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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

FALAMOS MUITO...

  


Falamos muito, e tememo-lo, nós os ocidentais, esse epifenómeno que dá pelo nome de "fundamentalismo islâmico". Para uma cultura da permissividade como prática de vida, é evidente que a cultura do culto da "lei" como norma de vida é incompreensível. Mais: é inaceitável. Isto é: em nome da liberdade de expressão e ação, lançamos um anátema sobre quem pensa que ela não é legítima ou, mais simplesmente, deve ser limitada. Até já se chamou, a este desentendimento, choque de civilizações... Mas também podemos evocar as cruzadas - com o que trouxeram de sofrimento imposto pelos cristãos do ocidente aos de Bizâncio - ou as guerras de religiões cristãs na Europa da reforma, os ódios entre chiitas e sunitas muçulmanos, o holocausto nazi a par do estalinista, as rivalidades entre cristãos além-mar, como as que alimentaram martírios de católicos no Japão dos sécs. XVI-XVII, ou o descalabro das missões jesuítas na América do Sul. Ou ainda as "bruxas de Salém", para não falar desse prenuncio de "técnicas científicas" nazis que foram as medições morfológicas de jesuítas e outros religiosos pela nossa 1ª República... E temos muito mais: Rwanda, Pol Pot no Cambodja, Sudão, Bósnia, eu sei lá! Somos, instintivamente, animais agressivos, quando tememos o outro. Ou quando o queremos comer. Quando nos fechamos no individualismo, de cada um ou do seu grupo, e esquecemos que a racionalidade que nos diferencia necessariamente nos obriga ao exercício crítico que S. Tomás de Aquino dizia ser "diferenciar (distinguir) para compreender." A diferença, ou a consciência dela, não é divisão (e muito menos guerra): é reconhecimento. Parafraseando Paul Claudel, para quem a "connaissance" - o conhecimento - é «nascer com»: o reconhecimento, neste sentido, é renascermos com os outros. Será a procura da harmonia, com a coragem que nos conduzirá ao encontro das raízes comuns a todos, que já o primeiro livro judeo-cristão assinalava dizendo que Deus nos criou, homem e mulher, à sua imagem e semelhança. A todos nós. A divisão, essa entre o bem e o mal, o belo e o feio, cada um de nós a traz em si, como o "visconde cortado ao meio" do Italo Calvino. "L’enfer c’est les autres" dizia Sartre. E assim existencialmente, demasiadas vezes, o entendemos. Mas o próprio sabia que o inferno está em nós e se propaga, como incêndio, na projeção da paixão de nós sobre os outros. "O pecado - escreveu um dominicano francês, Jean Cardonnel - é a paixão dos nossos limites". Os outros, os que não entendemos logo, são um apelo insistente a que sejamos mais firmes e fortes no que somos e mais abertos ao abraço dos outros, que é o que todos poderemos ser num mundo em globalização. Nesse mundo, que tão rapidamente nos cerca, só a fortaleza das nossas raízes nos ajudará a responder à nossa vocação do Outro. O diálogo só é possível com autenticidade. As rendições sempre começaram por traições.

 
Camilo Martins de Oliveira

Obs: Reposição de texto publicado em 02.11.12 neste blogue.