CRÓNICA DA CULTURA
JON FOSSE
“O destino de um tocador de violino é apenas isso, o destino.”
Tens frio, diz Asle
Sim, estou encharcada e tenho frio, diz Alida
Asle adormece de pé e Alida agacha-se com o seu enorme ventre, e acha possível, enquanto adormece, dar à luz dentro de horas.
Na rua.
Ambos sentiram o frio, aquele que faz tremer as paredes do fiorde, aquele que trespassa as casas e lhes chega aos olhos para lhes dizer que não há sítio para ficarem. Há frio.
O destino de quem sente frio, é apenas isso, sentir frio.
Na primeira novela desta trilogia, a vigília do frio sobre nós é a que nos surge até dentro da memória, é a que nos explica que o frio não adormece nunca porque há dentro dele um frio e outro e outro, sucessivamente.
Aqui lemos um frio que flui na música e se enrola na caixa do violino de Asle e no enorme ventre de Alida. É um frio de cimento. É um frio que impede o exílio.
E vão bater à porta da casa da frente (…) uma rapariga olha para eles, um pouco incrédula, e quando Asle lhe pergunta se têm um quarto para alugar, ela sorri e diz que para ele, poderão sempre arranjar-lhe um quarto, mas para aquela ali é mais difícil (…) no estado em que se encontra
e continuam a andar.
E o quarto?
Continuam sós.
Nem o frio conta como algo. O frio tomou-os num gole mais forte e há um infinito pó neste frio trazido pelo vento. Um pó que nenhuma persiana segura, e há música, a música é fundamental na união destes dois jovens ao frio.
O seu amor vencerá caso pecado ou morte se envolvam porque o destino de um tocador de violino é apenas isso, o destino, e o destino de quem sente frio, é apenas isso, sentir frio.
O frio esclarecedor desta escrita hipnótica tão poesia quanto prosa arrebata na leitura.
Da nossa contemporaneidade, Jon Fosse é um dos escritores mais celebrados. Foi prémio Literário Do Conselho Nórdico.
Nasceu Jon Fosse no Oeste da Noruega, e vive atualmente numa residência honorária situada nas propriedades do Palácio Real de Oslo, chamada «Grotten», bem como em Hainburg, Áustria, e em Frekhaug, Noruega.
A sua obra extensa está traduzida em mais de quarenta línguas.
Trilogia, eis um livro que entra como uma pena nos sinais ao nosso pensamento.
Teresa Bracinha Vieira