Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CARTAS PARA A OUTRA MARGEM


Minha Princesa de Além:

 

   Ainda muito limitado pela minha dificuldade de locomoção, faço longos passeios interiores e chego até ti na companhia de poetas e músicos, desses amigos que frequentávamos juntos e nunca nos negaram presença amiga. Por estes dias, ocorreu-me a lembrança de que para Basho o tempo seria um viajante e a própria vida uma viagem. Fui logo ler o prefácio que o poeta escreveu para o seu Oku no hosomichi, isto é, a vereda de Oku, região por onde peregrinava. Reza assim: «O tempo é um eterno passageiro. Os anos que passam também são viajeiros...  ...Muitos são também os antigos que morreram em viagem. Até eu tenho, desde não sei quando, levado pelo vento e pelas nuvens, um desejo de partir em viagem sem destino, que me não larga. 


   Andar por aí sem constrangimento nem destino, ao sabor do vento, como significa o termo japonês furari, talvez seja modo privilegiado de me despertar para o maravilhamento com que qualquer instante me pode surpreender. E ajudar-me-á a sentir um haiku, na sua simplicidade breve, com todo o lirismo da minha alma:


Aroma de flores de ameixeira
pela vereda dos montes;
súbito surge o sol!


   Não tive de me deslocar fisicamente: encontrei o Basho em peregrinação interior. Assim também me vou encontrando contigo, Princesa tão silenciosa no teu Além, sobretudo em companhia do Issa, o poeta de haiku que prefiro:


Vinde a mim
brinquemos juntos,
pardalitos sem pais


A neve derreteu
a aldeia inundou-se 
de crianças!


«Apanha-me
a bela lua!»
pede chorando uma criança


   
O nosso coração enche e dá vida a tudo: aos pardalitos perdidos de um ninho que a tormenta derrubou e deixou sem pais, à praça de uma aldeia que o frio invernal despira de crianças que ora regressam, ao impossível desejo de um menino que, como Calígula, quer para si a lua! Tudo é surpresa, tal como a Primavera que o olor das flores de ameixeira anuncia e o sol vem visitar...


   Jiro Taniguchi, mestre de banda desenhada, no seu Furari (Ao Sabor do Vento), imagina o encontro do protagonista andarilho com o poeta Issa: também este é vagamundo, vai andando sempre sem saber para onde, e ao luar de Agosto dá graças por iluminar a noite e um cantinho do seu coração. Por nos perdermos afinal nos encontramos.

 

Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira