Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Uma lenda prodigiosa com origem em escritos de Atanásio de Saragoça coloca Braga em primeiro lugar na rota das pregações de S. Tiago aos povos das Espanhas e atribui ao apóstolo a ressuscitação do “primeiro” bispo bracarense, S. Pedro de Rates. Pode dizer-se, assim, que a Sé de Braga é referência do românico português. Sob a influência de Santiago de Compostela, a Sé de Braga encontra-se adaptada à função metropolita na região de Entre Douro e Minho, albergando o primaciado das Espanhas. Não se trata, porém. de um templo de peregrinação. É uma igreja de três naves, com transepto, cabeceira com a capela-mor e absidíolos. A construção do edifício que conhecemos iniciou-se no século XI, sobre as bases de um anterior templo. O portal principal é do século XII como alterações dos séculos XV e XVI. Aqui se encontram os túmulos do Conde D. Henrique e de D. Teresa. Está ligado à Sé de Braga o episódio conhecido como “pio latrocínio”. De facto, em 1102, o poderoso bispo de Compostela Diogo Gelmires levou de Braga, pela calada da noite, num verdadeiro assalto, as relíquias do bispo bracarense S. Frutuoso e dos mártires S. Silvestre, S. Cucufate e Santa Susana. Tal atitude, algo comum no período medieval, teve como justificação a necessidade de dar às relíquias devida adoração em Santiago de Compostela, já que esse era o lugar de afluência de peregrinos de toda a Europa. Contudo foi sempre contestada, só tendo sido reparada em 1966 e 1993, regressando então as relíquias a Braga. O românico de Braga irradiou para toda a região de Entre Douro e Minho, sobretudo nos elementos decorativos e na simplicidade de estilo – sendo exemplos: Travanca, Pombeiro, S. Pedro de Rates, Paço de Sousa, Roriz, Cete e Fonte Arcada.
A Sé do Porto é outro exemplo marcante do românico português. O início da sua construção data da primeira metade do século XII, sofrendo o primeiro edifício muitas alterações ao longo dos séculos. Do estilo original restam o carácter geral da fachada, com as torres e a imponente rosácea além do corpo da igreja de três naves coberto por uma abóbada de canhão sustentada por arcobotantes. Trata-se de um dos primeiros templos portugueses dotados desse elemento arquitetónico.
Outros exemplos do românico português são: a Domus Municipalis de Bragança (século XII) na arquitetura civil ainda que de utilização incerta; e a Sé Velha de Coimbra (século XII), com a estrutura essencial preservada, apesar de muitas intervenções de diversas épocas. É originalmente típica do românico português com três naves, tendo a central abóbada de berço, transepto pouco pronunciado e cabeceira de abside e absidíolos semicirculares. A escultura dos capitéis é a mais representativa do românico em Portugal. Na Sé Coimbra está sepultado o Conde moçárabe Sesnando Davidis (séc. XI). Coimbra liga-se à Sé Catedral de Lisboa, que lhe é posterior, tendo os mestres Roberto e Bernardo trabalhado em ambas em meados do século XII. Em Lisboa há mais um tramo e torres, tendo arcos e pilares num românico mais evoluído. Na Estremadura encontramos outros exemplos como S. João de Alporão em Santarém, ainda que na transição para o gótico, bem como S. Pedro de Leiria e Santa Maria de Alcácer do Sal (1217).
Refira-se ainda a criação da “Rota do Românico um percurso constituído por 58 monumentos localizados em Entre Douro e Minho junto aos rios Sousa, Douro e Tâmega. Inclui mosteiros, igrejas e memoriais, pontes, castelos e torres que têm em comum a arquitetura românica caraterística desta região. No seu conjunto, situa-se no centro dum triângulo cujos vértices são Património da Humanidade: o Porto, Guimarães e o Vale do Douro. A Rota do Românico divide-se em 3 rotas que se ligam entre si, seguindo os vales dos rios:Vale do Sousa com 19 monumentos; Vale do Tâmega com 25 monumentos; e Vale do Douro, sensivelmente entre Castelo de Paiva e Resende, com 14 monumentos. O românico português de linhas simples e austeras congrega as diversas influências de uma história peninsular rica de encontros e de múltiplas origens, envolvendo a presença germânica, cristã, muçulmana, moçárabe, expressão viva de um rico cadinho onde o levante e o ocidente se encontram.
Como habitualmente, o Centro Nacional de Cultura escolhe vinte livros para as Férias de 2021.
ROMANCE E CONTO «Embora Eu Seja Um Velho Errante» – Mário Cláudio (D. Quixote) «Águas Passadas» – João Tordo (Companhia das Letras) «Volta ao Mundo em Vinte Dias e Meio» – Julieta Monginho (Porto Editora) «Maremoto» – Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio d’Água) «Hífen» – Patrícia Portela (Caminho) «Afastar-se» – Luísa Costa Gomes (D. Quixote) «Devastação» – Eduardo Pitta (D. Quixote) «Quarentena – Uma História de Amor» – José Gardeazabal (Companhia das Letras)
POESIA «Sétimo Dia» – Daniel Faria (Assírio e Alvim) «Voltar» – Luís Filipe Castro Mendes (Assírio e Alvim) «A Noite Abre Meus Olhos» – José Tolentino Mendonça (Assírio e Alvim) «Obra Completa» – Francisco Sá de Miranda (Assírio e Alvim)
MEMÓRIAS «Autobiografia Não Autorizada» – Dulce Maria Cardoso (Tinta da China) «Líbano, Labirinto» – Alexandra Lucas Coelho (Caminho) «Diário da Peste – O Ano de 2020» – Gonçalo M. Tavares (Relógio d’Água)
ENSAIO «Ver é Ser Visto» – Eduardo Lourenço (Gradiva) «Jorge de Sena, Contemporâneo Capital» – Eduardo Lourenço (Gulbenkian), vol. X das Obras Completas «História do Bailado em Portugal» – António Laginha (CTT) «Tudo o que Eu Quero» – Helena de Freitas, Bruno Marchand (coord.) (Imprensa Nacional)
TRADUÇÕES «Todos os Poemas» – Friedrich Hölderlin, tradução de João Barrento (Assírio e Alvim)
A doutrina da reencarnação é partilhada por mais de mil milhões de seres humanos. Basta pensar que ela é património das religiões de origem indiana: hinduísmo, budismo, etc. Embora se discuta a influência indiana sobre os primeiros pensadores gregos, é um facto que não só os órficos e Pitágoras mas também Platão e os neoplatónicos seguiram essa doutrina, bem como algumas seitas da Idade Média. Entre os seus sequazes contam-se inclusivamente grandes espíritos do classicismo e romantismo alemão. Segundo a investigação de Hans Küng, "poetas e filósofos como Kant, Lessing, Lichtenberg, Lavater, Herder, Goethe e Schopenhauer seguiram, pelo menos durante algum tempo, a doutrina da reencarnação". Embora reinterptretando-a, também o filósofo Ernst Bloch começou por defender a metempsicose. Hoje, tanto na Europa como na América, a reencarnação é a crença de enorme número de pessoas, nomeadamente entre os adeptos do espiritismo, teosofia e antroposofia. Quase um quinto dos europeus adultos, incluindo católicos, diz acreditar nela: 21%, segundo uma sondagem em vários países da Europa ocidental.
O que com a doutrina da reencarnação se quer explicar é essencialmente o mal, as desigualdades entre os seres humanos, o seu destino trágico e incompreeensível, responder, portanto, à problemática moral do mundo, à questão da justiça. Porque é que Mozart manifestava o seu génio já aos cinco anos, porque é que há a criança que nasce mongólica ou cega e outra é superdotada? Na doutrina da reencarnação, isso explica-se como consequência das acções das existências anteriores: um deve pagar pelas suas faltas e purificar-se, outro é beneficiado pelas suas obras boas. As acções produzem um resultado -- bom ou mau--, e há uma lei cósmica de causa-efeito e de retribuição quase automática e mecânica dos nossos actos -- o "karma", segundo o hinduísmo.
A presente situação é, pois, consequência de vidas anteriores. Deste modo, pretende-se solucionar o problema da teodiceia -- justificação de Deus --, pois explicar-se-ia o que parece totalmente injusto: que aos maus a vida corra bem e aos bons tantas vezes corra mal -- o mal dos bons é por causa de culpas anteriores e o bem dos maus por causa de boas acções. A reencarnação purifica de erros e crimes de vidas precedentes e é um apelo à responsabilidade moral. Por outro lado, vai-se fazendo um percurso para melhorar a existência, o que não é possível numa só vida.
A doutrina da reencarnação não é, porém, imune à crítica. Pergunta-se, por exemplo: se a actual situação do Homem é consequência da existência anterior, esta, por sua vez, não deve ser explicada por outra que a precedeu, e assim sucessivamente, num regresso sem fim de reencarnações, de tal modo que o mal que se queria explicar fica inexplicado? E de que serve o recurso a vidas anteriores, se tudo foi esquecido, ficando, portanto, destruída a identidade pessoal exigida para explicar a situação de felicidade ou miséria em que cada um se encontra? É certo que há pessoas que afirmam, em determinadas circunstâncias e perante factos concretos, o sentimento do já visto ou já vivido, e há até as experiências dos comatosos, incluindo a sensação de extracorporalidade, descritas na obra de grande sensação A vida depois da vida, do Dr. Moody. Mas é claro, quanto a estes, que, "se regressaram" à vida é porque na realidade não tinham morrido, e o outro tipo de experiências com pretensas lembranças de vidas anteriores encontra explicação ao nível da parapsicologia, da telepatia, da memória colectiva e do inconsciente. De qualquer modo, como escreve o teólogo Hans Küng, é preciso reconhecer que, neste domínio, não há, apesar dos inúmeros relatos, factos cientificamente estabelecidos e universalmente aceites.
Aliás, deve-se também perguntar: no ciclo das reencarnações, como é que se explicaria o crescimento da população mundial?
A fraqueza maior da doutrina da reencarnação provém do seu pressuposto teórico essencial: a concepção dualista do Homem, que seria um composto de alma e corpo. Na morte, sobrevive a alma, que pode reencarnar noutro corpo humano, num animal ou até num vegetal. Ora, é precisamente esta concepção dualista de Homem que é inaceitável. O corpo não é o túmulo da alma nem simples instrumento seu. Somos hoje cépticos frente à afirmação de uma alma pré-existente ao corpo ou de uma alma separada do corpo após a morte. Aliás, já Santo Tomás de Aquino vira que a alma separada não é a pessoa: “a minha alma não sou eu”. Como admitir o dualismo, se, quando pergunto porque é que eu sou eu, porque é que sou como sou, tenho de responder que o meu corpo faz parte da minha identidade? Nascido de outros pais, com outra herança genética, com outra educação, é evidente que não seria eu.
Há na reencarnação a ideia de que o Homem pelo seu esforço constantemente repetido em vidas sucessivas pode alcançar a plenitude da sua realização. Isso não dá conta da realidade humana. O Homem permanecerá sempre finito, sem poder dar por si o salto para o Infinito.
É preciso reconhecer que a vida em plenitude, sem a qual a existência humana não encontra sentido adequado, só pode ser acolhida como dom gratuito de Deus. Na perspectiva cristã, o Homem realiza a sua salvação respondendo activamente à oferta graciosa que Deus lhe faz, bastando uma vida. "Em vez da lei cruel da causalidade do karma", na expressão de Hans Küng, o cristianismo anuncia "o Deus misericordioso e magnânimo", que ressuscita os mortos.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 31 JULHO 2021