CRÓNICA DA CULTURA
CONTO II - ANTE-VISÃO
Sentia receio deste envelhecer que lhe acontecia.
Via as datas como se ainda não tivessem tido até àquele momento qualquer realidade.
Se chegasse ao ano 2000 que idade teria? Como organizaria o seu quotidiano se fosse viva? E olhava-se ao espelho, admirada, e a querer compreender que o que via, a deveria ajudar a situar-se em relação ao tempo.
Também se espantava com as crianças a brincar nos parques infantis por sentir tão longe de si essa verdade.
O envelhecer ultrapassava a sua imaginação.
E olhava para a mãe, e achava-a sem idade. Aqueles olhos dela, aquele sorriso tolerante quando a visitava e que bem dizia que, pois, agora o tempo era pouco para tanto viver, ela também já fora assim. E, penteava-lhe o cabelo macio, daquela vez e da outra.
Às vezes, num estado de indolência agradável, mesclava memórias entre eixos que se interseccionavam e, todavia, não a esclareciam no tempo e no espaço que vivera.
Igualmente constatava que a idade lhe trazia um habitat do «eu» cheio das presenças dos seres ausentes.
Era uma nova forma de solidão que descobria ao confrontar destino no presente e no passado.
A passagem do tempo dava-se dentro e fora de si, e tinha medo de se perder nas múltiplas facetas da realidade que é preciso agarrar, pois tudo a conduzira ao dia de hoje.
Experimentava acima de tudo um vigoroso repúdio face à hipótese de suportar novas dores.
Um imenso cansaço atordoava-a de quando em vez, e a morte com deus morto, perdera a crença na companhia.
Mas sim, a velhice era emprego certo de contrato atípico.
Bem intuía agora, que antes de desaparecer para sempre, teria de fazer frente ao fim de um medo que adivinhava traiçoeiro, esse mesmo que já não lhe deixaria memória.
Teresa Bracinha Vieira