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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


30. JOSÉ MATTOSO (II)


Quanto à alegada incapacidade de planeamento dos portugueses, aliada ao talento para a improvisação, JM desmistifica-a dizendo tratar-se de um fenómeno normal numa sociedade semiperiférica, o que desapareceria com a generalização de um ensino racional e a preferência pelo valor da previsão mais do que do imediato e do inesperado, pondo de lado uma acentuada concentração de poder e recursos de uma minoria que gira em redor do Estado, gerando uma permanente convicção da inutilidade das previsões, da impossibilidade de assumir responsabilidades sociais e a não capacidade de participar nas decisões, concluindo:

“Se,…, o sucesso - não só económico e político, mas também cultural - estava praticamente garantido mas só para alguns, qualquer que fosse a sua competência, não seria mais rentável para os outros (para a maioria) exercitar os dotes da improvisação, a habilidade para viver o dia a dia, quando não o jeito para a pequena fraude, a economia paralela, a  fuga aos impostos, a “cunha”, o clientelismo? Ou, no melhor dos casos, descobrir o fascínio de viver intensamente o dia a dia, momento a momento, aproveitando as coisas boas da existência, como o convívio e a afetividade, ou as mais emotivas, como a paixão, a intriga ou o jogo, com tudo o que ele tem de aleatório? Confirmar-se-ia, assim, uma das caraterísticas mais típicas dos portugueses, uma daquelas,…, que mais entusiasmou Agostinho da Silva. Mas será só deles? Não existe também noutras sociedades da Europa meridional, ou mesmo naquelas que não alcançaram o “benefício” da civilização e não se renderam à racionalidade?”.  

Embora tais críticas, argumentos e observações possam ser empírica e objetivamente aceitáveis (algumas bem atualistas na nossa sociedade), dentro dum relativismo determinista das coisas, sem prejuízo de, em rigor, tudo poder ser tido como subjetivo (no sentido de todos os nossos conhecimentos e opiniões são fruto da perceção individual de cada um de nós); parece assertivo questionarmo-nos de que o mesmo não possa ser extensivo, em maior ou menor grau, a qualquer outro povo ou grupo social estável em termos de regularidade, o mesmo quanto à emotividade, irrealismo e sonho das chamadas teorias providencialistas, míticas e messiânicas, para além de que nenhuma teoria se pode arrogar totalmente “determinista” (incluindo as míticas, messiânicas, utópicas), porque o que é tido como “determinista” hoje pode não o ser amanhã. Não pode o sonho ser “uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer”? (poema de António Gedeão cantado por Manuel Freire). 

Por que também há uma dimensão espiritual em tudo, mesmo em democracia e no Estado de Direito (que podem ser vistos como uma religião laica).

 

05.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício