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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEMÓRIA DO TEATRO DA GRAÇA

  


Nesta alternância entre teatros históricos e teatros atuais, reforçada pela maior ou menor centralidade junto de meios urbanos de destaque cívico e cultural, referimos hoje especificamente o chamado então Theatro da Graça de Lisboa isto no século XVIII: e desde logo se esclareça que a própria designação contém indicador óbvio da própria centralização histórico-urbana que já na altura marcou a infraestrutura do espetáculo teatral.


Num estudo intitulado precisamente “Lisboa: Espaços Teatrais Setecentistas”, Maria Alexandra T. Gago da Câmara remete para o “clássico” Sousa Bastos numa referência desenvolvida a este Teatro, que, com alterações e períodos de interrupção de atividade, funcionou de 1767 a 1781.


É efetivamente um período em que a atividade teatral fomentou a construção ou adaptação de espaços de espetáculo, apesar de tudo muitos deles mais ou menos efémeros. O teatro teria sido construído por Simão Caetano Nunes por encomenda de Henrique da Costa Passos.


Sousa Bastos refere que o Teatro acolheu a certa altura uma companhia espanhola, que trouxe à cena um repertório, hoje completamente ignorado mas onde constava pelo menos uma peça de temário histórico português, intitulada “São Gil de Portugal”...


Como ignorados são hoje os artistas que na época integravam os efémeros elencos do Teatro da Graça: Francisco de Sousa, Maria Joaquina, Joana Ignácia, entra tantos mais...


Apenas António José de Paula deixou alguma memória histórica. A rainha D. Maria I tinha proibido que mulheres tomassem parte em certo tipo de espetáculos públicos. Mas no que respeita ao teatro, essa proibição terá sido revogada em 1800, por iniciativa de António José de Paula, então diretor-empresário do Teatro da Rua dos Condes.


Trata-se aqui do chamado “Velho Condes” que vem do século XVIII e do qual resta uma gravura que mostra um barracão situado onde mais ou menos se irá erguer, com a nova Avenida da Liberdade, os sucessivos “Novo Condes” e o Cinema Condes!...

 

DUARTE IVO CRUZ

 

Obs: Reposição de texto publicado em 29.12.18 neste blogue.

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

103. GUERRA E PAZ E A REPETIÇÃO DA HISTÓRIA


O pacifismo, ao defender a paz como bem supremo, faz o seu percurso ideológico e político desenvolvendo-se, no seu sentido mais restrito, ao recusar o uso de meios violentos contra toda a criação ou a espécie humana (ecologistas), quer no mais amplo, ao incluir as doutrinas defensoras da conciliação internacional, na base de organizações   e de políticas como a SDN, a ONU, a DUDH, a Ostpolitik e o desanuviamento. 

Baseia-se numa antropologia tida essencialmente como otimista, onde predomina a paz, tendo como base filosófica a Paz Perpétua de Kant e a ideia de que o homem é naturalmente bom.     

É uma ideia culturalmente e espiritualmente revolucionária em termos civilizacionais, que não tem qualquer tipo de reflexo de uma ordem natural das coisas, o que é demonstrado pela repetição da História ao longo dos tempos, não justificando o otimismo excessivo do pacifismo.   

Com efeito, ao lado do aprofundamento da globalização, integração regional e aumento da cooperação, materialização e positivação do conceito de complementaridade de ação das organizações internacionais, reapareceram violentas e agressivas afirmações de nacionalismos e violações dos direitos humanos. Algumas das mais recentes nos Balcãs (ex-Jugoslávia), no Ruanda-Burundi e Síria. E, atualmente, com a invasão da Ucrânia, após duas guerras mundiais com epicentro europeu, contrariando quem tinha tal factualidade como uma regressão improvável.  

É a antropologia pessimista que tem por fundamento filosófico a teoria de Thomas Hobbes de que o Homem é mau, é um lobo para o Homem, defendida pelos belicistas, dada a inevitabilidade da guerra que acompanha, em permanência, o ser humano, adaptada pelos realistas para quem o Estado é o único ator internacional válido relacionando-se com os outros (Estados) movido pelo interesse nacional, maximizando o poder, se necessário o militar, através da guerra, sendo esta boa se for um meio para atingir os fins.   

Tem havido sempre uma repetição da História, quanto a guerra e paz. 

O desejável seria nunca haver repetição da guerra, havendo sempre paz.

Movimentos generalizados da opinião pública a favor da paz são louváveis, mas há obstáculos à sua realização, como o terrorismo, tensões religiosas, intolerâncias étnicas, xenofobia, racismo, supremacias imperialistas ou outras, fazendo esquecer os esforços da paz, sem excluir o poder como fim ilimitado, sustentado pelo puro domínio e ganância do poder pelo poder.    

É a guerra e paz e a repetição da História.   

O que não justifica que nos conformemos com a repetição da guerra, pois a paz é decorrência inelutável do progresso espiritual da Humanidade, árdua tarefa, que vem de há muito, não sendo, para muitos, uma mera utopia.               

 

29.04.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

CRÓNICA DA CULTURA

That's how

  

 

De quando em vez olhava para a televisão.

Via imagens e ouvia algumas palavras. Baixava a cabeça por desinteresse ou porque um pesado sono não lhe permitia outro movimento.

A idade já era muita.

Agora, agora estava de novo como se estivesse junto à janela do quarto da sua aldeia, a mão levantava a velha cortina. Da cozinha vinha o cheiro do almoço. Não havia fome. Contudo, sempre se imaginara a viver com muitos bens – ainda não sabia quais -, escolhida que fora entre as mulheres da aldeia que não tinha mulheres de ideias longas como ela, nem um pouco da sua estranha atração física. 

Entretanto os guinchos dos porcos a serem castrados ou mortos, incomodavam-na ao ponto de perguntar de novo à prima:

Ó prima, estão a matar um homem? Outra vez?

Na televisão, olhares de sofreres e guerras inexplicáveis e o creme antirrugas que já usava e que era caríssimo.

Enfim, estava agora ali naquele outro quarto em frente à televisão; sozinha, mas cheia de memórias, sobretudo daquelas que não queria ter. Mas era assim e pronto. Os comprimidos e as rezas acertavam-se na dose.

De qualquer modo usaria aquele creme e perfumes ostentosos entre outros luxos que mostraria a amigas da cidade, fazendo-as ficar boquiabertas, pois num mês de trabalho não ganhavam elas para aquele vestido que lhes era mostrado sem vergonha alguma, e ela a exibir olhando-as nos olhos, orgulhosa. Era assim.

Da aldeia desaparecera um dia numa camioneta que a levara definitivamente para a cidade onde os encontros certeiros se davam nos cafés por entre olhares que se entendiam de súbito, tão de súbito quanto se desolhavam até um dia ou nem isso.

Vá tome o seu chá. Não quer ver a telenovela, não? E ir à missa? Devia tentar sair do quarto. Bem, eu fico aqui um pouco enquanto lhe mudo a fralda, mas depois come a bolachinha.

De novo, olhava para a televisão. E sim, ele era um homem bonito. O da televisão ou o outro?, do café?, mas se calhar ele não tinha como lhe pagar o creme. E assim fora: cremes e todos os demais sustentaria ela: os dela e os dele.

Começou tudo de novo quando a cabeça lhe pendeu, a formiga gigante entrou-lhe pelo olho para um novo acesso ao fundo da memória.

E lá estava o nada. E o nada era tudo. E ela estava cheia do nada o que não era mau. Tinha dinheiro. E nunca do mal do mundo se apiedara ou agastara. Tinha sorte: nos carros, o lugar do morto nunca fora o dela.

Agora, bastava estar ali, assim, naquela casa de monos. Tal qual.

A morte não se esquecia de ninguém, e se atraso estava a acontecer, era por ter bens.

E amor?

Nem pensar que lhe subia aquela odiosa e muda raiva.

Ninguém a amara por ela, mas pelo dinheiro que conseguira, vindo de um trabalho que não dera canseira, é certo. De que se queixar, então?

O triunfo estava por ali, de algum modo. Tinha de estar. E os comprimidos também.

E abrira os olhos novamente. Na televisão uma mulher meia despida vendia lingerie.

E porquê, por que razão ele nunca mais lhe tocara? Ah, que ótimo!, poder enganar todos e nunca dizer que se ele morresse não lhe sentiria qualquer falta.

Virava agora os olhos para a parede nua.

Da televisão, escutava os gritos estonteados do concurso que sempre vira:

O preço certo.

 

Teresa Bracinha Vieira

ESPERAR O INESPERADO

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Edgar Morin, o pensador da complexidade, que fez 100 anos em Julho de 2021, continua a ser um dos filósofos e sociólogos mais atentos e merecedores de atenção. Acabou de publicar um novo livro, reflectindo sobre o mundo actual - Réveillons-nous (Despertemos). Sobre ele deu uma entrevista a Jules de Kiss, publicada em Março deste ano em “Franceinfo”.  As reflexões que se seguem acompanham a entrevista.

A primeira é um apelo à urgência de pensar séria e profundamente sobre o que está a contecer. Com Réveillons-nous, Edgar Morin não quer simplesmente fazer eco, doze anos depois, ao livro de Stéphane Hessel, Indignez-vous (Indignai-vos): “Hessel dizia: Indignai-vos. Ele dirigia-se a pessoas já despertas. Eu, eu tenho a impressão de que vivenciamos os acontecimentos um pouco como sonâmbulos. Aliás, o que eu vivi, na minha juventude, nos dez anos que precederam a Guerra. Eu peço que se tente ver e compreender o que se passa. Caso contrário, sofreremos os acontecimentos como, infelizmente, sofremos a última Guerra mundial.” (Pessoalmente, chamo permanentemente a atenção para a necessidade de pensar. Pensar vem do latim, pensare, que sgnifica pesar razões; daí vem também o penso sanitário, pois pensar cura.

Como vê esta nova guerra na Europa, com a invasão da Ucrânia? Certamente, há “uma surpresa, mas não total”. De facto, num artigo no Le Monde em 2014, por ocasião da crise ucraniana, concretamente na Crimeia, escreveu: “Atenção, é um foco de infecção com o risco de ter consequências desastrosas. Durante anos, fechou-se os olhos a esta infecção…” O problema agora é que há “um desequilíbrio”:  “estamos numa espécie de contradição, porque, por um lado, pensamos que a resistência ucraniana é justa — é uma guerra patriótica —, mas ao mesmo tempo pensamos que, se entrarmos no conflito, corremos o risco do que Dominique de Villepin chamava um ‘tsunami mundial’: passo a passo, chegar à explosão.” Não nos podemos enredar na lógica da guerra e “interveir militarmente. Por isso, sinto esta contradição que vivemos todos e que é preciso assumir”. “Por um lado, queremos apoiar um país que resiste e, por  outro, não podemos fazê-lo de modo integral, isto é, entrar na guerra. Estamos no meio: fornecemos armas e reabastecimento”.

Os seus três escritores russos preferidos são: Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov. “Eles ajudam-no a compreender a guerra  hoje?” “Não, eles ajudam-me sobretudo porque transportam com eles um humanismo russo que, diferentemente do humanismo occidental, que é sobretudo abstracto, é concreto. Está cheio de compaixão  pelo sofrimento e a miséria humana. E o que estes autores me ensinaram  de modo profundo foi este humanismo da compaixão pelo sofrimento.” Aqui, pessoalemnte, pensei no meu íntimo: Nem Putin nem Kirill leram Dostoiévski, Tolstói, Tchekov, ou não entenderam… ou não querem entender.

E voltamos à necessidade urgente de pensar. Estamos mergulhados em crises gravíssimas, que podem colocar a Humanidade perante a possibilidade do seu fim. “Em todo o mundo há crise das democracias, uma crise do progresso. Acreditámos durante muito tempo que o progresso era certo, uma lei da História; ora, hoje percebemos que o futuro é cada vez mais incerto e inquietante. Há a crise do futuro, a angústia, as crises que aconteceram: a económica em 2008, depois a pandemia. As angústias que isso gera provocam um retraimento, um fechar-se sobre si mesmo.” E nota-se uma espécie de derrota dos intelectuais e políticos, que não conseguem fazer-se ouvir. Há uma questão que é “muito impotante hoje. Porque estamos num mundo de experts (peritos) e especialistas em que cada um vê apenas uma pequena parte dos problemas, isolados uns dos outros. Existe hoje de facto essa deficiência.”

De novo o jornalista: “Conversámos sobre a guerra na Ucrânia, tendo como pano de fundo a ameaça nuclear. Também dedica um dos quatro capítulos do seu livro ao aquecimento global. Mestas condições, é possível pensar o futruo com serenidade?” Resposta: “Não podemos ficar serenos perante perspectivas tão preocupantes. O que eu quereria mostrar, mesmo antes da guerra na Ucrânia, é que, desde Hiroshima, uma espada de Dâmacles paira sobre a cabeça de todos, e ela agravou-se com a crise ecológica, que mostra que realmente a bioesfera, o mundo vivo e as nossas sociedades estão ameaçados. Não é só o clima. O clima é um elemento dessa crise geral e a pandemia também contribuiu para o carácter global da crise. Penso que entrámos num novo período. Pela primeira vez na História, a Humanidade corre o risco  de aniquilação, talvez não total — haverá alguns sobreviventes —, mas uma espécie de ‘reinício’ a partir do zero em condições sanitárias sem dúvida terríveis. É esse perigo, que eu já tinha diagnosticado como potencial, que, de repente, se torna actual com esta história de guerra russa.”

Claro que “só podemos pensar o futuro, se estivermos conscientes do passado e do que se passa no presente. Não se pode pensar o futuro isolado. E hoje o futuro depende dessas grandes correntes que atravessam a Humanidade e que são ameaçadoras e regressivas. Portanto, eu penso que é urgente pensar o futuro. Porquê? Até agora pensava-se que o futuro era uma espécie de linha recta que ia continuar. Ora, é preciso imaginar os diferentes cenários. É preciso estar vigilante. É preciso esperar o inesperado   para saber navegar  na incerteza. Há toda uma série de reformas, o modo de pensar, de se comportar, que são hoje necessários.”

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 23 de abril de 2022

CADA ROCA COM SEU FUSO...

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UMA VIAGEM MÁGICA

 

O “Guia de Portugal” constitui uma obra fundamental, escrita sob o impulso de Raul Proença, a partir de 1924, reeditada e completada na sua versão original pela Fundação Gulbenkian, graças a Santana Dionísio com o grafismo Raul Lino. O país descrito é muito diferente do atual, mas a colaboração de personalidades marcantes da cultura portuguesa faz dos seis volumes, divididos em oito tomos, um precioso instrumento para a compreensão das raízes portuguesas. Jaime Cortesão, Miguel Torga, Jorge Dias, Aquilino Ribeiro, Reinaldo dos Santos, Teixeira de Pascoais, Vitorino Nemésio, Ferreira de Castro, Egas Moniz, Rodrigues Miguéis, Afonso Lopes Vieira e António Sérgio são os autores de textos essenciais que mantêm atualidade. E Proença cita Unamuno; “estas excursões não são só um consolo, um descanso e um ensinamento; são, além disso e porventura sobretudo, um dos melhores meios para encontrar apego e amor à pátria”.

 

Se refiro o “Guia de Portugal” como pequeno monumento pátrio, é para salientar a importância do conhecimento e da compreensão do património cultural, como realidade aberta e viva. Quando lemos a “Viagem a Portugal” de José Saramago, compreendemos como esse percurso tem subjacente o exemplo deixado por Raul Proença. “Ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já”. Eis o que está em causa. Se fomos mundo afora, temos de conhecer o que temos dentro. E quando hoje se exige um esforço sério e determinado para a recuperação económica – num tempo em que o trabalho cultural foi seriamente afetado pela pandemia, como pela crise financeira, urge delinear uma ação capaz de ligar os objetivos de desenvolvimento sustentável e de recuperação do atraso. A reforma que se nos exige é assim educativa, profissional, científica, cultural e artística. Não falamos de medidas avulsas ou de uma visão centrada no consumismo e no curto prazo. A qualidade na aprendizagem, a exigência e o rigor são mais importantes que nunca. Só poderemos recuperar e avançar se cuidarmos de adequar os objetivos e os meios. E, na introdução histórica, ao “Guia”, António Sérgio salienta a necessidade de conhecer melhor a história, de impulsionar os estudos científicos e de favorecer a fixação e o investimento reprodutivo, reformando o organismo da produção.

 

Pôr a cultura no centro das nossas preocupações não é considerá-la como mero ornamento, mas como catalisador, numa palavra, como um incentivo ou um impulso criativo e inovador. E assim as artes e a investigação científica tornar-se-ão naturalmente complementares, tendo em vista a equidade, a eficiência e o progresso. Eis por que razão por exemplo o turismo cultural, pedagógico e científico e a mobilidade das pessoas devem ganhar em rigor e qualidade. Valorizemos a relação com a natureza e a paisagem, as artes tradicionais, o artesanato, a gastronomia, mas também a capacidade inovadora dos cientistas, pensadores e artistas contemporâneos. O turismo literário é apenas um exemplo e permite-nos usufruir do talento e da sensibilidade dos nossos escritores. E as qualidades da natureza, do clima e das gentes serão fatores de enriquecimento da qualidade de vida e da criatividade. Poderíamos falar de outros artistas e de outras artes, mas lembremo-nos de Eça de Queiroz, de Camilo Castelo Branco, de Guerra Junqueiro, de Teixeira de Pascoais, de José Régio, de Fernando Pessoa, de Miguel Torga, de Aquilino Ribeiro, de Agustina Bessa Luís, de Fernando Namora, de Orlando Ribeiro ou de Ruben A. – e a riqueza dos roteiros que podemos construir em torno da sua memória, das suas casas, numa integração natural, enriquecida pelo talento literário…  O património cultural é vida. Sejamos capazes de ligar com imaginação essa referência à capacidade de sermos mais exigentes, de modo a recusarmos o fatalismo e a inércia.

 

O célebre quadro de José Malhoa «Praia das Maçãs» (1926) constitui a ilustração do que dissemos. Aqui está o mar e o encontro da terra. Estamos no limite do Mediterrâneo no Atlântico. Como compreender Portugal sem esta ligação que torna a Península Ibérica base para a aventura do mundo?

 

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GOM

 

A VIDA DOS LIVROS

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   De 25 de abril a 1 de maio de 2022

 

“Padre António Vieira – a arquitetónica do Quinto Império e a carta Esperanças de Portugal - 1659” da autoria de Miguel Real é um pequeno ensaio pleno de interesse, que revela uma faceta menos conhecida do grande orador sagrado.

 

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UMA PRESENÇA INESPERADA

Regressei há dias aos Países Baixos, numa visita familiar, adiada há mais de dois anos pela pandemia. Apesar das previsões meteorológicas anunciarem mau tempo e a proximidade de uma frente polar, houve boas condições, que permitiram um belo regresso. E aproveitei para seguir as pisadas do Padre António Vieira nas célebres viagens diplomáticas, em representação do rei D. João IV. E deparei-me com a presença inesperada de Menasseh ben Israel (1604-1657) nesta peregrinação, ao encontro dos judeus portugueses.  Em 20 de abril de 1646, Vieira chegou a Haia, vindo de Rouen, com duas missões: discutir o futuro de Pernambuco, na posse dos holandeses, e contactar os sefarditas portugueses sobre a possibilidade de regressarem a Portugal num momento decisivo em que os meios financeiros faltavam, com o Tesouro exaurido por sessenta anos de monarquia dual com a Espanha. O jesuíta conhecia bem o estado de espírito dos judeus portugueses – tinham uma boa lembrança da pátria antiga, mas desejavam, no essencial, liberdade de consciência e garantias de segurança, que a Inquisição não dava. Sem provas documentais, sabemos que o Padre Vieira se encontrou com Menasseh ben Israel, cuja pessoa admirava, partilhando muitas das suas convicções. Tal como pensavam os conselheiros económicos do rei, defensores do que designamos como política de fixação, que obrigava a investimentos mercantilistas, era indispensável atrair capitais e mobilizar iniciativas para reconstruir uma economia empobrecida. O facto de os capitais ligados ao comércio das Índias Orientais e Ocidentais estarem nas mãos de judeus e cristãos-novos constituía um motivo para que a diligência defendida pelo diplomata jesuíta representasse uma oportunidade que teria de ser aproveitada. Daí a importância do diálogo com a comunidade judaica com a preciosa ajuda de um líder religioso e civil de indiscutível prestígio.

 

MENASSEH BEN ISRAEL

Explique-se que Menasseh ben Israel nasceu na Madeira, filho de Gaspar Rodrigues Nunes, sendo-lhe dado o nome de Manuel Dias Soeiro. O pai, acusado de práticas judaizantes, teve de partir para a Holanda em 1613 e tomou o nome de Joseph ben Israel, dando a seus filhos os nomes de Ephraim e de Menasseh. Em 1622, encontramos Menasseh como pregador da comunidade, no ano seguinte casado com Raquel Abarbanel, de uma família importante. Em 1626, funda a primeira tipografia de caracteres hebraicos, onde publica obras em hebraico, latim, espanhol e português. Corresponde-se com Rembrandt van Rijn (que o retrata) e com Hugo Grócio, sendo figura muito respeitada. Semuel ben Israel Soeiro, o filho, prosseguirá a intensa atividade editorial paterna. Em 1651, Menasseh tentará estabelecer pontes com as ilhas britânicas, mantendo contactos com Cromwell, num primeiro momento com resistências, apesar de uma predisposição positiva por parte da fugaz República britânica. Em 1656 é inaugurada a Sinagoga de King Street e é decidida a construção do hospital de Mile Ende, iniciando-se um grande crescimento da comunidade judaica, sobretudo a partir do reinado de Carlos II, marido de D. Catarina de Bragança. Menasseh está em Londres entre 1655 e 1657, regressando aos Países Baixos em 1657. Morre em Midleburgo em novembro e está sepultado no cemitério judeu de Beit Haym, que conheço bem, e que fica em Ouderkerk no Amstel, nos arredores de Amesterdão. Diga-se que o rabino Menasseh ben Israel não estava em Amesterdão quando Saul Levi Morteira assinou a condenação de Bento Espinosa, e diz a tradição que se Israel tivesse intervindo tal decisão não teria sido tomada.

