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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


105. HISTÓRIA E GUERRA E PAZ EM TOLSTOI (I)


O interesse pela História e pela verdade histórica era crucial para Tolstoi. 


Só a História tinha a solução para o mistério de porque é que o que sucedia, sucedia como sucedia e não de outra maneira. Porque é que as coisas acontecem como acontecem e não de outro modo. 


Tendo a Filosofia da História como banal e superficial, desconfiando do abstrato, da metafísica, do impalpável e do sobrenatural, tinha a experiência, o concreto, o empírico, o observável, o verificável, todo o espírito de investigação empírica, como a chave para a verdade histórica.   


Só a História continha a verdade, quando baseada em acontecimentos concretos, na real experiência humana, em factos puros e duros reconhecíveis pelo intelecto normal, e não a História escrita pelos historiadores, que deseja ser algo que não é, não sendo uma ciência com conclusões exatas.


Mas ao reconhecer a natureza não científica da História, conclui ser inviável descobrir leis históricas autênticas e fiáveis que em conjugação de esforços com a observação empírica viabilizassem predizer o futuro (e a retrodicção do passado). O ser humano, usando os seus próprios recursos, é impotente para compreender e controlar o rumo dos acontecimentos, dada a existência de uma lei natural segundo a qual, e num grau não inferior ao da natureza, a vida dos seres humanos é determinada.     


Não sendo, de facto, livres, mas não podendo viver sem a convicção de que o somos, conclui que se permitirmos que a vida humana seja governada pela razão, a probabilidade de uma vida espontânea envolvendo a consciência do livre-arbítrio é destruída. Desta oposição entre a ilusão do livre-arbítrio a as leis deterministas que comandam o mundo, surge um caos sem sentido onde a desordem da nossa vida é refletida na guerra, no seu grau mais extremo. 


Questionando-se porque acontece a guerra, não encontra resposta, podendo ser tantas as causas que acabam por não ser nenhumas. Sucede por acaso ou porque sim, tendo como errada a ideia dos historiadores que têm este facto ou aquele evento como causa principal da guerra, defendendo que a História só dirá a verdade quando não se limite aos grandes homens, tidos como carneiros que o pastor engorda para o abate, pois a verdade sobre a condição humana está nos que têm a humildade de reconhecer a sua irrelevância e insignificância, sem vaidades nem ressentimentos. 


Na esteira de Schopenhauer, o ser humano sofre em demasia porque espera demasiado, é infeliz porque é eternamente insatisfeito, incessantemente ambicioso porque sobrevaloriza as suas capacidades de um modo fantasioso e, acima de tudo, tem o propósito insensato de querer observar e estabelecer uma ordem a partir da convicção desesperada de que deve existir uma ordem, mesmo que o caos em que vivemos o contrarie, como a guerra, densa e intensamente, o exemplifica.               

 

13.05.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício