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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS


111. DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO AO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (II)


A “vexata quaestio” da existência ou não do Direito Penal Internacional (DPI) e da criação de instâncias jurídicas internacionais para punir os seus infratores, coloca a questão de saber se, para além ou sobre os Estados há um adequado e efetivo direito, a esse nível, nomeadamente, por um lado, se há ou não crimes de direito internacional, e, por outro, se há ou não órgãos e instituições que possam punir os agentes desses delitos, sejam eles Estados ou pessoas singulares. 


Após os julgamentos de Nuremberga e de Tóquio, fixaram-se regras quanto à responsabilidade individual de pessoas por crimes de guerra e contra a humanidade, sem nunca ter havido responsabilização criminal de nenhum dos Estados envolvidos em guerras de agressão e violação do chamado direito internacional de guerra ou humanitário. 


Em relação à existência de um TPI com competência para julgar em matéria criminal, não houve consenso quanto à sua criação, desde logo pelo facto de os Estados serem acérrimos defensores da sua soberania, dificultando a aceitação de um órgão internacional que se lhe sobreponha.   


O que não inviabilizou a criação do TPI, cuja legitimidade foi sancionada por uma maioria de mais de 60% dos Estados das Nações Unidas, com a Europa e o Ocidente em maior percentagem e a Ásia, continente mais populoso, a menor.  


Sucede que os cinco Estados mais populosos do mundo (China, Índia, EUA, Indonésia e Paquistão) e grandes potências como os EU, China, Índia e Rússia, não aderiram ao Estatuto de Roma, não vinculando os seus nacionais à jurisdição do TPI, permanecendo este sem competência para julgar Estados. Apenas a tem, com as limitações aludidas, para indivíduos por crimes de guerra, genocídio, contra a humanidade e de agressão. Em paralelo ao que acontece com o veto dos cinco “Grandes” do Conselho de Segurança da ONU, em que sobressai a regra de que quem tem mais força e poder não fica sujeito a uma jurisdição internacional tida como lesiva dos seus interesses políticos e soberanos, dado ter como adquirido ter necessidade de se envolver frequentemente em guerras em que têm como não cumpríveis as normas do DIH, aplicadas e julgadas pelo DPI. 


Trata-se de uma “Justiça” em que casos similares são tratados de modo diferente, dura com os fracos e branda com os fortes, não perseguindo nem julgando os mais poderosos. O que é agudizado pelo facto de a maior potência, de génese democrática, se recusar a participar no TPI e a aceitar a jurisdição penal internacional sobre os seus cidadãos.  Critérios díspares que prejudicam a sua imagem de primazia, com reflexos, por exemplo, quanto aos alegados crimes de guerra na Ucrânia. Também a Rússia e a Ucrânia não ratificaram o Estatuto de Roma do TPI, não sendo parte deste. Nem se perspetiva permissão no CS da ONU para a criação de tribunais especiais para os crimes de guerra, ou outros, perpetrados na Ucrânia, pelos vetos da Rússia e China.  


Pode ser fácil racionalizar as coisas durante a guerra por patriotismo e coisas do género, dizer que o vencedor será sempre o mais forte e o vencido o mais fraco, que no que diz respeito ao tribunal é uma questão meramente política, mas há que lutar por um DHI e um DPI universal com a mesma eficácia e modelo que há, no mínimo, dentro de cada Estado de Direito.        

 

24.07.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício