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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

ANNIE ERNAUX

  

 

La célébrité, et tout ce qu’elle implique, je n’aime pas cela du tout, c’est du vide. Moi, ce que j’aime, c’est faire des choses.

A.E.

Si je ne les écris pas, les choses ne sont pas allées jusqu’à leur terme, elles ont été seulement vécues.

A.E.

E volto a Annie Ernaux, e não é que cada vez mais, julgo entender o nosso futuro nos outros, quando nós, já sem rosto, formos um nós no tempo que passou, e tudo se apagará até sermos talvez e apenas um nome por entre fragmentos.

  

A releitura  deste livro, viva-voz de uma das mais importantes escritoras da literatura francesa atual, releva-nos com brilho imenso a ousada precisão de linguagem que utiliza, usando um sujeito que ocupa o lugar do eu num coletivo, fazendo viver a evocação de tempos de mão dada entre nós e a História.

Poderosa reflexão filosófica esta, ao longo dos últimos 60 anos.

E li este livro sublinhando-o de novo, já que escrever o que acontece numa vida de pequenas coisas importantes, e cuja soma é um tudo ou nada no nós todos, carece bem de muito lápis que o glose.

Bem creio que a nossa memória está fora de nós, e nem nós estamos em nós, se não nos acudir uma fé numa verdade transcendente.

Aquele estudante chinês a enfrentar o tanque na Praça Tiananmen, bem nos devia fazer sempre lembrar que ao avançarmos minúsculos de tão sozinhos, sempre surgiriam os tanques e nós em frente deles, uma estada de vida doada do mais maravilhoso do que nós.

E quantas vezes ao longo da nossa idade já vivida, permitimos que se misturasse este estudante com o jogador de futebol que fazia cruzes ao céu pelo golo?

A nossa verdade de vida? Deus, que se apenas essa nos parecer a importante, nunca entenderemos, afinal, a razão de Anton Tchekhov afirmar que cairemos num esquecimento, no qual a nossa importância no termos vivido, pode ser mesmo medíocre e nem sequer nunca suficientemente inocente, o que é mais grave.

As mulheres que só fizeram sexo por amor ou os homens que se tornavam responsáveis no casamento, foram todos capazes de transmitir uma grande parte da inautenticidade dos anos vividos.

E estas realidades que muito abarcam de outras, não se passaram apenas nos anos da Renault 4 L ou do Citroen Ami 6. De forma alguma.

Todos sabiam que se chegassem ao ano 2000, a ninguém interessaria revelar a estória de si, sem o agá grande, e muito menos admiti-la como uma soma de longos e secos egoísmos.

Com este livro muito se pode saber da grande vergonha que residiu graciosamente na amplitude da desumanidade da qual cada um foi capaz, e enfim, na inaptidão para ter sido realmente diferente.

                                                       

Teresa Bracinha Vieira