 

UM DIPLOMATA ESPECIAL

O Padre António Vieira ficaria nos Países Baixos durante três meses, voltando a Haia a 17 de dezembro de 1647. A missão de Vieira era complexa, desde o casamento de D. Teodósio, filho de D. João IV, alvo de uma grande pressão diplomática da parte de Mazarino, no sentido de reforço da influência francesa, até ao destino de Pernambuco, mas sobretudo na tentativa de mobilizar recursos para a reconstrução do País – abrindo as portas do comércio marítimo com os territórios africanos e americano aos judeus portugueses da Holanda. Se é certo que os resultados práticos não foram efetivos, é fundamental o que António José Saraiva descobriu, na sua estada holandesa. Não foi apenas o dinheiro dos judeus que interessou António Vieira, mas a aproximação das teses judaicas. Assim considerou os judeus, a “gente da nação”, um povo laborioso, enriquecedor das comunidades em que se inseriu, em nada podendo perverter os costumes tradicionais da Igreja Católica. E como está bastamente demonstrado na reflexão e na oratória, se o capital mercantil dos judeus lhe importou, com resultados práticos, houve igualmente uma preocupação de justificar a aproximação às ideias positivas que poderiam colher-se no pensamento judaico. Daí o sucesso na negociação dos empréstimos para a coroa portuguesa com Duarte Silva, cristão-novo de Lisboa, que abriu caminho aos créditos obtidos em Haia e Amesterdão. E a proposta de solução económica para o reino, enviada a D. João IV em 1643, consagra a necessidade de convergência entre judeus e cristãos, “que esperarão juntos e harmonizados o fim dos tempos sob um mesmo Império temporal e um só Império espiritual de Cristo”. Estamos perante a revelação lenta e gradual do pensamento profético do Padre António Vieira no sentido que virá ser defendido na “Chave dos Profetas”. E é com Menasseh ben Israel, em Amesterdão, que o jesuíta encontrará os fundamentos da complexa ideia de “Quinto Império do Mundo”, baseada no livro de Daniel. Como diz Miguel Real, “o sentido que o Padre Vieira encontrara em Amesterdão fora o sentido total da história e do mundo concentrado num único ano, 1666, e numa única teoria englobalizadora, o Quinto Império do Mundo ou o Reino de Cristo Consumado” (in “Padre António Vieira – a arquitetónica do Quinto Império e a carta Esperanças de Portugal - 1659” – “Revista Lusófona de Ciência das Religiões”, 2008). E, de modo pioneiro, António José Saraiva, em 1972, nos “Studia Rosenthaliana” destacou as semelhanças entre o espírito profético de M. ben Israel e do Padre Vieira, que Hernâni Cidade enfatiza em “Vieira à Luz de um Recente Estudo de António José Saraiva”, in “Colóquio-Letras”, F.C. Gulbenkian, março de 1973. Saraiva salienta o facto de em 1644, nos planaltos da Colômbia, ter sido descoberta uma das tribos desaparecidas de Israel, de Ruben, segundo o pensamento profético judaico, referido por Bandarra; bem como o facto de Vieira ter concluído que a doutrina cristã, de índole eminentemente espiritual, não excluir a doutrina judaica sobre um Messias de ordem eminentemente temporal. De facto, é no regresso de Amesterdão que Vieira inicia a escrita, nunca acabada, da “História do Futuro” (1649), e em 1659 a carta “Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo”, pela qual será processado pela Inquisição (a partir de 1663), explicitará a síntese obtida, segundo a qual o “Quinto Império localizar-se-ia na Terra, na totalidade geográfica da Terra, e não no Céu”, mercê da convergência de vontades de um Imperador espiritual e de um Imperador temporal, no sentido da criação de um estado de justiça e santidade, de paz universal e de sobriedade. Amesterdão lembra tudo isso.

 

Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

MEDITAÇÃO JAPONESA

O texto que publicamos foi expressamente escolhido por Camilo Martins de Oliveira, que há pouco nos deixou.
Agradecemos toda a sua generosidade e o seu empenho permanente.  
 

  


A abertura do Japão ao convívio internacional, em meados do séc. XIX e após mais de dois séculos de reclusão imposta pelo shogunato Tokugawa, começou por promover algum comércio e a instalação de pequenas colónias de estrangeiros em Kobe e Yokohama. Mas depressa produziu efeitos de outra ordem de grandeza, quer no tocante à "modernização" tecnológica, económica e social, jurídico-política e administrativa do Japão - que aliás gerou dilemas e crises de identidade cuja "digestão" ainda hoje não está terminada - quer ainda quanto à projeção de representações tradicionais da cultura nipónica sobre o gosto e as artes do ocidente europeu e norte-americano.


Gravuras dos mestres do ukiyo-e, como Hokusai e Hiroshige, quimonos e leques, cerâmicas e lacas, desenho de objetos e arquitetura de edifícios impuseram-se com tal veemência ao gosto europeu, que logo se espalhou uma moda a que, em França, se chamou "japonisme"...


Lembremo-nos da influência daquelas gravuras nos cartazes de Toulouse-Lautrec, da sensualidade e erotismo da "japonaise au bain" de James Tissot e outras cenas de banho do Degas. Sem esquecer a elegância e os cenários nipónicos de tantos quadros do Whistler ou da Mary Cassat, nem o "Portrait du Père Tanguy" do Van Gogh, os guaches de Gauguin sobre papel recortado pele forma de leques japoneses. E há tantos outros motivos nipónicos na pintura de Manet, Pissarro e muitos outros!


Nas artes decorativas, em porcelanas de Worcester, da Minton e da Martin Brothers, em pratas e casquinhas da Christofle e da Tiffanys, em vidros do Daum ou do Gallé. Generalizou-se o uso de biombos e a decoração japonizante de portas, paredes e móveis, e outro jeito de arranjar flores. No vestuário e acessórios, novos padrões de tecidos, quimonos, leques e sombrinhas.


O ocidente de fim de século descobre, mitifica e imita o gosto japonês. Mas que fazem os japoneses coevos? Mandam políticos e samurais, juristas e médicos, engenheiros e artistas plásticos, à Europa e aos EUA, para conhecerem as nossas constituições e o nosso direito, a nossa medicina e os nossos hospitais, os nossos caminhos de ferro, estradas e pontes, as nossas indústrias, os nossos exércitos, as nossas escolas.


Num esforço de emulação do que entendem ser as melhores realizações do génio ocidental, os japoneses da era Meiji erguem fábricas e estaleiros navais, montam um Estado com imperador, parlamento, constituição e organização política e administrativa. Constroem ferrovias, pontes e telégrafos, organizam o serviço militar obrigatório. Abrem universidades, empresas e bancos. Fazem de Ginza, em Tokyo, uma zona de comércio de luxo, com avenidas largas e grandes armazéns, para suplantar o que de semelhante viram em Londres, Paris, Berlim ou New York.


Mas não se pode falar de ocidentalização do Japão, para além da importação, adaptação, assimilação e eventual melhoramento de técnicas sistemas. A alma nipónica recebe e rejeita tudo isso, serve-se do que é instrumentalizável, mas não se converte. A era Meiji formou a matriz do pensamento e das reações japonesas no sec. XX até aos nossos dias. Diz-nos um escritor nosso contemporâneo: "Desde essa época e até hoje, a civilização ocidental, pelos nossos contactos e fricções com ela, foi-nos pródiga em benfeitorias e, simultaneamente, fez-nos sofrer. Mais precisamente, os sofrimentos do Japão - ou talvez mesmo da Ásia - começaram quando os ocidentais se tornaram, aos nossos olhos, mais belos do que os asiáticos. E essa mágoa ou, pelo menos, esse mal estar permanece em mim, que aqui vivo, sem conseguir liquidá-la..."


Não resisto a transcrever um trecho de uma entrevista que Shosaku Endo, escritor católico japonês, há anos deu à revista Kumo:


"Fui batizado em criança, isto é, o meu catolicismo foi um pronto a vestir. Depois, tive de decidir se faria o fato adaptar-se ao meu corpo ou se o deitaria fora, para vestir outro. Muitas vezes senti que queria desfazer-me do meu catolicismo, mas finalmente fui incapaz de o fazer. Não foi só não deitá-lo fora, foi sentir-me incapaz de o deitar fora. A razão disto talvez seja ele ter acabado por se tornar parte de mim. O facto de ter penetrado tão profundamente em mim quando era jovem era um sinal de que, pelo menos em parte, se tornava numa coextensão minha. Mesmo assim, não conseguia desembaraçar-me do sentimento de tratar-se de algo emprestado, e comecei a perguntar-me o que seria o meu "ser eu mesmo"... Penso que isso é o pântano de lama japonês em mim. Desde que comecei a escrever romances até hoje, esta confrontação do meu "ser eu mesmo" católico com o "ser eu mesmo" que lhe está subjacente tem, como refrão repetido por um idiota, ecoado e voltado a ecoar no meu trabalho. Senti que tinha de encontrar maneira de reconciliar ambos." Endo fala de pântano japonês como metáfora de uma condição cultural que suga sentimentos e ideias e dentro de si os transforma.


Qualquer processo de aculturação é necessariamente complexo e demorado. Quando ouço por aí o pregão de receitas de cura socioeconómica e financeira "à americana" lembro-me sempre de um chinês famoso que, há poucos anos atrás, respondeu assim à pergunta sobre quais teriam sido os efeitos da Revolução Francesa de 1789 na China: "Ainda é demasiado cedo para o dizer."

 

Camilo Martins de Oliveira


Obs: Reposição de texto publicado em 16.11.12 neste blogue.

TRADIÇÃO DE EDIFÍCIOS DE TEATRO E DE CULTURA EM VILA DO CONDE

  


A monumentalidade histórica de Vila do Conde remonta aos inícios do século XIV: pelo menos desde 1318, com o Convento de Santa Clara, fundado e construído por D. Afonso Sanches, filho do Rei D. Dinis e de D. Teresa Martins. Restaurado e beneficiado a partir da década de 70 do século XVIII, como tal sobreviveu como Mosteiro e residência eclesial, expressão corrente na época, até 1893, ano em que falece a última monja e o edifício é entregue ao Ministério da Justiça.


Mas entretanto, em 1778 efetuam-se trabalhos de restauro e alargamento do Mosteiro. E nessa data inicia a construção do que ficou conhecido como o “Submosteiro”, este segundo traça de um arquiteto relevante, Henrique Ventura Lobo de seu nome. Daí que, em 1912, o historiador Castro e Solla, publique um estudo relacionando os dois monumentos, para lá da proximidade urbana.  (cfr. Castro e Solla “Notas de um Antiquário” in “Ilustração Villacondense” setembro de 2012). Trata-se de um belo edifício da época.


Mas o que aqui queremos referir é que o Submosteiro foi adquirido em 1985 pela Câmara Municipal que o converteu em auditório, segundo projeto do Arquiteto Maia Gomes.


Em 2012, publiquei um estudo intitulado “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura” em edição de Mediatexto e do Centro Nacional de Cultura.


No Prefácio desse livro, Guilherme d´Oliveira Martins refere “os recintos teatrais, a partir do encontro entre o espaço que foi sagrado e uma nova vocação profana – o Mosteiro de Enxobregas, o antigo teatro de Penafiel, o Convento e o Subconvento de Vila do Conde, o exemplo de Trancoso os Conventos e Misericórdias do Alentejo e quatro casos algarvios. E o certo é que esse encontro do sagrado e do profano permite o entendimento do fenómeno teatral a partir das suas origens mais remotas e essenciais”. (pág. 9).        


Nesse livro, refiro ainda que “a Câmara Municipal de Vila do Conde adquiriu o Cine-Teatro Neiva, belo exemplar da geração dos Cine-Teatros dos anos 40”.


Efetivamente, acrescento, trata-se de um cine-teatro inaugurado em 1949, encerrado nos anos 80 e agora recuperado com uma lotação de cerca de 550 lugares na sala principal, em plateia e dois balcões, e ainda uma sala experimental de 120 lugares.

DUARTE IVO CRUZ

 

Obs: Reposição de texto publicado em 22.12.18 neste blogue.

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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102. A ILUSÃO DE PROGRESSO NA GUERRA


A guerra é uma forma de dominação do homem pelo homem.

Sempre assim foi, por mais que se aperfeiçoe a “arte” da guerra.

Muitos inventos que contribuíram e contribuem para o nosso bem-estar e saúde, foram colocados ao serviço da guerra, como armas ofensivas e defensivas, usando técnicas de engenharia, de geometria, matemática, biologia, física, química, entre outras.

A relação humana com as coisas tem-se regido pela lógica do progresso, numa evolução linear e permanente, melhorando gradual e constantemente, sem regressão técnica a médio ou a longo prazo. Ninguém troca meios de transporte tecnologicamente mais funcionais e evoluídos por transportes mais antigos. Não há regressão científica, técnica, informática ou eletrónica. É uma tendência universal comprovada pela nossa História e Geografia ao longo dos tempos, que também é extensiva ao progresso técnico e científico da “arte” de fazer a guerra.

Porém, se bem que a guerra do século XX e XXI seja mais mortífera que a de séculos anteriores, há nela uma temporalidade sempre repetitiva da sua natureza desumana, hedionda e monstruosa, em que a selvajaria e a banalidade do mal se diferenciam por confronto entre o que é “selvagem” e “civilizado”. Por contraste entre o tempo cumulativo do desenvolvimento técnico-científico, civilizacional e de inovação permanente, em benefício do bem comum, e o tempo repetitivo e sem solução, até hoje, da guerra, em que o “progresso” bélico é um mito porque barbárie, crueldade, império do mal e retrocesso civilizacional.

Sendo a guerra um meio de dominação do homem pelo homem, a noção de progresso é uma ilusão, um mito, ao invés do sentido detetável na história da técnica, dado que a guerra, por si e em si, é regressão, por mais sofisticado que seja o progresso dos meios bélicos que a sustentam.

22.03.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

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