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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MAIS 30 BOAS RAZÕES PARA PORTUGAL

 

(II) A BANDEIRA


Na sequência da implantação da República o Governo Provisório nomeou uma Comissão para propor uma nova bandeira nacional, constituída por Columbano Bordalo Pinheiro, João Chagas, Abel Botelho, Ladislau Parreira e José Afonso de Pala. O modelo escolhido baseou-se na bandeira dos centros republicanos arvorada na Rotunda e no navio “Adamastor” durante a revolução de 1910, como já acontecera em 31 de janeiro de 1891. A Comissão considerou que o vermelho deveria estar presente como uma das principais cores, “porque é uma cor combativa, quente, viril, por excelência. É a cor da conquista e do riso. Uma cor cantante, ardente, alegre (...). Lembra o sangue e incita à vitória." Quanto ao verde, invocou-se a presença no Porto em 1891 e a virtude da esperança e o branco a bordejar o escudo central representava "uma cor bonita e fraterna, em que todas as outras cores se fundem, cor de simplicidade, de harmonia e paz", correspondendo, cheia de entusiasmo e fé à invocação do ciclo épico dos Descobrimentos, através da Cruz da Ordem de Cristo. No centro, a esfera armilar de D. Manuel I consagra a "épica história marítima portuguesa” e o desafio “essencial para a nossa vida coletiva", sendo o escudo português mantido, colocado sobre a esfera armilar. Assim se imortalizaria o "milagre humano de bravura positiva, tenacidade, diplomacia e audácia, que conseguiu ligar os primeiros elos da afirmação social e política da nação portuguesa", uma vez que é um dos mais "vigorosos símbolos da identidade e integridade nacional". O verde adotado, na linha da dinastia de Aviz e dos símbolos de D. Manuel, foi esmeralda e não o verde escuro proposto por Columbano e aprovado pela comissão por um erro de execução… As tintureiras da Cordoaria Nacional não conseguiram o verde escuro e ficou o esmeralda. Columbano comentou: – «Não ficou como eu desejava, tenho pena»… O escudo de Portugal recorda o mítico milagre de Ourique – a batalha vencida por D. Afonso Henriques em 25 de Julho de 1139, dia de Santiago, em lugar incerta, referida na Crónica de 1419. Então teria ocorrido a aparição de Cristo, como ao Imperador Constantino na Batalha da Ponte Mílvia (312). O brasão é descrito heraldicamente assim: “de prata com cinco escudetes de azul, postos em cruz de Cristo, cada um carregado por cinco besantes de prata, postos em cruz de Santo André; bordadura de vermelho carregada de sete castelos de ouro; o escudo sobreposto a uma esfera armilar rodeada por dois ramos de oliveira ou loureiro de ouro, atados por uma fita verde e vermelha”. O lema é o verso de Camões em “Os Lusíadas”: “Esta é a ditosa Pátria Minha Amada”. As quinas vêm da bandeira inicial de D. Afonso: cruz azul dos cruzados. As quinas podem representar as cinco chagas de Cristo e os besantes variaram em número sem clara explicação. Os castelos correspondem às armas de D. Afonso III, o bolonhês, que já usara em Boulogne.  A nova Bandeira Nacional foi apresentada oficialmente por ocasião dos 270 anos da Restauração da Independência, no dia 1º de Dezembro de 1910, data definida como Festa da Bandeira Nacional, sendo declarada feriado nacional. A bandeira foi hasteada a primeira vez na Praça dos Restauradores. A Bandeira foi aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, na sua sessão de abertura, através do decreto de 19 de junho de 1911, publicado a 20 de junho. Foi símbolo heroico do Corpo Expedicionário Português…

GOM

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A VIDA DOS LIVROS

De 2 a 8 de agosto de 2021


Vasco de Castro (1935-2021), com uma obra multifacetada e um traço inconfundível, marcantes quer no comentário político e social, quer na compreensão da cultura atual é uma referência fundamental no cartoon contemporâneo.


A MAGIA DA ILUSTRAÇÃO
A importância da ilustração na imprensa escrita é algo que merece uma atenção especial. E se falamos do tema no JL, temos de lembrar como João Abel Manta marcou e marca hoje a história desta casa. Ainda há pouco a capa do JL, que invocava José Cardoso Pires, no momento da publicação da sua biografia, tinha bem presente essa marca de um artista maior das nossas artes plásticas. Essa lembrança, ligada à força essencial da ilustração, merece referência especial, quando há dias nos deixou um grande ilustrador como Vasco de Castro (1935-2021), com uma obra multifacetada e um traço inconfundível, marcantes quer no comentário político e social, quer na compreensão da cultura contemporânea. A galeria das obras de Vasco permite-nos seguirmos a história portuguesa recente numa perspetiva de horizontes abertos, segundo uma estética original, que se liga às melhores tendências modernas do cartoon. Nascido em Ferreira do Zêzere, em virtude da colocação de sua mãe como professora primária, filho do poeta transmontano de Vila Real Afonso de Castro, frequentou o curso de Direito na Universidade de Lisboa, tendo feito parte de uma direção da Associação Académica, com participação ativa nas lutas estudantis. O compromisso político esteve sempre nas suas preocupações e combates, desde o apoio à candidatura de Delgado até à participação nas tertúlias surrealistas do Café Gelo. A boémia e a política marcaram a sua vida, atento ao mundo e ao tempo. As primeiras colaborações na imprensa portuguesa ocorreram a partir de 1954 no “Diário Ilustrado”, “Diário de Lisboa”, “República” e “Parada da Paródia”. Contudo, a situação política e a guerra levam-no para o exílio em França. Tendo vivido em Paris desde o início dos anos sessenta até 1974, a qualidade da sua produção artística e o militantismo social e político desde cedo se evidenciaram, tendo colaborado na mais influente imprensa francesa, “Le Monde”, “Le Figaro”, “France-Observateur” e “L’Humanité”, o que, desde logo, representou o reconhecimento da qualidade da sua obra. Primeiro assina “Tinho”, de Agostinho, seu primeiro nome, e depois, de modo inconfundível, como “Vasco”.


