BREVE EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DA ESTREIA DE ALFREDO CORTEZ
Novamente assinalamos aqui o centenário da estreia de Alfredo Cortez como dramaturgo, com a peça "Zilda". Já temos amplamente analisado esta dramaturgia, mas o centenário justifica a nova referenciação.
Sendo certo que em 1918 já teria escrito um conjunto de quadras para uma revista representada no Teatro Foz, denominada ao que parece "Terra e Mar", de qualquer forma a peça de estreia rigorosa e como tal consagrada é a "Zilda", levada à cena em 1921, há exatos 100 anos.
A análise que lhe faço na "História do Teatro Português" aponta para um sentido ironicamente crítico sobre personagens ligados à guerra e referidos num sentido estilisticamente assinalável.
Pois, e cito, o simbolismo, aqui aplicado, reflete-se no arsenal de alusões cromáticas que pontuam toda a peça: "luz rosa violeta (...) clarão vermelho" iluminação "a verde e bebidas verdes" e por aí fora!
O centenário da "Zilda" merece pois uma evocação mais desenvolvida. Já tive ocasião de frisar a esse propósito a simbiose entre o realismo teatral e um certo simbolismo que também caracteriza, de forma substancial, este teatro realista, permita-se o paradoxo da comparação.
E faremos agora uma transcrição de parte da longa e justa análise crítica que lhe dedica Luís Francisco Rebello na "História do Teatro Português".
Aí escreve designadamente:
"Lúcida e amarga, rigorosa e linear na sua quase ascética expressão, a obra de Cortês sobressai de entre a produção representada nesses palcos no período demarcado pelas duas guerras. "Zilda" e dois anos depois "O Lodo" (que todas as empresas recusaram e foi posta em cena pelo próprio autor) a primeira situada no meio da alta burguesia, a segunda num prostíbulo, são como que as duas faces, igualmente sórdidas, da mesma medalha, completando-se uma à outra na denúncia implacável do escândalo de uma sociedade que fomenta e permite os próprios vícios que farisaicamente condena. A seguir ao drama histórico em verso "Á lá Fé" e a três peças de intuitos moralísticos ("Lourdes", 1927; "O Ouro", 1928; "Domus, 1931) que constituem a parte menor do seu teatro, Cortês estreou a caricatura "Gladiadores" (1934) sátira de símbolos sociais e políticos vazada nos moldes da dramaturgia expressionista, a mais controvertida (exatamente por ser a mais revolucionária) das suas obras, em que Eduardo Scarlatti viu "talvez o primeiro ensaio de um género superior de teatro cómico, o qual transporta o grotesco da vida em sociedade sobre manequins humanos. "Tá-Mar" é o drama das gentes do mar, entendido com um lírico realismo que o projeta na sua dimensão mítica e que uma excessiva preocupação de fidelidade faz recuar, na peça imediata ("Saias" 1938) para um naturalismo serôdio. A sua última peça, "Baton" (escrita em 1939 mas que só em 1946, postumamente, foi autorizada a subir à cena) marca um retorno aos temas e à técnica das suas primeiras obras ao escalpelizar, com dolorosa acuidade, a falência moral da sociedade burguesa e capitalista." Isto escreveu portanto Luís Francisco Rebello no livro publicado em 1981.
E acrescentamos uma referência de António Braz-Teixeira no livro intitulado "A Vida Imaginada", onde analisa a obra de Alfredo Cortez, especificando designadamente que "o teatro de Alfredo Cortez não deixa nunca de revelar uma comum preocupação ética a de se apresentar como retrato moral, a um tempo severo, comovido e compreensivo, de uma sociedade em profunda crise de valores espirituais, atitude a que certamente não eram alheias, por um lado a sua longa experiência forense e judicial e o conhecimento vivido da natureza humana qie dela soube extrair e, por outro, as duras provocações que conduziram, ou reconduziram, ao seio da Igreja a sua alma inquieta."