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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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HOMEM DOS SETE OFÍCIOS…

 

José-Augusto França, com a perspicácia que sempre lhe conhecemos, afirmou que “Cottinelli Telmo foi talvez o artista modernista mais inteligente da sua geração”. E quando nos deparamos com a obra multifacetada do artista, reconhecemos que nos múltiplos campos em que interveio deixou marcas de originalidade, de inovação e de uma curiosidade excecional. Minucioso conhecedor do período em que o artista viveu, J.-A. França pôde evidenciar o papel desempenhado pelo arquiteto entre os seus contemporâneos num período muito rico de renovação das artes e do pensamento. Cottinelli (1897-1948) foi arquiteto, desenhador, cartunista, argumentista, decorador, músico, cineasta da “Canção de Lisboa”, poeta, ensaísta, articulista, comunicador nato. António Ferro e Duarte Pacheco escolheram-no pelas suas múltiplas aptidões como arquiteto-chefe da Exposição do Mundo Português (1940). E teve a missão impossível de coordenar doze arquitetos, dezanove escultores e três pintores, entre os quais Almada Negreiros. São múltiplas as marcas da obra que nos deixou, desde a Estação de Sul e Sueste à Standard Elétrica, passando pela Alta de Coimbra – sem esquecer, enquanto presidente do Sindicato dos Arquitetos, o lançamento do Congresso dos Arquitetos de 1948 e os caminhos totalmente novos que então suscitou, falecendo pouco depois num acidente trágico. Teve assim um papel essencial, abrindo um novo tempo, no fim da guerra, marcado pela entrada em cena de uma jovem geração de arquitetos, profissionais e artistas, pela exigência de democratização das novas gerações e pela emergência de uma corrente orientada para o fomento, ditada pela “Linha de Rumo” de Ferreira Dias, depois da morte de Duarte Pacheco (1943) e com a saída de António Ferro do SNI (1949).


Devo salientar um elemento importante. A aventura artística de José Ângelo Cottinelli Telmo teve um marco fundamental em 1920 no mundo da Banda Desenhada (“história de bonecos”, como então se dizia) no “ABC”, com as “Aventuras inacreditáveis do Pirilau que vendia balões”. Cinco anos antes, Stuart de Carvalhais lançara os mais duradouros heróis portugueses dos quadradinhos, “Quim e Manecas”. O “ABC” foi um importante magazine ilustrado, no qual colaboraram os melhores desenhadores modernistas – Emmérico Nunes, Jorge Barradas, Bernardo Marques, além de Stuart, na linha dos caricaturistas da escola do “Simplicissimus”. Cottinelli publicará a seguir “A Grande Fita Americana” (1921), paródia aos filmes e às vicissitudes da uma companhia de cinema. A BD e o cinema têm ligação umbilical. Perante o sucesso das séries de continuados, o jovem acabado de se formar em arquitetura é convidado a criar um jornal infanto-juvenil, o “ABCzinho”, que orientará de 1921 a 1929 e que constituirá um grande sucesso junto do público, no qual iremos encontrar Carlos Botelho, além de Jaime Martins Barata, Raquel Roque Gameiro ou Olavo d’Eça Leal. O aluno do Liceu Pedro Nunes e da Escola de Belas Artes e notável arquiteto tornou-se ainda um dos membros mais destacados da chamada “tribo dos pincéis”, envolvendo as famílias Roque Gameiro, Leitão de Barros e Martins Barata. Como afirmam Carlos Bandeira Pinheiro e João Paulo Paiva Boléo, numa obra notável (O Pirilau Que Vendia Balões…, Baleia Azul, 1999): “Cottinelli marcou indelevelmente a cultura portuguesa da primeira metade do século XX, conseguindo a proeza de fazer muito e bem. (…) Tinha assim o duplo dom de marcar cada género de atividade a que se dedicava e de fazer escola, tornando-se um modelo”… Eis como um genial cultor da Nona Arte (a arte que imediatamente se segue à Fotografia), combatente ativo da hesitação, contra a qual projetou um monumento irónico, foi uma referência cultural de essencial importância.

 

Guilherme d'Oliveira Martins