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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


O clássico é constantemente inflamado pelo amor ao constante desafio da vida.


“…the classic (…) deals with thought and sensation, with a keenly lived present, a challenged future, and a liberated memory: creating forms of permanent humanity out of the utter impermanence of the human situation but blazing, not gently, with the hope and ardor of searching men. They seek nothing less than the whole.” (Scully 2003, 105)


Vincent Scully no texto “The Nature of the Classical in Art” explica que a definição do termo “clássico”, embora inicialmente manifestado e exclusivamente incorporado na arte grega do séc. V e IV a.C., torna-se na arte, a verdadeira expressão da condição humana e a medida da sua totalidade. Scully associa a sua interpretação do termo clássico ao interesse contemporâneo de desenvolvimento de um novo humanismo e de uma nova monumentalidade.


Vincent Scully explica que o clássico se define como uma arte que se preocupa com a total exploração, domínio e compreensão das grandes ideias, pensamentos e questões que existem na vida interior e exterior de cada ser humano. É uma arte que lida com o individual e com o colectivo, através de formas simultaneamente abstratas e orgânicas, táteis e óticas, reais e ideais. Essas formas são por sua vez incorporadas num todo dinâmico e estável, claro e completo, instantâneo e permanente.


Para Scully, a contenção, a proporção e a medida estão embutidas no clássico, fazem intrinsecamente parte dele - mas se o clássico parece, em épocas posteriores, somente fornecer tipos ideais para a arte, é porque lida com a vida no seu todo e por isso muitos modelos, padrões e tipos estão nele implícitos.


O clássico é sempre aquele momento em que o passado mais antigo e, em certo sentido, o futuro mais distante se juntam em tensão, num presente agudamente vivido e experienciado. Tal experiência não é segura nem certa, nem é contida para sempre por regras, mas é sim sempre ousada. O clássico é constantemente inflamado pelo amor ao constante desafio da vida.


Scully acredita que se conseguem identificar as qualidades do clássico para além do séc. V e IV a.C.. Apesar de ser necessário o mundo usar as suas próprias memórias, a reinterpretação da regra clássica que simplesmente olha para o passado, é uma demonstração do lado humano mais regressivo. O desejo pelo mais antigo e a ânsia por um caminho inalterável e limitado para viver uma determinada experiência, evita o presente e nega o futuro. A rejeição da crença clássica na permanência do instantâneo, desaparece para sempre.


Para Scully, o clássico não é classicizante, não olha unicamente para o passado. É uma maneira de olhar e de ser, que junta forma e significado, o todo e a parte, a ordem e o caos, o natural e o artificial, o racional e o irracional.


Como encontrar o clássico novamente? Scully explica que o clássico apresenta uma forma que inclui afinal a variedade da experiência humana e as tensões do real. O clássico é o resultado de uma busca que funde a capacidade criativa mais profunda com uma sensação de libertação humana muito grande. O clássico é assim, uma luta permanente que compacta opostos e ajusta tensões, de modo a criar a harmonia possível. Para Scully, devemos tentar, acima de tudo, ver o clássico na criação, na descoberta, na invenção e na expansão da experiência. E não apenas através nas formas acabadas, perfeitas e regradas.


Para Scully, por exemplo, em arquitetura, Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp, de Le Corbusier mostra uma dupla intenção clássica: a de cobrir os espaços da capela com uma forma escultural exterior. O edifício não pode ser visto simplesmente como uma casca oca, como a maioria dos edifícios - porque caverna e invólucro tornam-se um. Por isso, Ronchamp e o templo grego apresentam intenções bastante semelhantes, ao desejarem revestir o seu santuário interno com formas externas que exibam uma força escultórica extraordinária. Ronchamp e o templo grego são experiências únicas e irreprodutíveis que lidam com o desafio do absoluto que culmina em relatividade. (Scully 2003, 101)


“Both the Parthenon, and (I think we must say) Ronchamp, are classic buildings because they both deal with the whole of things-in this case relating to the Virgin Goddess-as presently existing fact. One notes that the carefully chosen, archetypal words of the Litany apply to both: "Spiritual Vessel... Tower of David... House of Gold... Tower of Ivory." These opposites are not carefully balanced in the Parthenon and Ronchamp but are fused in the heat of the experience of them.” (Scully 2003, 100)


Ronchamp e o templo grego não hipnotizam o eu mas simplesmente o confrontam com a sua presença. O clássico é um todo, que responde a uma resolução de significado complexo através de formas claras e completas, unidas e concentradas, instantâneas e permanentes, contínuas e atuais - a geometria é resolvida através do orgânico, o movimento através da estabilidade, o pensamento através da sensação. O clássico é uma necessidade de recomeçar de novo perante novos desafios. É uma arte que permite o reconhecimento da liberdade (tanto individual quanto coletiva), que permite a presença do absoluto no cerne da relatividade e que permite a descoberta da presença da humanidade inteira.


“Perhaps a classic art can arise only in a certain way, as a certain kind of people awake to individuality out of a tribal situation, with which, for a period, their new freedom exists in vital tension. Perhaps, therefore, some might hold the view that there can never be another fully classic art until an adequate set of disasters forces the human race to lose everything - even its present stock of memories-and to again from the beginning.” (Scully 2003, 104)

 

Ana Ruepp