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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Os filmes de Éric Rohmer são mapas cinematográficos.

 

O texto Mapping Rohmer: Cinematic Cartography in Post-War Paris de Richard Misek (Misek 2012, 53-67) assegura que nos filmes de Éric Rohmer, a cidade, é o meio por excelência, que promove o ser humano como um ser que anda no meio de outras pessoas.

É através de Richard Misek que se descobre que em 13 dos 25 filmes de Rohmer, feitos entre os anos 1960 e os anos 2000, há personagens que se deslocam a pé em Paris, de comboio, e ocasionalmente de carro. Os filmes de Rohmer mapeiam a cidade de Paris e assim se concretizam movimentos a várias velocidades, em rede, entre ruas e entre transportes. O espaço urbano é delineado pelos movimentos geograficamente precisos das personagens. E Misek revela que Rohmer chega mesmo a afirmar que um filme deve evidenciar uma relação directa do ser humano com o espaço que habita.

Para Misek, os filmes de Rohmer podem assim ser considerados mapas cinematográficos. O cinema de Rohmer é centrado nos actores com movimentos mínimos da câmara. Os actores ocupam pontos específicos no mapa da cidade e/ou deslocam-se de um ponto para outro. Rohmer filma movimentos usando enquadramentos amplos e estáticos. A câmara de Rohmer só se movimenta para seguir os passos das personagens. Não é a câmara que determina as linhas na cidade – são os actores que o fazem. Câmara, pessoa e espaço formam as ferramentas básicas do projecto cartográfico de Rohmer.

Rohmer não reconstrói o espaço urbano e nem amplia o que é excepcional. Rohmer segue as suas personagens que se movimentam ao longo de ruas, que se deslocam de comboio, que se demoram nos cafés, nos restaurantes, em praças e em parques. Rohmer está sempre topograficamente correcto e não há evasões inexplicáveis pelo espaço da cidade. Segundo Misek, todos os filmes de Paris apresentam continuidade topográfica. Em cada filme, cada etapa da jornada das personagens pode ser transcrita para um mapa. Nos filmes de Rohmer temos uma percepção de Paris tal como entendida e vivenciada pelos parisienses.

Rohmer revela os caminhos das personagens pelas ruas de Paris - e estes fazem parte de longas linhas de movimento que se estendem até aos subúrbios, através dos transportes. Essas linhas de movimento mais longas e menos vagarosas são motivadas economicamente– as personagens deslocam-se para irem para o trabalho. Os movimentos espaciais das personagens pela cidade estão ligados às trajectórias narrativas dos filmes. À medida que as personagens se movem no espaço ligam-se a outras personagens – sobretudo nas ruas, nos parques, nos cafés, nos restaurantes, nos transportes. Sempre que a narrativa exige, as representações cinematográficas do espaço divergem na fidelidade geográfica. Por exemplo, as deslocações entre os subúrbios e a cidade são condensados porque dizem respeito a pouca interacção social. Rohmer dá sobretudo mais importância às deslocações das personagens no centro da cidade, porque é aí que acontecem as conexões sociais. O instinto de Rohmer é de uma forte lógica geográfica, porém a correspondência exacta entre a experiência cinematográfica e a o espaço físico nem sempre contribui para a clarificação de uma narrativa.

Por isso, segundo Misek, a aproximação de Rohmer ao espaço urbano, em movimento, equilibra as tensões que existem entre documentação e reconfiguração, simplicidade e complexidade, rapidez e demora, mapa e caminhada, tridimensionalidade e bidimensionalidade – porque na verdade é assim que o ser humano se relaciona com o espaço – quando se percorrem as ruas de uma cidade nunca a totalidade é apercebida. A leitura de Misek explica que os filmes de Rohmer revelam a importância da cidade (Paris) como espaço de encontro, sublinhando que é possível mapear todos os espaços percorridos pelas personagens nos seus filmes – como acontece, por exemplo, no filme La Femme de l’Aviateur (1980). Para Misek, Paris é a cidade por excelência de Rohmer, é o centro de tudo, e é apresentada através de uma rede complexa de pontos e linhas, algumas geograficamente precisas e outras mais simplificadas.

 

Ana Ruepp