Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

113. QUE EUROPA QUEREMOS?


A grande base civilizacional da Europa foi a tradição greco-latina, com o culto da razão e do espírito individualista, o gosto pela técnica e pelo Direito. A que se junta a tradição judaico-cristã, marcando a sua valorização espiritual. O experimentalismo e o otimismo ocidental, na época das navegações. A tradição revolucionária e liberal com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da divisão tripartida dos poderes, da liberdade de formação dos partidos políticos e eleições. A revolução industrial, cuja base de conhecimentos é europeia. 


São fatores comuns da identidade europeia, entre outros, o primado da lei e do indivíduo, o cristianismo, a separação da Igreja e do Estado, os direitos humanos e a democracia representativa. Sem renegar as trevas que a ensombram, como o Holocausto.   


Se identidade é a arquitetura interna daquilo que determina grandemente aquilo que somos, não só nascemos portugueses, mas também europeus, em interação com o que agarramos mais de perto.


Mas o querermos saber quem somos, invocando os pilares e fundamentos de uma matriz cultural europeia comum não chega, pois apegarmo-nos ao seguro de uma herança é sermos adeptos primordiais de uma perspetiva conservadora não evolutiva, não amiga de modificar o mundo.


As fronteiras da Europa - sejam geográficas, culturais, políticas ou religiosas - têm de ser alargadas, pelo que, nesta perspetiva, pode ser incompreensível que a herança do mundo islâmico - para com a qual os europeus têm em dívida uma parte da sua evolução - seja secundarizada.


Supor-se que a herança histórica, cultural e religiosa europeia é uma realidade mais ou menos homogénea é incorrer num equívoco, dado que a Europa é um exemplo de diversidade linguística, cultural, religiosa e social, uma Babel de línguas e culturas diferentes, sendo exigível um diálogo para a coexistência da cultura cristã, judaica e muçulmana, a par de um humanismo secular, em desfavor de monólogos belicistas e uma tendência apelativa para o falhanço do multiculturalismo.   


No seu pequeno território continental a Europa não sofre de monotonia, sendo tanta a diversidade que há nela um número crescente de seleções de futebol que não correspondem a países, desatualizando e ultrapassando o princípio da territorialidade inerente à soberania dos Estados, em nome de povos e nações que fraturam a unicidade e particularidades da globalização. Veja-se o Reino Unido, com cinco equipas: Inglaterra, País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte e, recentemente, Gibraltar. Ou as Ilhas Faroé, dependentes da Dinamarca. Estando pendente a candidatura da seleção catalã de futebol (não reconhecida por oposição de Espanha), por que não, de futuro, o País Basco, a Flandres, a Valónia e a Lombardia, por confronto com microterritórios dependentes, mas membros da UEFA, como Andorra e Listenstaine?   


É a unidade com diversidade, a inclusão sem discriminação, uma solução de síntese, promovendo a conciliação e o respeito mútuo. 


Mas se a Europa cultural e política não tem de coincidir (nem pode) com a Europa geográfica, é lícito interrogarmo-nos se a sua construção assenta, essencialmente e doravante, em conveniências ou projetos circunstanciais ou em estratégicas resultantes de pressões em termos de médio e longo prazo.   

 

08.07.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício