A FORÇA DO ATO CRIADOR
A cidade moderna opõe a vida íntima à vida pública.
“The self no longer concerns man as an actor or man as a maker; it is a self composed of intentions and possibilities… now what matters os not what you have done but how you feel about it.” (Sennett 2017, 326)
De acordo com Richard Sennett, em The Fall of Public Man, no tempo atual o indivíduo vive dividido entre a vida pública e a vida íntima. As pessoas na sociedade atual concebem uma comunidade numa escala muito restrita. O próprio indivíduo está limitado e pronto a excluir todos aqueles que são diferentes. Para Sennett, vivemos num mundo que organiza a família, a escola e a vizinhança através de motivações e localismos (convém não esquecer que os regimes totalitários favorecem os localismos pela desconfiança constante, pelo medo do diferente e por isso como forma eficaz de controlo em escala limitada de modo a manter uma sociedade limpa e pura).
Lê-se também em The Fall of Public Man que foram os sociologistas, que ao longo do séc. XX, desenvolveram a ideia de que a vida em sociedade é um conjunto de tarefas separadas, instrumentais e mecânicas - à luz destas ideias a escola e o trabalho são vistos como uma obrigação, são vistos como veículos inapropriados para sentimentos mais verdadeiros e próximos.
A este mundo meramente instrumental, os sociologistas contrastam experiências afetivas, holísticas e integrativas. Ficou assente então que as pessoas só realmente sentem, só realmente vivem inteiramente o momento presente e só realmente se revelam em ambientes íntimos - entre a família, os vizinhos e os amigos. Para os sociólogos, o mundo alargado significa sobrevivência, obrigação e luta.
Porém, Sennett argumenta que a sociedade que apresenta a vida íntima como a vida verdadeira faz do indivíduo um ser autómato, um ator que não se pode exprimir nunca. Sennett revela que é ao incentivar-se a expressão criativa e mais especificamente ao dar-se espaço e abertura para que se desenvolva o ato de brincar, de jogar, de fazer de conta, poderá levar o indivíduo a ter uma vida mais significativa. A aproximação entre a esfera privada e pública só é possível através do uso de uma máscara.
A máscara, para Sennett, é civilidade. Sennett explica que civilidade e cidade, tem a mesma origem etimológica (Civis, Civitas): “Civility is treating other as though they were strangers and forging a social bond upon that social distance. The city is that human settlement in which strangers are most likely to meet. The public geography of a city is civility institutionalized.” (Sennett 2017, 328)
Para Sennett, as máscaras por isso ser criadas através do desejo em viver com os outros. As máscaras permitem criar a distância necessária para que a pura sociabilidade se manifeste. A máscara não representa o eu que manipula e que se impõe, afirma sim que todas as condições do mundo são plásticas e por isso a máscara é capaz de conduzir à construção de uma dimensão que para vai além do desejo e da identidade. Na sociedade atual, Sennett explica que as motivações do eu bloqueiam as pessoas de se sentirem livres para se exprimirem criativamente. E esta habilidade para se ser expressivo é posta em causa porque o indivíduo moderno deseja constantemente que a sua aparência transpareça aquilo que verdadeiramente é: “… everything returns to motive - Is this what I really feel? Do I really mean it? Am I being genuine? (…) Expression is made contigent upon authentic feeling, but one is always plunged into the narcissistic problem of never being able to crystallize what is authentic in one’s feelings.” (Sennett 2017, 331-2)
Ana Ruepp