CRÓNICA DA CULTURA
O GRANDE ALGORITMO
Estar com quem amamos, sentir o afeto nos olhos que se olham, nos sorrisos e rires que se mesclam em bolas de espontâneo cristal; escutar o timbre das vozes que nos afagam, as palavras ditas por silêncios, tudo no regaço do bem-estar do estar com os amigos de toda uma vida, é fortuna que espreita da alma, dando-lhe força para que agora a esperança não seja noturna.
Digo.
Mas será que temos consciência do domínio sobre nós dos veículos de estarmos juntos on line e do quanto nos abalam, tal o nível de alteração da experiência e do sentir humanos se transmitirem por ferramentas que insistem no quanto sim, tudo é esta realidade?
A pandemia da COVID-19 obrigou-nos a reunir por videoconferência, agora omnipresente.
O mundo foi-se fechando e a sofrer perdas definitivas, a modificar-se como se bastasse aceitar o quanto estes novos instrumentos ligados à inteligência artificial (IA) são capazes de amizade, curiosidade e dúvidas, aceitando de barato que a tecnologia mude a nossa perceção, conhecimento e realidade, e, sobretudo, descurando que ao fazê-lo está a mudar o curso da humana história.
Docemente permitimos entender que as máquinas excedam o pensamento humano enviando-nos muitos beijinhos e abraços e fotos dos nossos rostos sem máscara e até das cores das artes e dos emojis.
O romance prescindiu do ímpeto de nos abraçarmos, a mensagem WAPP desempenha esse papel e afinal nada falta.
E quando tudo isto começou?
Com a pandemia?
Não, não se creia assim. Antes dela as jogadas concebidas e executadas e armazenadas por humanos até na educação dos jovens, tinham sido aceites sem a originalidade da contestação sólida.
Assim, sacrificaram-se valores e caminhos de luz e luta e amor por jogos no interior de cada um que maximizassem as probabilidades de ganhar fosse o que fosse. Ganhar é o acervo com o qual passaram a dormir os nervosos jovens.
Ganhar seja o que for é a grande molécula antibacteriana ao contacto entre as gentes.
Sentir o afeto nos olhos que se olham é batismo que não colhe.
O novo antibiótico tem a dose certa da indiferença.
Tudo é assético.
Com a pandemia e com o que já funcionava antes dela e que enfim, lhe trouxe o êxito mundial, chegou o grande algoritmo.
Teresa Bracinha Vieira