A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
LXXXV - SÍNTESE AO REDOR DA LÍNGUA E DA LUSOFONIA
1. CRÍTICAS À LUSOFONIA
Há quem entenda a lusofonia como um sonho inatingível, retórica imaginada que tem mais de ficção que realidade, uma tentativa de reconstruir um ente pós-colonial com capacidade para anular e compensar o efeito erosivo da globalização e a marginalidade portuguesa no seio da União Europeia, uma criação meta-histórica que funciona como sucedâneo do império perdido no imaginário coletivo português.
Trata-se sempre, e no essencial, de uma quimera, de uma invenção, de uma imaginação, de um mito, pretendendo devolver aos portugueses a convicção de que, tendo perdido o império, a guerra colonial e as colónias, não deixaram de manter o seu centro e hegemonia, mesmo que reduzido a estruturas simbólicas.
Um novo centro de que Portugal se socorreu para contrabalançar a sua periferia europeia, havendo quem o veja como uma estrutura que tem por fim preparar as condições do neocolonialismo.
Portugal tornou-se, a partir do século XV, numa potência mundial, fazendo com que o seu idioma se tornasse uma língua franca no âmbito da economia, comércio e diplomacia, o que fez com que os portugueses interiorizassem esse desígnio de grandeza histórica que os impede de ser contidos no apertado retângulo do seu território, mesmo após o desaparecimento de tal poder.
Independentes as ex-colónias, os interesses das ex-potências, incluindo Portugal, desenharam uma estratégia de continuidade com outra roupagem, configurando um novo modelo que tomou o nome de comunidade linguística.
Ao colonialismo clássico seguiu-se o neocolonialismo.
Trata-se, quase sempre, de um discurso lusófono efusivo e de um comovente vazio, do Mundo que o Português criou, da ação civilizadora dos portugueses, garantindo-se que Portugal não pretende ser, a qualquer título, o centro do que quer que seja.
Eduardo Lourenço, por exemplo, tendo como adquirida a ausência de um “destino” para o povo português, e, como corolário, que não é mais heroico, sábio ou virtuoso que outros povos, vê a lusofonia como um mito cultural português recente, uma nova projeção imperial, expurgando-o de teorias emotivas, míticas ou messiânicas.
A celebrada alma portuguesa repartida, evocada por Camões, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo, que não é propriedade de ninguém, sendo sempre dona de quem a fala, razão pela qual não admitindo o espaço lusófono a unicidade de uma só cultura, tem de ser apenas o espaço da língua portuguesa. Na sua obra Imagem e Miragem da Lusofonia, diz que a comunidade luso-brasileira é um mito criado pelos portugueses, e que Portugal não tem lugar no mais sincero sonho brasileiro.
Mais contundente é o ensaísta Alfredo Margarido. No seu livro A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, alude à redescoberta da língua portuguesa como uma força ou língua imperial, em que a retórica da lusofonia estabelece o ponto de observação privilegiado a partir do qual se fixam as formas corretas pelas quais se devem guiar todas as demais manifestações linguísticas.
“Língua imperial” equivalente a “língua do colonizador”, impondo-se como língua homo-hegemónica, em que a lusofonia atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos, preparando o neocolonialismo, neste caso português, à semelhança da mais recente época colonial, em que aos africanos não era dada a possibilidade de gerir o português ao seu modo.
04.02.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício