Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MAIS 30 BOAS RAZÕES PARA PORTUGAL

Suggia.jpg

 

(XVIII) A MESTRIA DE SUGGIA

Guilhermina Augusta Xavier de Medin Suggia nasceu na cidade do Porto a 27 de junho de 1885. O pai Augusto Jorge de Medin Suggia era violoncelista no Teatro de São Carlos, depois de ter sido aluno no Conservatório Nacional. Foi para o Porto para lecionar nas escolas da Misericórdia de Matosinhos. Pouco tempo depois das filhas nascerem, Virgínia e Guilhermina, a família muda-se da Ribeira do Porto para Matosinhos, na Rua do Godinho. Guilhermina começa a aprender violoncelo com o pai aos cinco anos. A irmã Virgínia aprendera piano, pelo que ambas, atuam em sessões públicas na Foz e em Matosinhos. Guilhermina era perfecionista, estudando e aprendendo com extraordinária minúcia. O talento era tal que o Visconde de Villar d’Allen, convidado pela família a assistir aos concertos da pequena Guilhermina, encomendou um violoncelo proporcional à sua altura, já que o instrumento do pai tinha dimensões excessivas. Aos 13 anos, Guilhermina torna-se violoncelista principal da Orquestra do Orpheon Portuense, depois de integrar o quarteto de cordas do violinista Bernardo Moreira de Sá, fundador da agremiação. No verão de 1898, atuava no Casino de Espinho o violoncelista catalão Pau Casals, que viria a ser dos mais celebrados na sua arte. O pai de Guilhermina leva-a ao Casino para ouvir Casals e para conversar com ele, por intermédio de Moreira de Sá. Casals ficou fascinado ao ouvi-la e tornar-se-ia seu mestre e amigo.

Aos 15 anos, ao lado da sua irmã, Virgínia, a jovem atua no Palácio das Necessidades para a família real, manifestando pessoalmente à Rainha D. Amélia desejo de melhorar a sua formação no estrangeiro. A Rainha compreendeu a qualidade da artista e atribuiu-lhe uma bolsa de estudos para Leipzig, na Alemanha, ao lado do seu pai. Iniciou, assim, estudos com o violoncelista Julius Klengel, membro da Gewandhaus Orchestra, dirigida pelo maestro húngaro Arthur Nikisch. Seriam aulas particulares dado o avanço de Guilhermina, no entanto foi um tempo de sacrifícios económicos, pois a bolsa não cobria os encargos do pai, o que exigiu o apoio da irmã, obrigada a abdicar da sua carreira para dar aulas no Porto e Matosinhos. Depois das aulas com Klengel, aos 17 anos, Guilhermina era já a mais jovem de sempre a atuar na orquestra, com a nota especial de o fazer a solo.

Regressada ao Porto, daria um concerto, em março de 1903, que constituiu grande sucesso, ao lado da irmã. Viajou depois por toda a Europa, atuando em Paris, Praga, Berlim, Viena, Amesterdão e Moscovo, sempre com enorme êxito. Em Paris, em 1906, volta a encontrar Pau Casals, por quem se apaixona. E vivem num extraordinário grupo de artistas e filósofos, na Villa Molitor, sendo referidos como a melhor dupla de violoncelistas do seu tempo.

Ao fim de sete anos, o casal separa-se e Suggia vai para Londres. Atua com a Royal Philharmonic Society, London Symphony Orchestra, nos palcos do Royal Albert Hall e Wigmore Hall. Toca Bach, Haydn, Elgar, Saint-Saens, Schumann, Dvojak. Convive com o grupo de intelectuais The Bloomsbury Group, designadamente com Virgínia Woolf. É pintada pelo galês Augustus John (1923). Conhece sir Eduard Hudson, que lhe oferece o castelo de Lindisfarne e o violoncelo Montagnana. O amor não se concretizou e o castelo tornou-se monumento nacional. Contudo, a sala onde atuou é ainda hoje lembrada através de um violoncelo, que simboliza a sua presença. Regressa ao Porto a partir de 1924, compra uma casa na Rua da Alegria, nº 894, aproximando-se da família.

Era uma mulher independente, com o seu próprio automóvel, praticando vários desportos, como o remo, o ténis e a natação.

Em 1927, casa-se com o médico radiologista José Casimiro Carteado Mena, que conheceu no Grande Hotel do Porto. Um dos padrinhos de casamento seria o célebre escultor António Teixeira Lopes. Na década seguinte colabora em várias iniciativas humanitárias durante a Guerra. Dedica-se ao ensino, prosseguindo a atividade pedagógica de seu pai, que havia falecido, e abre novos horizontes.

Em 1937 é condecorada com o Grau de Comendadora da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada, no ano seguinte com a Medalha de Ouro da cidade do Porto e, em 1944, com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Cristo. Percorre o país e ajuda na fundação do Círculo de Cultura Musical de Viseu. No âmbito do Conservatório de Música do Porto, ajuda a sua diretora, Maria Adelaide de Freitas Gonçalves a criar a Orquestra Sinfónica do Conservatório em cuja apresentação em junho de 1948 no Rivoli, atua como solista. Um ano depois, forma o Trio do Porto, com o violinista Henri Mouton e o violetista François Broos. Por motivos de saúde apresenta-se pela última vez a 31 de maio de 1950, no Teatro Aveirense.

No ano anterior, fez a sua última grande aparição internacional, em Edimburgo, com a BBC Scottish Symphony Orchestra. Faleceria a 30 de julho de 1950, na sua casa na Rua da Alegria. No testamento estipulou que os seus violoncelos Stradivarius e Montagnana fossem vendidos, revertendo o resultado para a instituição de prémios anuais a atribuir aos melhores alunos de violoncelo do Conservatório do Porto e da Royal Academy of Music.

Parte significativa do seu espólio pessoal encontra-se na Biblioteca Municipal em Matosinhos, tendo legado os seus cinco violoncelos a ex-alunas e o seu espólio musical ao Conservatório do Porto. Mário Cláudio dedicaria à extraordinária intérprete uma obra sentida, na qual sobressai o talento único da grande Suggia.

 

Gabriel Fauré - Sicilienne, for cello & piano, Op. 78, interpretada por Guilhermina Suggia, acompanhada ao piano por Reginald Paul

 

GOM

DEUS MORREU? TESTEMUNHOS

nietzsche.jpg

 

Há quase 150 anos (1882), Nietzsche proclamou a morte de Deus. Desde então, o mundo não é o mesmo. É certo que para Nietzsche o cristianismo é que é propriamente uma religião niilista, de tal modo que, com a proclamação da morte de Deus, é o mar infindo das novas possibilidades do sim à vida que se abre. “Quem o matou fomos todos nós, vós mesmos e eu!” “Nunca existiu acto mais grandioso.” No entanto, à morte de Deus não se seguiria a morte do Homem e do sentido último de toda a realidade? Nietzsche tem consciência aguda do que se segue: “Para onde vamos nós, agora? Não estaremos a precipitar-nos para todo o sempre? E a precipitar-nos para trás, para a frente, para todos os lados? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?”

