Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

EVOCAÇÃO DE VITORIANO BRAGA DRAMATURGO

  


Vale a pena evocar autores que souberam marcar com qualidade o teatro português, mesmo nos casos, e tantos são, em que a qualidade criativa das peças respetivas não impede uma hoje menor projeção das obras respetivas. É caso para dizer que a qualidade criacional subsiste mesmo quando os textos e os autores respetivos caíram no esquecimento:  e essa circunstância é mais habitual do que se espera no teatro português…


E precisamente, hoje evocamos um caso óbvio, patente mas de menor projeção na dramaturgia portuguesa do século XX. Referimo-nos a Vitoriano Braga (1888-1940) e ao conjunto de peças que nos deixou e que hoje estão esquecidas.


E no entanto, no contexto marcante do teatro português, merecem evocação e justificam a referência, mesmo admitindo, e novamente o fazemos, que esta dramaturgia estará algo esquecida: e no entanto, a qualidade respetiva merece sempre destaque.


Em qualquer caso, a dramaturgia de Vitoriano Braga constitui um conjunto relevante, quanto mais não seja pela coerência criacional respetiva. E de tal forma assim é, que criadores de qualidade, como designadamente Fernando Pessoa, não hesitaram em destacar algumas das peças que, no seu conjunto, marcam até hoje esta dramaturgia, hoje infelizmente algo esquecida…


Mais uma razão para o evocar!


Até porque o conjunto de peças é vasto e coerente. E de tal forma assim é, que a peça “Octávio” (1913) merece referência o mais possível elogiativa.  Antes dela, Vitoriano Braga escrevera “A Bi”, (1908) com João Vasconcelos e Sá. E a seguir criaria mais textos dramatúrgicos.


Já escrevemos: muitos deles esquecidos, é certo, mas nem por isso menos relevantes. Citamos designadamente, alem do “Octávio” (1912/1913), “Extremo Recurso” (1914), “O Salon de Madame Xavier” (1918), “O Conselho da Noite” (1922), “A Casaca Encarnada” (1922), “Inimigos” (1925), “Entre as Cinco e as Oito” (1927) e “Lua de Mel” (1927).


Trata-se pois de um conjunto relevante de criação dramatúrgica que merece referências elogiativas. É caso para dizer aliás que este vasto conjunto de peças merece em si mesmo destaque!


E acrescentamos uma referência ao teatro de Vitoriano Braga que desenvolvi na “História do Teatro Português” (ed. Verbo 2001).


Escrevi efetivamente que quando comparamos a obra de Vitoriano Braga com aquilo que o autor sonhou e planeou, e ainda com o que dele se poderia esperar, ficamos com uma sensação de valor inacabado ou de potencial não concretizado. E mesmo assim, estamos perante uma tábua dramatúrgica considerável e em certos momentos extremamente interessante.


Fernando Pessoa não poupa elogios a “Otavio” talvez sensibilizado pelo teor pró-simbolista e decadentista da peça. Em qualquer caso não hesitou, recorde-se, em a considerar notável … E assim é!

 

DUARTE IVO CRUZ

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE ANA MARQUES GASTÃO

  


«Sê lenha»


Enquanto a faca corta o alimento,
a boca atrasa o corte, o paladar,
a sorte, a criança devora o que tens
e a vontade pede-te: «sê lenha».
Anda, suporta teu corpo de ferida
cicatriz ou nome, és esqueleto bravio
carne e voragem, sino que ressoa,
te ensurdece e desmorona.


Do mar, a terra, da terra a água,
do fogo, o ar, só é exterior o interior
que se evapora em solução iodada
e te abafa no fumo metálico e molda
uma sombra, o ombro, a mão. Mas olha,
vê, escuta o som impaciente da lenha
afundada no sal, conta a história,
repete a única história que te faz viver.


in Adornos, 2011


«Be firewood»


While the knife cuts the food
the mouth delays the cut, the taste,
the chance, the child devours what you’ve got
and your will demands: ‘be firewood’.
Go on, carry your body with wound
scar or name, you are wild bone
flesh and hunger, a tolling bell
that deafens and flattens you.


From the sea, the earth, from the earth the water,
from the fire, the air, only the internal is external
dissolving into an iodine solution,
stifling you in the metallic smoke and shaping
a shadow, the shoulder, the hand. But look,
see, listen to the impatient sound of the firewood
sunk into salt, tell the story,
tell again the only story that makes you live.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese