Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Sempre houve intelectuais, pensadores, ideólogos e cientistas que deram caução a totalitarismos e ditaduras de vária índole.
Hitler, Mussolini, Lenine, Estaline, Mao, tiveram legiões a elogiá-los e a justificá-los.
Há os que sempre denunciaram totalitarismos e ditaduras, não abdicando das suas ideias em favor da liberdade, extensiva a todas as manifestações artísticas e científicas.
Outros colocaram a experiência e a observação empírica à frente da teoria, para provarem se tinham ou não razão.
E há os que fizeram um percurso não linear, de reservas, instruído de simpatias totalitárias rumo a uma não aprovação.
Ernst Junger, famoso escritor, foi um deles.
Viveu na atmosfera asfixiante e belicista das duas guerras mundiais, foi ferido várias vezes na primeira, condecorado, um herói arquetípico germânico, reunindo todas as condições para ser uma referência do nacionalismo alemão, autor de escritos nacionalistas e figura da extrema direita alemã.
Simpatizou com a ascensão do nacional-socialismo, foi antissemita, mas quando Hitler tomou o poder resguardou-se e não assumiu qualquer compromisso. Recusou entrar na academia alemã de poesia, submetida ao controlo de Goebbels, apaixonou-se por uma judia, aplacando gradualmente o seu antissemitismo. Deixou Berlim depois de desacreditada e espancada Else Lasker-Schuler, alemã e judia, galardoada com um prémio literário (poesia), em 1932. Convivia com o pacifista alemão, de origem judaica, Ernst Toller, que emigrou para os Estados Unidos, após a tomada de poder pelos nazis. Foi vigiado pela Gestapo, teve benevolências, cedências, afastamentos, suspensões e proibições. Quando da detenção do filho Ernstel, por se manifestar contra Hitler, ativou conhecimentos e o seu prestígio, libertando-o e perdendo-o na guerra. Quando chamado, fez parte do exército alemão, que ocupou Paris, em 1940.
Antes de alistado, de novo, escreveu Sobre as Falésias de Mármore, romance alegórico e profético, que ganhou fama além-fronteiras, denunciando regimes ditatoriais, incluindo o nazismo, e testemunho, para alguns, de algo que ao mesmo tempo superava e limitava as intenções do autor. Avisado Hitler do perigo que representava, ordenou que o deixassem em paz, pela sua audácia e heroísmo.
No livro é protagonista o Senhor da Floresta:
“Tal como, em plena montanha, um espesso nevoeiro precede a tempestade, também uma atmosfera de insegurança precedeu o Senhor da Floresta. (…)
Tal como a erupção vulcânica que estoura, desaparece e surge de novo, assim os dias de tempestade e de calma se misturavam e sucediam.
Era uma manifestação da sagacidade do Senhor da Floresta.
Lançar o medo pouco a pouco, em pequenas porções que iam aumentando até que toda a resistência tivesse sucumbido. Também ele tinha um papel a representar (…) de defensor da ordem que se propunha acabar com a anarquia reinante. E enquanto os seus agentes inferiores engrossavam a massa de desordeiros, os iniciados penetravam na magistratura e nas igrejas e o povo via neles espíritos enérgicos que o chamavam à razão.
O Senhor da Floresta era como um médico louco que provoca o mal para depois tratar a doença com os novos remédios que criou”.
Em Paris o círculo de hostilidades apertou-se, por se relacionar com os oficiais alemães insatisfeitos com Hitler, que compreenderam a inevitabilidade da derrota, tentando derrubar o regime nazi (operação Valquíria), tentativa frustrada saldada com a execução de amigos, sendo EJ afastado do serviço por conduta indigna, sem provas da sua cumplicidade ou participação ativa.
Após a derrota nazi, frustrou-se a intenção de o querer julgar por colaboracionismo com o nazismo (fala-se da intervenção de Brecht, com quem se dava). Foi-lhe proposta uma declaração de arrependimento (processo de desnazificação), que recusou, alegando não ter sido nazi, nada tendo de que se arrepender ou renegar, tendo tido obras proibidas.
Viveu flutuando com a corda ao pescoço, no fio da navalha, oscilando na corda-bamba, numa tensão permanente, presa em dois pontos onde os equilíbrios representavam uma vida perigosa e instável, insegura, por um triz, sem se ter exilado ou emigrado, antes procurando uma paz interior, ameaçada e corrompida pelo Senhor da Floresta.
Perguntaram-lhe, um dia, dezenas de anos após o fim da guerra, se o Senhor da Floresta era o retrato de Hitler. Respondeu:
“A propósito do Senhor da Floresta, houve um amigo que me disse: “Este sapato serve em muitos pés”. Se é verdade que o modelo podia assentar bem a Hitler, a História mostrou que também assentava a uma personagem de ainda maior envergadura: Estaline. E pode assentar a muitos outros homens. O que todos estes Senhores da Floresta têm em comum é o ódio à cultura digna desse nome. É ela que perturba, que desvia a linha de ação que eles traçaram. O homem para quem a cultura existe é um homem que perturba, pela sua simples existência, porque lhe repugnam a violência, o fanatismo, a barbárie. Há de haver sempre um limiar que ele se recusa a ultrapassar, um ato, um crime que ele se recusa a cometer…quanto mais não seja por razões estéticas”.
Ganhou o prémio Goethe, em 1982, finou em 1998, com 102 anos.