MILITANTE ATIVO
É militante ativo em maio de 1968: “a prática exata da alegria de viver, porque estamos a ser úteis para qualquer coisa que está prenhe de futuro”. Fundou o semanário underground “lx” (1969), logo proibido, e a editora “Champ du Possible” (1973). Em 1970 e 1972 teve participação nas Bienais de Desenho de Humor de Montreal. Com o escritor espanhol Xavier Domingo colaborou em Bandas Desenhadas sobre Hemingway, André Breton e François Mauriac. De regresso a Portugal, após a revolução, fixa-se em Lisboa e colabora na imprensa, em “O Jornal”, “JL”, “Diário de Notícias” “Sempre Fixe”, “República”, “Diário de Lisboa”, “Opção” com textos e desenhos, tendo sido um dos fundadores do diário “Página Um”. Entre as obras publicadas por Vasco de Castro contam-se Montparnasse, mon village (1985), Fotomaton (1986) e Montparnasse até ao esgotamento das horas (2008). No recente livro de homenagem a Mário Mesquita, recordava como o então jovem diretor do “DN” foi decisivo para a escrita das crónicas parisienses. E recordava um encontro com François Mitterrand, “que via frequentemente nesses anos 72-73, no semanário socialista ‘L’Unité’, onde ele escrevia e eu desenhava. Aconteceu numa festa comício próxima de Lyon, onde eu expunha desenhos, e Mitterrand fez um discurso de campanha. Acabámos por nos restaurar durante mais de duas horas, com garrafas de Macom e saucisson local e descontraída conversa; Mitterrand era um sedutor e um ‘homme du monde’”. E dessa história nasceria a ideia de uma série de artigos de memórias aos domingos.

O volume sobre Leal da Câmara (1996) constitui uma importante invocação de uma referência fundamental na história da caricatura em Portugal – na tradição muito rica vinda de Rafael Bordalo Pinheiro. Merece ainda referência o notável conjunto de obras sobre Fernando Pessoa exposto em 2012 na Casa do poeta. Em “Levante-se o Réu”, crónicas do quotidiano dos tribunais de Rui Cardoso Martins, publicadas no “Público”, pudemos contar com impressivas ilustrações que documentam o inesperado da vida, onde o trágico e o irónico tantas vezes se encontram. A presença nas páginas do “Público” é, aliás, significativa. Desde 1992 era sócio correspondente da Academia Nacional de Belas-Artes. Segundo João Alpuim Botelho, diretor do Museu Bordalo Pinheiro, que teve a iniciativa de organizar a exposição antológica “Vasco Século XXI” (2019): “Vasco é um dos grandes da caricatura e do cartoon. O claro escuro, feito de manchas e pingos, com que define as suas personagens, cria um estilo absolutamente original na caricatura portuguesa, que cruza a pintura com o desenho em efeitos insinuantes, que constantemente provocam o nosso olhar”.


OBRA INCONFUNDÍVEL
De facto, a obra de Vasco de Castro é inconfundível, levando-nos tantas vezes até próximo de Stuart de Carvalhais, apesar da distância e das evidentes diferenças. Pode dizer-se que se há autor contemporâneo português que deixou a sua marca inconfundível no panorama político e cultural, com inconformismo e um notável sentido do picaresco foi sem dúvida Vasco. Sendo o panorama português do cartoon atual extremamente rico, onde encontramos, numa referência não sistemática e incompleta, António Moreira Antunes, André Carrilho, Cristina Sampaio, Jorge Colombo, José Carlos Fernandes, João Fazenda, Luís Afonso, Nuno Saraiva, José Bandeira, além dos saudosos Augusto Cid, Sam ou Zé Manel, a verdade é que Vasco, como desenhador e escritor, é um exemplo marcante que deve ser lembrado e estudado… Basta dizer que não será possível fazer a história da cultura portuguesa contemporânea sem considerar o modo como o cartoonista viu, com olhar crítico, escritores, pensadores, artistas, músicos… Lembrando-nos de como Rafael Bordalo Pinheiro foi importante na segunda metade do século XIX no exercício da liberdade de imprensa, no debate de ideias e no pluralismo crítico, é oportuno dizer que o cartoon e a caricatura são meios essenciais para a formação de uma opinião pública madura e construtiva. Daí a importância da ilustração e da ligação entre texto e imagem, entre análise e ironia. Um dos modos de contrariar a falta de qualidade e o primado do imediatismo e da ilusão está no recurso à inteligência crítica. Disso não tenhamos dúvidas… Eis por que razão o lugar de Vasco de Castro é central quando falamos da história recente do jornalismo e da comunicação social.

 

Guilherme d’Oliveira Martins 
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença