À MARGEM DE ANTIGAS CARTAS
SÓ PERGUNTO AONDE VAIS?
Persigo sobre a areia só
e é fugaz e fugidia
a deste deserto
nas vagas impressões
dos teus muito frágeis passos
São de outrora, de depois ou só
de porvir
conformes a tempos e modos
de sentir
porém de ti sempre
Porque como teus só
os reconheço
ou talvez por mim
os adivinhe
e me transformem
Já tanto de ti só
no coração de Deus existe
e eu estou fora ainda
por pegadas de vento buscando
na saudade o teu caminho
Quando um de nós se perde na demência, só num deserto estranho o outro o pode encontrar. Eis como a comunicação possível se torna monólogo e se inventa outra existência. Perdeu-se alguém, de tão brutal maneira que a própria ausência é impossível de se conceber. No fundo de mim, terei de criar uma presença nova e fazê-la comunicar, por um caminho do espírito que em si só, no seu mistério, guarda o seu segredo.
Quem morreu, sabemos que não está aqui, imaginamo-lo algures ou nenhures, mas sem nunca o ver, e a sua própria incomunicabilidade pertence à ordem natural das coisas. Não lhe pertence. Tortura maior é, sim, procurar quem vemos mas não nos fala, tentar escutar no silêncio o bater de outro coração, desvendar num segredo inacessível essa presença amorosa qe Deus nos esconde. Porquê? Saberás tu responder-me, ouvir-me-ás perguntar-te aonde vais?
Como escrevi, em carta com mais de sete anos, no passado domingo republicada pelo blogue do CNC, "o silêncio interroga o silêncio. E é mais sentida a ferida".
Camilo Maria
Camilo Martins de Oliveira