EDUCAR O ESPÍRITO CRÍTICO
Leonel Narváez, padre católico, teólogo e sociólogo, criador da Fundación para la Reconciliación, que tanto tem feito pelo regresso da paz à Colômbia das FARC, veio a Portugal falar de "instaurar no mundo uma justiça reabilitadora" e também disse que "a educação que temos hoje é para competir, para o emprego"... mas... "o que temos de aprender é a conviver"! No seu "The Idea of Justice", Amartya Sen, prémio Nobel de Economia, começa por referir o que Charles Dickens pôs na boca de Pip: "No pequeno mundo em que as crianças têm a sua existência, não há nada que seja tão agudamente percebido e tão agudamente sentido como a injustiça"... E, olhando para o mundo dos adultos, Amartya Sen acrescenta: "O que nos move não é realizarmos que o mundo não chega a ser totalmente justo - o que poucos de nós esperaríamos - mas que, à nossa volta, há injustiças claramente remediáveis, que queremos eliminar". Se refletirmos um pouco mais extensa e profundamente sobre a "crise" e suas causas, encontraremos entre estas duas frustrações maiores: uma, que se espalha como incêndio, e é eminentemente subjetiva na origem, é o sentimento de injustiça; outra, que é fruto do individualismo a que nos acossou o culto do económico e a cultura do consumismo, é o desfazer dos tecidos do nosso convívio e solidariedade. No "mundo global", o indivíduo vai-se sentindo perdido, ao aperceber-se de que forças maiores e estranhas, fora do seu controle, o frustram dos paraísos consumistas que lhe prometeram. E não reencontra a sua dignidade de pessoa, como quando a sentia na solidariedade das comunidades familiares, locais, empresariais, etc, a que pertencia. Sempre pensei que o homem é, ontologicamente, um ser em relação. Ora, no cerne da "crise", está precisamente a pessoa, enquanto ser em relação. A popularização dos meios de comunicação (tv, redes eletrónicas) tem-nos tornado, simultaneamente, comunicáveis e incomunicantes. Somos, muitas vezes, seres emprestados, sem nome nem responsabilidade. O "zapping" televisivo e o "surfing" eletrónico são formas de vadiagem anónima. Aplaudimos, por exemplo, as "primaveras árabes" ou os "indignados ibéricos" como movimentos de libertação de ditaduras, sejam elas fundamentalismos político-religiosos ou mercantilo-capitalistas, plutocracias, afinal, sempre disfarçadas por ideologias e promessas de salvação transcendente ou bem-estar acenado, movidas por interesses e grupos que subsistem antes e para além do que, de ângulos de tiro diferentes, e aparentemente opostos, lhes apontamos. Mas sofremos de falta de democracia real: quer pelo lado do falhanço das instituições vigentes, quer pelo seguidismo de ideias e pessoas que não conhecemos."Brincamos" à cabra-cega. É hoje necessário educar o espírito crítico (é grave a iminência da sociedade de robôs de que Bernanos falava) para nos irmos chegando ao entendimento da democracia como "governo pela discussão", ideia que John Stuart Mill adiantou. E Amartya Sen acrescenta: "Mas a democracia deve ser, mais genericamente, encarada como a capacidade de enriquecer compromissos pensados pela insistência na disponibilidade de informação e na possibilidade de empreender discussões interativas. A democracia não tem de ser julgada pelas instituições que formalmente existem, mas pela extensão na qual vozes diferentes de diversos sectores do povo possam ser realmente ouvidas". Até para entendermos, num mundo agitado pelas propagandas várias dos media, a parábola do bom samaritano: o meu próximo é o Outro.
Camilo Martins de Oliveira
Obs: Reposição de texto publicado em 12.10.12 neste blogue.