revela-nos o nosso maior segredo – de que D. Fuas Roupinho, primeiro Almirante dos Mares, é símbolo no limite da terra e no começo dos oceanos. “Senhor barqueiro deixe-me passar, tenho filhos pequeninos, não os posso sustentar”… É a grande metáfora do juízo final que aqui se representa, pondo a vida passageira em contacto com a eternidade. 


E lemos igualmente o Auto das Barcas de Gil Vicente, versão popular da grande viagem de Dante com Virgílio e Beatriz. Compreendemos a imperfeição e, por isso, Miguel de Unamuno admirava-se pelo culto lusitano das almas do Purgatório. No fundo, é a imperfeição que está em causa e a necessidade de caminharmos no sentido de podermos ser melhores… Recorde-se o Jardim Celeste (e não da Celeste, como por vezes se ouve erradamente). O que está em causa é o caminho difícil do Paraíso. E que nos diz a cantilena? “O que foste lá fazer, giroflé, giroflá”.  Fui colher uma flor, e a lista é interminável, para que as identifiquemos, às flores que animam a primavera. Contudo, o essencial não é essa lista pedagógica, mas o ato generoso de procurar alguém, em nome do dom da amizade. É a viagem antecipada ao paraíso celeste que aí se invoca. O Jardim Celeste é, no fundo, a última parte da “Divina Comédia” em dança de roda.   E volto ao texto de há um ano: “Somos um país de nove séculos porque persistimos e não pelo que desistimos. Mas não somos um povo eleito, apesar de termos razões para nos gostarmos. Não somos nem melhores nem piores que outros. Temos muito para fazer, para construir. Veja-se, quando encontramos, em toda a parte, um português, viajante do mundo. E percebemos logo que tem a ver connosco, mesmo que seja muito diferente de nós”. 


Num mundo global, as identidades nacionais ou específicas constituem fatores de coesão e de confiança e não elementos de fechamento ou de autossuficiência. O patriotismo prospetivo nada tem de saudosismo ou de ilusão glorificadora. A valorização das diferenças tem de corresponder, assim, a um enriquecimento mútuo o que permite afirmar que só as especificidades partilhadas poderão reverter em favor de todos. A noção de “capital social” corresponde, aliás, a este entendimento, considerando os fatores culturais diferenciadores como elementos cruciais de enriquecimento do desenvolvimento humano. Em notas diárias de cerca de 2 mil caracteres procuraremos pôr a ênfase na necessidade de partir de uma melhor compreensão do que somos para responder aos complexos desafios perante os quais nos encontramos.

GOM

EVOCAÇÃO DE UM AUTO HÁ 620 ANOS

 

Seja-nos permitida esta breve evocação de um auto realizado no Mosteiro da Batalha há exatos 620 anos, para assinalar a sagração do Mosteiro. Tal como referi na “História do Teatro Português” está-se a um século do “Auto da Visitação” de Gil Vicente, considerado iniciático na História do nosso Teatro.


Mas interessa então evocar o que Alexandre Herculano escreveu nas “Lendas e Narrativas” acerca desse espetáculo realizado no Mosteiro em 1401:


«Pela porta da sacristia saíram logo as primeiras figuras do auto, as quais, descendo ao longo da nave, subiram ao cadafalso pelas pranchas de que fizemos menção.


Estas primeiras figuras eram seis formando uma espécie de prólogo ao auto. Três que vinham adiante representavam a Fé, a esperança e a Caridade; após elas vinham a Idolatria, o Diabo e a Soberba, todas com as suas insígnias mui expressivas e a ponto; mas o que enleava os olhos da grande multidão dos espetadores era o Diabo, vestido de pele de cabra, com um rabo que se arrastava pelo tablado e seu forcado na mão, mui vistoso e bem posto.


Feitas as vénias a El-Rei, a Idolatria começou o seu arrazoado contra a Fé, queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse em que estava de receber cultos de todo o género humano, ao que a Fé acudia com dizer que ao início estava apontado o dia em que o império dos ídolos devia acabar e que ela Fé não era culpada de ter chegado tão asinha esse dia.


Então o Diabo vinha, lamentando-se de que a Esperança começasse a entrar no coração dos homens que ele Diabo tinha jus antiquíssimo de desesperar toda a gente; que se dava ao demo por ver as perrarias que a Esperança lhe fazia; e, com isto, carateava, com tais momos e trejeitos, que o povo ria e rebentava o mais devotamente que era possível».


 Assim mesmo!...


Ora bem: apraz-nos agora citar a projeção que Teófilo Braga faz do que denomina “Escola de Gil Vicente” e que agrupa em continuidades ligadas a uma expressão geográfica-cultural. Agrupa os dramaturgos também de acordo com afinidades geográfico-culturais. E nesse aspeto, tal como já referimos, as afinidades geográficas dos dramaturgos da época refletem a origem cultural subjacente.


Assim, a partir do que tradicionalmente se qualifica como a “Escola de Gil Vicente”, expressão usada por Teófilo Braga, teríamos uma ligação clara às origens geográficas: Escola de Gil Vicente em Évora com Afonso Álvares e António Ribeiro Chiado, em Lisboa com Baltasar Dias, Camões, Gil Vicente de Almeida, Jorge Pinto, Henrique Soares e Jerónimo Ribeiro, Santarém Coimbra com António Prestes, Simão Machado e Baltasar Estaço: e esta tradição cultural estende-se pelo menos até ao Brasil…


A verdade é que a chamada Escola Vicentina em rigor chega aos nossos dias!...Podemos acrescentar, a esse respeito, a tradição de um “estilo vicentino” que, repita-se, em rigor chega aos nossos dias!...

 

DUARTE IVO CRUZ 

PEDRO TAMEN (1934/2021)

 

“Os poetas não fazem mais do que arranhar a crosta do mundo para encontrar o que está por baixo”, disse.

Distinguias o vento na paisagem e davas-lhe uma cor.

Pedro, o poeta para quem a tradução literária era um vício.

Pedro, o amigo que não esquecerei.

Partilhámos frinchas de interpretação do mundo e também silêncios, nosso modo de nitidez.

Até sempre!

A tua escrita? um desejo do mar.

                                                        

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

83. ERNST JUNGER E O “O SENHOR DA FLORESTA”


Sempre houve intelectuais, pensadores, ideólogos e cientistas que deram caução a totalitarismos e ditaduras de vária índole. 


Hitler, Mussolini, Lenine, Estaline, Mao, tiveram legiões a elogiá-los e a justificá-los.  


Há os que sempre denunciaram totalitarismos e ditaduras, não abdicando das suas ideias em favor da liberdade, extensiva a todas as manifestações artísticas e científicas.


Outros colocaram a experiência e a observação empírica à frente da teoria, para provarem se tinham ou não razão.  


E há os que fizeram um percurso não linear, de reservas, instruído de simpatias totalitárias rumo a uma não aprovação. 


Ernst Junger, famoso escritor, foi um deles.  


Viveu na atmosfera asfixiante e belicista das duas guerras mundiais, foi ferido várias vezes na primeira, condecorado, um herói arquetípico germânico, reunindo todas as condições para ser uma referência do nacionalismo alemão, autor de escritos nacionalistas e figura da extrema direita alemã.  


Simpatizou com a ascensão do nacional-socialismo, foi antissemita, mas quando Hitler tomou o poder resguardou-se e não assumiu qualquer compromisso. Recusou entrar na academia alemã de poesia, submetida ao controlo de Goebbels, apaixonou-se por uma judia, aplacando gradualmente o seu antissemitismo. Deixou Berlim depois de desacreditada e espancada Else Lasker-Schuler, alemã e judia, galardoada com um prémio literário (poesia), em 1932. Convivia com o pacifista alemão, de origem judaica, Ernst Toller, que emigrou para os Estados Unidos, após a tomada de poder pelos nazis. Foi vigiado pela Gestapo, teve benevolências, cedências, afastamentos, suspensões e proibições. Quando da detenção do filho Ernstel, por se manifestar contra Hitler, ativou conhecimentos e o seu prestígio, libertando-o e perdendo-o na guerra. Quando chamado, fez parte do exército alemão, que ocupou Paris, em 1940.


Antes de alistado, de novo, escreveu Sobre as Falésias de Mármore, romance alegórico e profético, que ganhou fama além-fronteiras, denunciando regimes ditatoriais, incluindo o nazismo, e testemunho, para alguns, de algo que ao mesmo tempo superava e limitava as intenções do autor. Avisado Hitler do perigo que representava, ordenou que o deixassem em paz, pela sua audácia e heroísmo.   


No livro é protagonista o Senhor da Floresta: 


“Tal como, em plena montanha, um espesso nevoeiro precede a tempestade, também uma atmosfera de insegurança precedeu o Senhor da Floresta. (…) 


Tal como a erupção vulcânica que estoura, desaparece e surge de novo, assim os dias de tempestade e de calma se misturavam e sucediam.     


Era uma manifestação da sagacidade do Senhor da Floresta.  


Lançar o medo pouco a pouco, em pequenas porções que iam aumentando até que toda a resistência tivesse sucumbido. Também ele tinha um papel a representar (…) de defensor da ordem que se propunha acabar com a anarquia reinante. E enquanto os seus agentes inferiores engrossavam a massa de desordeiros, os iniciados penetravam na magistratura e nas igrejas e o povo via neles espíritos enérgicos que o chamavam à razão.


O Senhor da Floresta era como um médico louco que provoca o mal para depois tratar a doença com os novos remédios que criou”
.     


Em Paris o círculo de hostilidades apertou-se, por se relacionar com os oficiais alemães insatisfeitos com Hitler, que compreenderam a inevitabilidade da derrota, tentando derrubar o regime nazi (operação Valquíria), tentativa frustrada saldada com a execução de amigos, sendo EJ afastado do serviço por conduta indigna, sem provas da sua cumplicidade ou participação ativa.    


Após a derrota nazi, frustrou-se a intenção de o querer julgar por colaboracionismo com o nazismo (fala-se da intervenção de Brecht, com quem se dava). Foi-lhe proposta uma declaração de arrependimento (processo de desnazificação), que recusou, alegando não ter sido nazi, nada tendo de que se arrepender ou renegar, tendo tido obras proibidas.


Viveu flutuando com a corda ao pescoço, no fio da navalha, oscilando na corda-bamba, numa tensão permanente, presa em dois pontos onde os equilíbrios representavam uma vida perigosa e instável, insegura, por um triz, sem se ter exilado ou emigrado, antes procurando uma paz interior, ameaçada e corrompida pelo Senhor da Floresta. 


Perguntaram-lhe, um dia, dezenas de anos após o fim da guerra, se o Senhor da Floresta era o retrato de Hitler. Respondeu:      


“A propósito do Senhor da Floresta, houve um amigo que me disse: “Este sapato serve em muitos pés”. Se é verdade que o modelo podia assentar bem a Hitler, a História mostrou que também assentava a uma personagem de ainda maior envergadura: Estaline. E pode assentar a muitos outros homens. O que todos estes Senhores da Floresta têm em comum é o ódio à cultura digna desse nome. É ela que perturba, que desvia a linha de ação que eles traçaram. O homem para quem a cultura existe é um homem que perturba, pela sua simples existência, porque lhe repugnam a violência, o fanatismo, a barbárie. Há de haver sempre um limiar que ele se recusa a ultrapassar, um ato, um crime que ele se recusa a cometer…quanto mais não seja por razões estéticas”
.      


Ganhou o prémio Goethe, em 1982, finou em 1998, com 102 anos.


30.07.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

PEDRO TAMEN (1934-2021)

 

