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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR


Wall House #2


“Short silence
of stone and concrete
far away sounds
then children’s voices
cars passing
louder and louder
peeling plaster
the creaking of wood
the swinging cables
then again silence”, John Hejduk


A arquitetura é espaço formado, um vazio limitado, é matéria em transformação. É a ligação entre o eu e o mundo.


Na Wall House #2 (Groningen, 2001) John Hejduk (1929-2000) consegue formar o espaço dos movimentos mais primários. É uma casa conceito. É uma casa dividida. É uma casa virada do avesso. Da enorme parede saiem todos os volumes que constituem a casa.


A parede tem uma enorme importância e significado. É a transição concretizada entre o público e o privado, entre a aceleração e a vagarosidade, entre o passado e o futuro, entre a agitação e o silêncio, entre duas vidas, entre um ser e o outro, entre o todo e o nada. A parede é a possibilidade de trazer à luz os padrões de comportamento de quem habita a casa - é necessário passar a parede para ir de uma divisão para a outra. É a presente esperança de dividir emoções, de diferenciar modos de vida e de fragmentar o ser que aí habita.


A Wall House #2 faz parte de uma série de 24 casa projetadas por John Hejduk nos anos setenta. Uma casa para Hejduk é uma camada que protege, para além da pele e da roupa - por isso tem sempre algo de humano, as suas formas são necessariamente antropomórficas. Na verdade, a Wall House #2 nunca foi pensada para ser habitada - é um modelo puramente teórico e abstrato.


Nesta casa, o conceito de espaço precede todo o objeto construído. Consegue-se aqui ler a influência do cubismo e sobretudo a influência de Le Corbusier. Todos os limites plásticos do tempo e do espaço são postos em causa. É uma casa dinâmica cuja conceção espacial se baseia na interpenetração incessante do espaço interior e do espaço exterior e de vários tempos. A forma da casa sugere várias dimensões - é fantasia palpável submetida à subjetividade de cada corpo que a ocupa. Porém cada volume tem uma função específica. Todos os volumes através da sua forma e da sua cor são claramente identificáveis pelo exterior.


Tal como nas casas de Le Corbusier, a Wall House converte-se num campo de improvisação plástica desencadeada pelas condicionalidades da vida doméstica, dando assim origem à promenade architecturale – porque como se lê em Por uma Arquitetura: “A planta traz em si a essência da sensação.” O corredor de 25 metros é a materialização e o começo da promenade architectural. É o espaço que permite reduzir a velocidade. É o volume mais longo e mais estreito e revela o que nunca se vê. Concede que a transição entre a rua e o espaço interior da casa não seja abrupta.


Com a Wall House, Hejduk reintroduz a múltipla intersecção entre a casa - o volume - o espaço - o tempo. A nossa perceção acerca do mundo fica assim renovada, porque se cria a síntese necessária e dinâmica de um objeto em todas as suas infinitas dimensões e talvez assim poder-se-á apreender a realidade tal como é.


"I believe in the density of the sparse. I believe in place and the spirit of place.” John Hejduk

 

Ana Ruepp