Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

NOVA EVOCAÇÃO DA PEÇA PRINCIPAL DE ANTÓNIO FERREIRA

amor-de-Pedro-e-Ines.jpg

 

Hoje citamos novamente António Ferreira como dramaturgo, na evocação dos 450 anos da sua morte, ocorrida pois em 1569.

Nascido em 1528, a sua obra dramatúrgica assume especial relevância na modernização epocal da tragédia então e ainda hoje moderna, a partir da evocação dramatúrgica da “Castro”, sobre Inês de Castro, escrita cerca de 1560: tema referencial, como bem sabemos, da história e da cultura portuguesa.

E desde já se evoque a relevância autonómica, assim se diga, pelo tema em si e da técnica dramatúrgica que assume a “Castro”: nesse aspeto é de facto uma obra especialmente relevante na dramaturgia portuguesa, inclusive na medida em que nunca os dois protagonistas centrais, Pedro e Inês, se cruzam na expressão dramatúrgica, em si mesma considerada. Basta ter presente, neste aspeto, que nunca na peça Pedro e Inês se cruzam ou surgem ao mesmo tempo em cena, o que não significa menor relevância da tragédia em si mesma considerada, mas envolve uma visão crítica pelo menos na época amplamente moderna do tema…

 E o mais curioso, insista-se, na época em que a peça foi escrita, é o desencanto do próprio D. João IV no exercício do poder real, sendo certo que o então consagrado cognome do Rei era precisamente “O Bravo”: e no entanto, uma das cenas determinantes da peça é precisamente o longo monólogo que o Rei pronuncia e que revela a sua questionável “bravura”.

Pois vale a pena transcrever parte dessa longa fala que assume simultaneamente um significado histórico e uma expressão teatral:

“Rei: Oh ceptro rico, a quem te não conhece / Como és fermoso e belo! E que soubesse / Bem quam diferente és do que prometes, / Neste chão que te achasse, quereria / Pisar-te ante com os pés que levantar-te. / Não louvo os que se louvaram por impérios / A ferro, sangue e fogo destruírem / O seu próprio estendendo: Mas aqueles / (Ó grandeza espantosa e ânimo livre!) / Que tendo muito grandes os deixaram. / Mór alteza e mór ânimo é as grandezas / Desprezar que aceitar: e mais seguro / A si cada um reger que o mundo todo”…

Vale amplamente a pena citar parte dos diálogos entre o Rei, Pacheco e um Conselheiro, pois neles encontramos um sentido teatral que merece ser aqui e agora citado e reproduzido, pois revela o sentido teatral do texto em si e do dramaturgo que o escreveu. Veja então como mero exemplo:

“Rei: Ela que culpa tem?
Pacheco: Dá ocasião.
Rei: Oh que ela não a dá, o Infante a toma. Que lei há que a condene, ou que justiça?
Conselheiro: O bem comum, Senhor, tem larguezas, com que justifica obras duvidosas.
Rei: Assim assentais nisto?
Conselheiro: Nisto. Morra.
Pacheco: Morra
Rei: Uma inocente?
Conselheiro: Que nos mata!
Rei: Não haverá outro meio?
Pacheco: Não o temos.
Rei: Metê-lo-ei num Mosteiro.
Conselheiro: Ei-lo queimado.
Rei: Mandá-lo-ei deste Reino
Conselheiro: O amor voa. Esse fogo, Senhor, não morre logo.”

E terminamos esta breve referência com notáveis citações de personagens centrais da peça. Assim, o apelo de Inês ao Rei:

“Meu Senhor / esta é a mãe dos teus netos. Estes são / Filhos daquele filho que tanto amas. / Esta é aquela coitada mulher fraca / Contra quem vens armado de crueza. / Aqui me tens. Bastava teu mandado / Para eu segura e livre te esperar / Em ti e em minha inocência confiada”.

E finalmente, o pranto que reproduz a ira do Infante:
“Chorem meu mal comigo quanto meu mal comigo quantos me ouvem. / Se achou tanta crueza. E tu, Coimbra, / cobre-te de tristeza para sempre / Não se ria em ti nem se ouça, senão prantos e lágrimas: em sangue / Se converta aquela água do Mondego”.

E a terminar, na “Breve História do Teatro Português”, Luiz Francisco Rebello distingue de forma justa e significativa a versão dramatúrgica desta história, citando não só os dramaturgos portugueses como também alguns estrangeiros, digamos assim, que dedicaram ao tema intervenções cénicas de inquestionável qualidade.

A algumas delas poderemos voltar.

 

Duarte Ivo Cruz