CRÓNICA DA CULTURA
AS CAMAS DO MUNDO DOS HOMENS DO NADA
Procurava trabalho desesperadamente. Tinha três filhos para criar e há muito que o marido partira para encontrar um pedaço de espaço de vida noutro local e não voltara: não voltara nunca mais. Soube que morrera. Assim lhe disseram um dia:
olha, vai para a tua terra que teu homem já não é deste mundo e que fazes aqui se tens vergonha de não teres vencido na vida que te disseram existir aqui? Ou não sabias que isso podia ser mentira mais vezes do que aquelas que não comes e que teus filhos gritam?
Olha como já pareces tão velha e até nem és. Olha, já te viste? estás tão gorda e passas fome
Ó mulher, vai para donde vieste. Por lá os filhos criam-se na rua e por aqui atropelam-nos os carros
Vai-te embora, é conselho que te dou
Não sabes o que acontece quando não conseguimos? Olha é como aquelas camas do mundo dos homens do nada
Sabes tu o que passei e fiz para me manter aqui hoje e bem? Não sabes, e não adianta saberes. És gorda e pareces velha. Não adiantava tentares.
Mas, ó comadre, eu vou tentar mais uma vez. O Sr. Amparo é bom homem, olha até o nome dele! por Deus ele ajuda, e parece que conhece alguém que me deixa ser eu a limpar o lixo daqueles prédios e até, quem sabe, posso por lá encontrar nos caixotes algumas coisas que sirvam para a vida, e aos poucos, poder até tomar conta de lixeiras e ser eu a mandar quem entra lá, e claro serão todos
mas eu finjo que não, e sou patroa, e depois levo os filhos comigo e eles aprendem o ofício do grande lixo e vão ser melhores do que a mãe, impedem de entrar quem não pague e um dia têm futuro. Vais ver comadre. Vou agora falar com o Sr. Amparo – olha-me o nome dele, por Deus! - e vou pedir trabalho em nome dos filhos. Vou já, já que ele sai às sete
Ó senhor, ó senhor Amparo? Lembra-se de mim? Sou a preta dos lixos bem limpos de há uns anos e olhe que preciso tanto, tanto de ajuda
Sim, recordo-me de si. Sim, vou de comboio. Venha comigo Tina. Vamos juntos e você diz-me o seu contato que envio a pedir trabalho para si
Ó senhor Amparo, eu bem sabia, eu bem sabia, por Deus!
As portas do comboio fecharam-se às pernas da Tina e com a dor ela voou em desamparo para dentro da carruagem, cara no chão, ali ficou sem se mover
Quando as pessoas se aproximaram a Tina não podia andar
Fraturara o joelho que num súbito perdera o formato, mas ainda disse a sorrir, olhando para o Sr. Amparo, com as lágrimas a escorreram desalmadas, tal a dor
mais logo ponho-lhe uma pomadinha
Teresa Bracinha Vieira