Nascido em 1934, Pedro Tamen é um dos poetas mais reconhecidos na sua geração. Jurista de formação, encontra na Faculdade de Direito Nuno Bragança, um dos nomes referenciais do romance moderno. Em 1954, funda «Anteu», cadernos de cultura, e em 1957 é chefe de redação de «Encontro», influente órgão da Juventude Universitária Católica (JUC), tendo sido um dos fundadores de um influente cineclube – o Centro Cultural de Cinema (CCC). O primeiro livro de poemas é desse período: «Poema para todos os dias» (1956). Com António Alçada Baptista e João Bénard da Costa participa no projeto da Livraria Morais, de grande significado cultural, que culminará na fundação da revista «O Tempo e o Modo» (1963), correspondente aos «Cuadernos para el Dialogo» de Joaquim Ruiz Gimenez, com que mantém contactos estreitos. Além de ser autor do título da revista, funda e dirige a coleção «Círculo de Poesia», onde publica «O Sangue, a Água e o Vinho» (1958). Em 1960 dá à estampa «O Primeiro Livro de Lapinova». É subdiretor da revista de atualidades «Flama» (1961). Publica: «Poemas a Isto» (1963), «Daniel na Cova dos Leões» (1971), «Escrito de Memória» (1973), «Os Quarenta e Dois Sonetos» (1973). É diretor literário da Livraria Moraes (até 1975), membro da primeira direção da Associação Portuguesa de Escritores, sendo eleito Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian (exercendo funções de 1975 a 2000). Prossegue fecunda atividade de publicação: «Agora, Estar» (1975), «20 Anos da Coleção Círculo de Poesia. 20 Anos de Poesia Portuguesa» (1977), «Aparelho Circulatório» (1978), «Horácio e Curiácio» (1981) – Prémio D. Diniz (1982), «Princípio do Sol» (1982), «Antologia Provisória» (1983), «Allegria del Silenzio» (tradução italiana, 1985), «Delfos, opus 12» (1987). É eleito Presidente do Pen Club Português (1988-1991). Recebe o Prémio português de tradução e é finalista do Prémio Europeu de Tradução, com «A Vida Modo de Usar», de Georges Perec (1990). Em 1991 sai a poesia reunida em «Tábua de Matérias» (Prémio da Crítica e Grande Prémio Inapa de Poesia) e é de novo finalista do Prémio Europeu de Tradução, com «Bouvard et Pécuchet, de Flaubert. Publica «Caracóis», com Júlio Pomar (1994), «Depois de Ver», com Fernando Azevedo (1995), e «Guião de Caronte» – Prémio Nicola de Poesia (1997). Em 1997 sai a lume a Antologia em língua magiar e em 1998 a Antologia em língua francesa «Maître ès-sanglots», com tradução de Patrick Quillier. Em 1999 são publicadas a Antologia em língua búlgara e o disco-antologia «Escrita Redita» (com Luís Lucas). Reformado da Fundação Gulbenkian, continua a publicar: «Memória Indescritível (Gótica) – Prémio Bordalo e Pen Clube -, realizando a tradução da integralidade de «Em Busca do Tempo Perdido», de Marcel Proust (2003-2005). Em 2001, sai em Inglaterra «Honey and Poison – Selected Poems», com tradução de Richard Zenith. No mesmo ano, publica «Retábulo de Matérias – Poesia 1956-2001» – onde está reunida toda a obra poética até esse momento. Em 2002 é publicado em Espanha «Caronte y Memoria», com tradução de Miguel Viqueira (Huerga y Fierro, Madrid, coleção «La Rama Dorada»). A obra sairá no Brasil, «Caronte e Memória», com prefácio de Carlos Nejar (2004), e em tradução búlgara (2005). Assinalando os 50 anos da vida literária, é publicado «Analogia e Dedos» – Prémios Luís Miguel Nava e Inês de Castro (2006). Seguem-se «O Livro do Sapateiro» (2010) e «Um Teatro às Escuras» (2011). Obtém o prémio Correntes de Escritas do Casino da Póvoa de Varzim e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores por «O Livro do Sapateiro». Em 2013 dá à estampa «Rua de Nenhures». Membro muito relevante do Centro Nacional de Cultura, em Pedro Tamen encontramos um poeta com grande maturidade artística, com excecional domínio da língua e uma vocação temática universalista, sendo hoje um símbolo vivo da grande qualidade da poesia contemporânea. Homenageamos a memória de Pedro Tamen e todo o seu apoio, enviando sentidas condolências à família, em especial à sua filha Teresa.

CRÓNICA DA CULTURA

 

PEDAÇOS II       
 

Tão sumida se via a memória quando se distanciava do café-mercearia que tinha os rebuçados multicolores em frascos de vidro, e vendia arroz e açúcar e massas, em pacotes que absorveriam, mais tarde, o óleo dos fritos na cozinha.

Na inocência, imaginava uma arca caprichosa com chocolates nalguns cantos: sentia-lhe o aroma, sentia-se bendito por um só dia.

Em rigor, desconhecia se a miséria da época que fazia acreditar o quanto dormir de barriga para baixo, ao comprimir o seu tamanho, comprimia a fome, era um tempo dos arredores da vida, ou, se era um centro que se demoraria até ao não pensar.

E assim, sem mais, viria a rendição.

Noutros dias, perguntava às rolas a razão de o amor ser aos poucochinhos, e da indiferença sobreviver a qualquer peçonha
enquanto a humanidade era coisa de cotação.

Não se perguntava com estas palavras, bastava a postura do corpo de pé, como a do lavrador ao ver perdido o seu trabalho, e só lhe surgiam perguntas. Quais?

Deus! eis a extrema resistência!?

E na primavera tudo regressaria igual e separado.

O cantar dos pedaços, por misericórdia, encarregavam-se de trazer

a penugem nova, as bestas, as comunhões, os vírus e as andorinhas.   

 

Teresa Bracinha Vieira

O SÉTIMO MANDAMENTO: CONTRA OS LADRÕES

 

1. Há um mandamento da lei de Deus (quem é que ainda se lembra que os mandamentos são dez?) — o sétimo — que diz: “Não roubarás.”


Antes de mais, é preciso esclarecer que os mandamentos da lei de Deus — o Decálogo — são dados em nome do Deus libertador do povo escravizaddo no Egipto. Todo o Antigo Testamento tem como eixo essa experiência essencial da libertação da escravidão. Assim, por paradoxal que pareça, os mandamentos, em última análise, resumem-se nesta ordem: sois livres, não escravizeis ninguém, não vos deixeis escravizar por nada nem por ninguém, não sejais escravos de vós próprios.


Por isso, ao contrário do que se julga, este sétimo mandamento não está imediatamente referido à propriedade e ao roubo da propriedade, mas ao roubo do Homem, isto é, ao roubo daquilo que faz do Homem ser humano: a liberdade. Mas,  por outro lado, também se percebe que este mandamento — não roubarás —, embora se não refira directamente à propriedade, inclui a propriedade, pois, como disse o teólogo Heinz Zahrnt, há um vínculo estreito entre propriedade e liberdade: “a propriedade garante a liberdade e torna autoconsciente”. Em certa medida, o que o Homem “é” também depende do que ele “tem”. Isso é dito até na palavra “posses” (teres), do latim “posse” (poder): ela refere o que o Homem possui e também o que ele pode ou não: comer, vestir-se, dar a si memso ou a alguém uma alegria, construir uma casa, ter acesso à cultura, ajudar um necessitado ou um amigo. Por outro lado, não é só o ter, não é a quantidade do que se possui que determina por si só o grau de liberdade. A propriedade proporciona liberdade, mas também pode levar à não liberdade, pois pode conduzir à loucura de confundir a existência com a posse de bens e à escravização de outros seres humanos.


Assim, este mandamento “determina a relação entre propriedade e liberdade num duplo sentido: previne contra o perigo de perder a liberdade própria”, na medida em que alguém se deixa escravizar pelo ter; previne contra o perigo do roubo da liberdade dos outros, “na medida em que, apropriando-nos da sua propriedade, nos apropriamos também da sua liberdade”. Ora, “quem se apropria de homens torna-os mercadoria” e dispõe deles como meio. Cá está o crime da exploração do trabalho infantil, tomada de reféns, recrutamento forçado de trabalhadores, comércio de carne branca para a prostituição, salários injustos... “Que pode haver verdadeira liberdade sem propriedade cada um pode dizê-lo a si próprio, mas não pode exigi-lo aos outros.”


O roubo começa e está presente das maneiras mais diversas, até na vida quotidiana: viajar nos transportes públicos sem bilhete, não chegar a horas ao trabalho, evasões fiscais, estragar a Natureza, construções sem garantia, declarações falsas de doença, fogo posto, má condução nas estradas, incompetência no desempenho das diferentes tarefas e funções, tráfico de drogas, branqueamento de capitais, danificar a propriedade pública e privada, irresponsabilidade no uso e aplicação dos dinheiros públicos, corrupção activa e passiva, falsificações alimentares, tirar aos outrso o seu tempo precioso...


Depois, há os grandes e os pequenos roubos, com uma diferença, a que já Martinho Lutero se referia há quinhentos anos, com estas palavras (tradução um pouco livre): “Quando olhamos para o mundo hoje através de todas as camadas sociais, constatamos que não passa de um grande, enorme, covil cheio de grandes ladrões... Aqui, seria necessário calar quanto aos pequenos ladrões particulares, para atacar os grandes e violentos, que diariamente roubam não uma ou duas cidades, mas a Alemanha inteira... Assim vai o mundo: quem pode roubar pública e notoriamente vai em paz e liv“re e recebe aplausos. Em contraposição, os pequenos ladrões, se são apanhados, têm de carregar com a culpa, o castigo e a vergonha. Os grandes ladrões públicos devem, porém, saber que perante Deus são isso mesmo: os grandes ladrões.”


O que Lutero disse há quinhentos anos referindo-se à Alemanha continua válido hoje, talvez mais do que nunca, em Portugal. E então entende-se: assim, por mais milhões, milhões, milhares de milhões de apoios da Europa, continuamos na cauda...


2. A globalização arrasta consigo inevitavelmente questões gigantescas e desperta paixões que nem sempre permitem um debate sereno e racional. O teólogo Hans Küng procurou contribuir também para este debate, que assenta, segundo ele, em quatro teses: a globalização é: “1. inevitável, 2. ambivalente (com ganhadores e perdedores), 3. não calculável (pode levar ao milagre económico para todos ou ao descalabro), 4. mas também — e isto é o mais importante — é dirigível”. Isto significa que precisamente a globalização económica exige uma globalização no domínio ético. Impõe-se um consenso ético mínimo quanto a valores, atitudes e critérios, um ethos mundial para uma sociedade e uma economia mundiais. É o próprio mercado global que exige um ethos global.


É claro que, se quiser ter futuro, a Humanidade se tem de tornar sujeito comum da responsabilidade pela vida. Ou a Humanidade como todo se torna sujeito do seu futuro e da responsabilidade pela vida em geral ou pura e simplesmente não haverá futuro para ninguém. Em termos simples e cínicos, se se quiser: se não quisermos ser solidários por razões de ética e humanidade, sejamo-lo ao menos por razões de egoísmo esclarecido.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 24 JULHO 2021

"DIAS E DIAS"...

 

Esta peste que nos assolou ainda vai dar muito trabalho. Mesmo com a vacinação completa, precisamos de mil cuidados. A máscara veio para ficar. Antes, admirávamo-nos com o facto de os orientais que nos visitavam ostentarem máscaras cirúrgicas que nos intrigavam. O facto é que sabemos muito pouco desta doença. Tem havido muita literatura, atual ou antiga, e milhentos especialistas (que, em bom rigor, se confundem entre eles). A ciência tem muito para dar e muito para aprender, e a verdade é que é extraordinário como ao fim de um ano já contamos com vacinas, que são preciosa ajuda. E a solidariedade? Mas não conquistámos nem a imunidade de grupo, nem qualquer certeza sobre proteção e invulnerabilidade. Houve muitas vítimas, diretas e indiretas, prudência e imprudência, responsabilidade e irresponsabilidade… No nosso panorama literário duas obras da mesma autora – uma saída antes da pandemia e outra depois, merecem referência especial. Falo de “Estar em Casa” e de “Dias e Dias” de Adília Lopes (Assírio e Alvim), preciosos auxiliares para a compreensão do inesperado fenómeno que nos atormenta, preocupa e assusta. “Estar em Casa” é de 2018 e assume um carácter quase profético. E não uso de ironia, longe disso. De facto, ao lermos os livros, percebemos a importância e a eficácia da proteção, nossa e dos outros. É verdade que fomos submetidos a uma provação, dura e inesperada, mas pudemos usar a melhor trincheira para combater o inimigo, a casa. Antes dos testes e das vacinas, estar em casa foi a medida mais eficaz. Pascoaes ensinou-nos: “Ah, se não fosse a névoa da manhã / E a velhinha janela, onde me vou / Debruçar, para ouvir a voz das cousas, / Eu não era o que sou”. E compreendemos: “O prazer do texto sim / o frete do texto não”. Ler foi o melhor refúgio. “A Tia Paulina dizia; chuva, vento frio, E também dizia: vento a puxar chuva. Eu digo o mesmo hoje aqui”. E fica-nos o desejo de poder convalescer: “Década a passar mal / e de repente o Sol / como diamantes // Estou bem / depois de estar mal”. Quanto tempo faltará ainda? Entretanto, olhamos pela janela e desejamos não “dar trabalho aos que cá ficam”… E ouvimos um médico a dizer “a novidade estimula” e outro “a capacidade de esquecimento das pessoas é muito grande”. E com linguagem profética, entre recordações sinceras de uma gata “mansa meiga bondosa macia”, temos as palavras de Sophia: “Não aceito a morte a lacuna a perda o desastre / nunca aceitarei / não me venham com tretas”.


Para mim Adília Lopes é sempre Maria José, com pelo menos cento e cinquenta anos de conhecimento. A casa da José Estevão representa a eternidade. “Na casa de jantar havia um aparador, um móvel com loiças, vidros e pratas em exposição e uma taça com frutas”. Em “Dias e Dias”, de setembro de 2020, fica demonstrado como se pode antecipar o tempo. Leio, sentidamente: “muita saúde!, muita alegria!”. Recordamos Cristovam Pavia: “Havia grandes tílias aromáticas… / E pedrinhas brilhantes, coloridas / Conforme a luz…”. E vêm à memória Camilo Pessanha e os pequenos exercícios de José Escada. Neste século e meio de conhecimento, lembramos os pratos onde se comiam os bolos – com tambores ou andorinhas. Tudo memória bem viva. Agora: “É a quarentena do coronavírus. Não devo sair de casa. (…) Aprendo muito, oiço músicas bonitas”. Ironia e dúvida: “Esta música / é linda / mas não anula / o sofrimento / não traz de volta / à vida / aqueles que amei / e que já morreram”. Ideias a fervilhar: “Acho ‘A Colher de Pau’ um livro genial. Cozinhar tem sido alucinante para mim, uma terapia. Vem aí a macacoa, a miséria? Sem esparguete, com coronavírus, a vida não é divertida. Por enquanto divirto-me”. E o que é ainda a quarentena? “Estar em casa / estar a estar / dias e dias”…


GOM

A VIDA DOS LIVROS

De 26 a 1 de agosto de 2021

“A Velha Casa” de José Régio (1945-1966) é a obra de ficção mais importante do seu autor, que considera como obra de uma vida. Não se trata, porém, de uma autobiografia, nem Lelito é o seu herói…

 

SÍNTESE CULTURAL COMPLEXA
Se há herói neste romance de seis volumes é a própria casa. Mas “trata-se de uma meditação sobre a vida humana; sobre a condição humana. Apesar disso um romance: pois a condição humana não é aí meditada senão por meio de uma localização no espaço, duma situação no tempo, e através de personagens que vão vivendo o seu destino, tecendo e emaranhando a sua teia”…José Régio (1901-1969) merece uma atenção especial enquanto referência da cultura portuguesa do século XX. Cinco elementos poderemos salientar, que o tempo se encarregará de tornar mais evidentes. E a título de exemplo, podemos referir a apreciação que Régio fez de Camilo Castelo Branco e do lugar que ocupava na nossa literatura, que é de algum modo uma apreciação que poderemos considerar paralela relativamente ao seu próprio percurso, com as naturais distâncias. A história portuguesa e a síntese complexa que comporta demonstra bem como Régio segue as passadas camilianas, compreendendo a coexistência permanente entre o que puxa para a permanência e o que reclama as transformações. De facto, José Régio (a) compreendeu que a cultura portuguesa é múltipla e heterogénea; (b) ao salientar o papel de “Orpheu” e do primeiro modernismo, bem como a necessidade de o relembrar e continuar com a “Presença”, pôs em diálogo a modernidade e as raízes culturais permanentes; (c) o exemplo de Camilo é, assim, ilustrativo do modo como este via a nossa identidade, incompreensível sem a tensão entre uma arreigada tradição provinciana e castiça e o apelo do cosmopolitismo; (d) esta mesma tensão, na qual o eu se afirma, na relação com os outros (como em “A Velha Casa”, com Lelito), está bem patente na obra de Régio, como ponto de encontro entre diversas contradições, ora entre Deus e o Diabo, ora na distância entre a cidade e a província; e (e) Portugal viverá, assim, sempre entre a lembrança das raízes antigas e o apelo à metamorfose e à mudança, sendo a aparente homogeneidade identitária feita de um complexo melting-pot que permite acolher as diferenças e completá-las, mais do que proceder à sua mera adaptação.


UMA MODERNIDADE ABERTA
Como afirma Eugénio Lisboa, a obra de Régio “insere-se (…) numa conceção de moderno, não fanática, e aceita (…) uma ideia de originalidade irremediavelmente chumbada à noção de sinceridade”. O respeito pela singularidade obriga a pormo-nos no lugar do outro, para melhor o compreender a ele, e a nós também. E Jacinto do Prado Coelho dirá: “José Régio é um poeta moderno autêntico – pela desordem psicológica, pelo hipercriticismo dos próprios instintos, pela originalidade rebuscada, pela sobriedade vincante dos conceitos atirados à cara do leitor, pelo encerramento num castelo inacessível à maneira de Julião Sorel, de Stendhal, pelo arrojo e desencontro das formas”. Lembremos, de facto, a relação histórica de Régio com Camilo, sem tentação de anacronismo, ambos têm um diálogo natural, no qual prevalece a importância da sociedade, incapaz de se fechar numa das lógicas possíveis, a tradicional ou a moderna. “Em demasia foi encomiado Camilo por características estimáveis, sim, mas não de suprema importância na criação de um artista: o seu purismo, por exemplo, ou a extraordinária opulência do vocabulário, adquirido no trato com o povo e os clássicos. Outros dos seus admiradores – que, bem portugueses, reconheciam instintos e sentimentos seus próprios genialmente expressos nos livros do grande escritor – nem souberam descer ao fundo de si mesmos nem da obra dele. Balbuciaram razões de ordem acessória, eles que as tinham de boa categoria”. Régio chama, assim, a atenção mais para a obra de Camilo e menos para a sua imagem ou para a sua biografia, não confundível com as qualidades do escritor e do cultor da língua. Daí a citação de Luís Cardim, na “Seara Nova”, em que o crítico, ao escrever sobre a biografia de Oskar Wilde, de Hesketh Pearson, afirma que a melhor maneira de falar de um autor é “muito simplesmente, a de lermos as suas obras, e deixarmos em paz a vida, e até as idiossincrasias do autor que nas suas produções não estejam refletidas”.


OBRA DE ARTE, OBRA DE PENSAMENTO
Para Régio, a obra de arte, como a obra de pensamento, tem um valor em si – é uma “realidade concreta e objetiva”, cujo estudo desprevenido deve prevalecer sobre o da biografia, fisiologia, psicologia. A riqueza camiliana vem da simbiose entre a biografia  do autor e a criação literária que a transcende. E assim, Régio salienta que o escritor aparentemente popular é, no fim de contas, menos acessível na intimidade da sua verdadeira grandeza do que, por exemplo, um Eça. Longe de um velho escritor subjetivista ou sentimental, “incorrigível narrador de histórias de amores contrariados, pais tirânicos, meninas metidas em conventos e galãs fatais, com a morte ao fundo”, Camilo é um profundo conhecedor dos clássicos e da melhor criação literária, um conhecedor da vida do povo, um estudioso atento da realidade histórica e um fino analista do género humano. Contudo, vivendo da escrita, antecipou o que o tempo veio a tornar comum – a necessidade de encontrar modos de atrair e de fidelizar os seus leitores. Enganam-se, porém, quantos se limitam a lembrar as obras mais conhecidas, esquecidos da preocupação do escritor em ir além da receita romântica, designadamente no romance histórico ou na análise da sociedade. José Régio compreende esta lição, numa circunstância totalmente diferente. Importaria agora pôr em diálogo a melhor literatura e a reflexão individual. A “Literatura Viva” significa exatamente a compreensão da heterogeneidade e das diferenças. Como em “A Velha Casa”, metáfora da vida e da realidade: “O que lhe mostrava a experiência é que ninguém, senão ele, sabia na casa como ela tinha personalidade própria; como nessa personalidade compartilhavam todos os aposentos, tendo, embora, cada um o seu aspeto funcional; e como não só a personalidade da casa era insubmissa às coisas e pessoas que a povoavam, mas antes acabava por pesar sobre os seus gestos, palavras, atitudes, sentimentos”…

Guilherme d’Oliveira Martins 
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

À MARGEM DE ANTIGAS CARTAS


SÓ PERGUNTO AONDE VAIS?
 


Persigo sobre a areia só
   
e é fugaz e fugidia
a deste deserto   
nas vagas impressões
  
dos teus muito frágeis passos
 


São de outrora, de depois ou só
 
de porvir
   
conformes a tempos e modos
de sentir  
porém de ti sempre


Porque como teus só
  
os reconheço

ou talvez por mim
os adivinhe 
e me transformem


Já tanto de ti só
  
no coração de Deus existe
e eu estou fora ainda 
por pegadas de vento buscando

na saudade o teu caminho


   Quando um de nós se perde na demência, só num deserto estranho o outro o pode encontrar. Eis como a comunicação possível se torna monólogo e se inventa outra existência. Perdeu-se alguém, de tão brutal maneira que a própria ausência é impossível de se conceber. No fundo de mim, terei de criar uma presença nova e fazê-la comunicar, por um caminho do espírito que em si só, no seu mistério, guarda o seu segredo.


   Quem morreu, sabemos que não está aqui, imaginamo-lo algures ou nenhures, mas sem nunca o ver, e a sua própria incomunicabilidade pertence à ordem natural das coisas. Não lhe pertence. Tortura maior é, sim, procurar quem vemos mas não nos fala, tentar escutar no silêncio o bater de outro coração, desvendar num segredo inacessível essa presença amorosa qe Deus nos esconde. Porquê? Saberás tu responder-me, ouvir-me-ás perguntar-te aonde vais?


   Como escrevi, em carta com mais de sete anos, no passado domingo republicada pelo blogue do CNC, "o silêncio interroga o silêncio. E é mais sentida a ferida".

 

Camilo Maria     

 

Camilo Martins de Oliveira

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