Segundo Gilles Lipovetsky, "Deus morreu, as grandes finalidades extinguem-se, mas toda a gente se está a lixar para isso. O vazio do sentido, a derrocada dos ideais não levou, como se poderia esperar, a mais angústia, a mais absurdo, a mais pessimismo": isto escreveu ele em A era do vazio. Os espíritos mais atentos acham, porém, que é necessário dar antes razão a L. Kolakowski, o filósofo polaco agnóstico, quando afirmou que, desde a proclamação da morte de Deus por Nietzsche, nunca mais houve ateus serenos: "Com a segurança da fé desfez-se também a segurança da incredulidade. Ao contrário de um mundo familiar, protegido por uma natureza benéfica e benigna, como era proposto pelo ateísmo iluminista, o mundo sem Deus dos nossos dias é sentido como um caos opressor, eterno. É um mundo privado de todo o sentido, de qualquer orientação, sinal de direcção, estrutura. De há cem anos a esta parte, praticamente nunca mais vimos ateus serenos. A ausência de Deus tornou-se a ferida sempre aberta do espírito europeu, por maior que tenha sido o esforço feito para esquecê-la, recorrendo a toda a espécie de narcóticos." De qualquer forma, no seu livro posterior, A Sociedade da Decepção, o próprio Lipovetsky, reconehcendo “a reafirmação do religioso”, veio dizer que, “privados de sistemas de sentido englobante, numerosos indivíduos encontram uma tábua de salvação no reinvestimento de antigas e novas espiritualidades capaz de oferecer a unidade, um sentido, referências, uma integração comunitária: é do que o Homem necessita para combater a angústia do caos, a incerteza e o vazio.”

Como escreveu o filósofo Eusebi Colomer, a própria expressão "morte de Deus" não é unívoca, pois pode ter e tem múltiplos sentidos. Pode significar que Deus realmente nunca existiu, embora só recentemente tenhamos feito essa descoberta. Pode querer dizer que talvez Deus exista, mas os seres humanos, que outrora se lhe dirigiram pela fé e pela invocação, hoje já não acreditam nele. Talvez queiramos apenas exprimir a experiência de ausência e aparente silêncio de Deus, própria do nosso tempo. Talvez estejamos apenas a referir-nos à necesssidade de transcender constantemente as nossas ideias acerca de Deus, e, neste sentido, a "morte de Deus" significa a morte dos ídolos fabricados por nós. Afinal, que Deus era esse que morreu? Se o Deus verdadeiro é o Deus sempre maior, que transcende sempre tudo quanto possamos pensar ou afirmar dele, então os deuses enquanto ídolos têm que morrer, para ser possível a fé no Deus verdadeiro...

Neste domínio, a pergunta essencial consiste em saber se é possível ser Homem sem colocar honestamente a questão de Deus. É que ser Homem é a abertura ao Infinito, e, assim, a questão do Homem é a questão de Deus precisamente enquanto questão. Neste contexto, afirmar Deus não é então também um modo de expressar a confiança no Sentido último, como sugeriu o filósofo L. Wittgenstein?

De facto, como disse Marion Gräfin Dönhoff, co-editora do conhecido semanário alemão “Die Zeit”, "o fixar-se exclusivamente no aquém, que corta o Homem das suas fontes metafísicas, e o positivismo total, que se ocupa apenas com a superfície das coisas, não podem dar aos seres humanos um sentido duradouro e estável, e, por isso, levam à frustração".

Isto tudo não prova, evidentemente, a existência de Deus. Significa apenas que o Homem se não compreende cabalmente sem colocar a questão de Deus. Aliás, a relação de cada um com Deus é um mistério para si próprio. Para ficar na actualidade, lembro que o insigne psiquaiatra Daniel Sampaio, com quem tive o privilégio de debater uma vez na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto a questão do sentido da vida e o suicídio, declarou, depois da luta pessoal duríssima que travou com a covid-19, que durante a doença chegou a lembrar-se de Deus e agradeceu a quem por ele rezou a um Deus que ele, não crendo, respeita.

Continuando na actualidade, investigações científicas recentes — uma da prestiagiada Universidade Católica de América, em Washington, a outra, publicada na conhecida revista MedNext —, concluíram, respectivamente, que “as pessoas que se mostram activas nas comunidades religiosas tendem a ter níveis mais altos de bem-estar, tendo sido este o caso durante a pandemia”, e que há uma “relação salutar entre a espiritualdiade e o sistema imunitário”.

Por fim, o nadador norteamericano Caeleb Dressel, que se afirma profundamente cristão e que trouxe dos Jogos Olímpicos em Tóquio cinco medalhas de ouro, declarou que Jesus é mais importante do que as medalhas de ouro: “a minha felicidade está em Deus”.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 14 AGOSTO 2021