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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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EVOCAÇÃO DE JOÃO PEDRO DE ANDRADE

  


Já temos muitas vezes referido, mas não aqui, a dramaturgia de João Pedro de Andrade (1902-1974), composta por cerca de uma dezena de textos que na época, e de certo modo ainda hoje, marcaram e marcam a dramaturgia portuguesa: e isto, tendo em vista a qualidade e extensão da sua criatividade teatral, cativa e relevante do teatro, num conjunto de cerca de 11 títulos, hoje relativamente esquecidos na análise teatral, mas significativos de uma modernização dramatúrgica.


Há que ter presente a evocação que, na época, José Régio, na revista Presença, lhe dedicou: sendo certo que a sua vasta dramaturgia, hoje notável pela qualidade, era mais ou menos ignorada: mas a releitura das suas peças principais conferem uma importância que a qualidade em si mesma justifica.


E no entanto, pode afirmar-se que o vasto teatro de João Pedro de Andrade, hoje realmente esquecido, justificará esta evocação, decorridos 120 anos do seu nascimento e 47 anos da sua morte.


E vale a pena realçar a dimensão e a qualidade da sua dramaturgia, sem pretender excluir investigação posterior, há que reconhecer entretanto que o teatro de João Pedro de Andrade, hoje de certo modo esquecido, merece e exige uma análise que a sua qualidade torna claramente exigível. E isto, não obstante a época criacional e a limitação à análise completa e complexa deste teatro!


Realce-se que esta dramaturgia é vasta: cerca de 17 peças relevantes, que aliás podem e devem ser evocadas numa perspetiva de continuidade, num conjunto de ato vasto de criatividade dramática, hoje algo esquecida mas que pode e deve ser ainda desenvolvida. E no entanto, as peças em si mesmas justificam evocação, pela qualidade da escrita mas também pela relevância no contexto do teatro da época e, pelo menos em muitas peças, no teatro contemporâneo…


E tenha-se presente que é admissível a existência de mais peças do autor, para além de numerosos textos que entretanto nos deixou.


Evocamos agora uma certa relevância alcançada pela dramaturgia de João Pedro de Andrade. E a esse propósito, é adequado ter presente (mas não agora…) que o teatro de João Pedro de Andrade justificará, pela extensão mas sobretudo pela qualidade, uma análise que em si mesma se justificará.


É certo que a sua obra hoje está pelo menos algo esquecida… E no entanto, merece evocação!...


Mas a sua qualidade, hoje indiscutível, atravessou períodos de muito menor memorização. José Régio, por exemplo, referiu-o na Presença como, e citamos, “um autor quase completamente desconhecido como dramaturgo”, nada menos!...


E importará ainda referir, como fiz na “História do Teatro Português”, que aqui tenho citado, a vastidão e heterogeneidade da dramaturgia de João Pedro de Andrade. E desde logo referir que é autor de pelo menos 25 peças, aí incluindo as que até hoje não beneficiaram nem de publicação, nem de representação!


Ora devemos então recordar que, tal como escrevemos na “História do Teatro Português”, o teatro de João Pedro de Andrade acusa certa irregularidade estilística que, para além do reflexo em cada obra, prejudica algo mas não destrói o conjunto dramatúrgico.  E citamos designadamente peças como “Transviados”, “Continuação da Comédia”, “O Diabo e o Frade”, “Uma Só Vez na Vida”, “A Inimiga dos Homens”, “Cegos”, “O Saudoso Extinto”, “Quatro Ventos”, “Maré Alta”…


E transcrevemos, para terminar o artigo, o que analisamos na “Continuação da Comédia”, qualificada como a melhor peça de João Pedro de Andrade. Cito então o que escrevi na “História do Teatro Português”: é a melhor e a mais importante peça do autor. Melhor porque introduz a lição de Pirandello no teatro português. Trata-se da fábula de um autor à procura e em conflito com os seus personagens: e tal conflito, rebelião das figuras criadas contra seu criador, é pano de fundo para um claríssimo combate bem-mal entre o personagem e a sua comparsa Elina, num desdobramento de planos aglutinadores desta dramaturgia paradoxal e muito interessante.


Assim mesmo!...

 

DUARTE IVO CRUZ

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE BEATRIZ HIERRO LOPES

  


OLHOS

Falar tão baixo que ninguém ouça, escrever tão pequeno que ninguém leia, esvaziar tanto os ouvidos e os olhos que me achem sumida no chão que piso. Meu eu ausente, comprando casas de porcelana para minha mãe. Coleccionamos casas, pássaros nas molduras e budas mendicantes, que nos olham além da ternura bojuda de um candeeiro em latão dourado a que a mãe passa o lustre todas as segundas. Não temos casas nem asas. Cristo menino é perneta e dorme na almofadinha de veludo rosado que lhe deram para fazer conjunto na vez das palhas. Não repousa, olha-nos de olhos bem abertos de vidro pintado; nunca pude ter berlindes, pois os adultos tinham medo que os engolisse; mas eu não engoliria os olhos do menino magoado. Embate na noite a minha alma e é possível que a tenha trocado por olhos vidrados a um cristo de duas pernas. Gemer tão baixo que todos ouçam, falar tão silenciosamente que ninguém possa dormir, respirar tão pausadamente que até santos acordem e anjos se evadam dos céus. Que outra forma tenho eu de recriar a tua solidão na minha?


in É quase noite, 2013


EYES

To speak so low no one can hear, to write so small no one can read, to empty my ears and my eyes so that I’ll be found gone into the ground I walk on. My absent self, buying porcelain houses for my mother. We collect houses, framed-up birds and begging buddhas who contemplate us beyond the bulging tenderness of a brass lamp polished by mother every Monday. We have neither houses nor wings. The infant Christ only has one leg and sleeps on the little pink velvet cushion he was given instead of straw. He’s not resting, he’s staring at us through his wide open, painted glass eyes; I was never allowed glass marbles for fear of my swallowing them; but I would never swallow the eyes of the injured infant. My soul hits the night and it’s only possible that I might have swapped it for some vitreous eyes and a two legged Christ. To cry so low everyone can hear, to speak so silently no one can sleep, to breathe so slowly even saints can wake up and angels can escape the skies. Which other way do I have to recreate your loneliness in mine?


© Translated by Ana Hudson, 2015
in Poems from the Portuguese