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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

114. A EUROPA E O “FIM DA GEOGRAFIA”


Confrontada com o risco de perder “o seu modo de vida”, a Europa interroga-se: Quem somos e para onde vamos? Ao sentir-se ameaçada, questiona-se: existe uma identidade europeia? Se há uma ameaça, esta define-se em alternativa ou por oposição a um outro “modo de vida”.


Há fatores comuns da identidade e civilização europeia, havendo que os consciencializar, por maioria de razão em tempos de um adverso choque de civilizações, ideias, culturas.         


Há quem recuse essa identidade comum, refugiando-se na história e na política. Quem invoque uma memória de guerras, de imperialismo, colonialismo, neocolonialismo, fascismo, nazismo, estalinismo, conflitos civis, deportações, escravatura e genocídios, confundindo aquilo que somos, nos molda e estrutura, com política e narrativa histórica. Ou quem defenda que não há património europeu, que a Europa é um acidente, um “mal branco”, um covil de supremacistas brancos e racistas, que usaram meios violentos e desumanos para subjugar culturas e civilizações. Quem a veja como um ente abstrato, acima das nações que a integram. Quem o faça por ressentimento ou traumas. 


O que não exclui, sob qualquer perspetiva, a existência de referências e valores comuns, não sendo hoje exclusivos europeus, tendo-se disseminado para outras latitudes e longitudes, constituindo a chamada civilização ocidental.


Havendo uma convergência de valores, devemos procurar uma convergência de interesses e uma visão estratégica comum.   


Democracia, humanismo, racionalismo, cristandade, iluminismo, separação de poderes, primado da lei, laicismo, tecnicismo, individualismo e direitos humanos são referências e valores comuns à Europa, ao mundo ocidental, seus descendentes e aliados, estando o Ocidente mais amplamente alargado no seu espaço “físico” e mental.


Mesmo na ausência de uma continuidade territorial europeia subsiste sempre a mental e espiritual, como o provam comunidades linguísticas transcontinentais organizadas em blocos linguísticos como a anglofonia, lusofonia, francofonia e hispanofonia. Tendo como referência, no mundo ocidental e global, a presente liderança dos Estados Unidos, é num descendente da antiga Europa imperial que assenta o atual “império” linguístico, dada a aposta na adoção do inglês como língua franca comum. O que, por similaridade, sucede com a língua portuguesa, em termos de projeção, transitando de uma perspetiva lusíada para uma lusófona, a que acresce uma lusófila e como língua de exportação. Em que o Brasil lidera, de momento, com as adaptações inerentes ao facto de também ser um continuador da velha Europa.   


Se, por exemplo, são os descendentes e sucessores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, por analogia com o que tem sucedido com o inglês, espanhol, português e francês, tem de haver uma nova mentalidade europeia, um novo paradigma civilizacional, em irmandade com os contributos dos demais povos e, em primeiro lugar, aqueles cujo modo de vida e convivência de costumes agarra mais de perto aquilo que a Europa foi, é e quer ser.   


A Europa não pode ser um clube de aristocratas com poses solenes eurocêntricas, tendo que se agregar e ampliar geograficamente, crescer adaptando-se às novas conveniências e realidades estratégicas, sendo cada vez menos uma mera convenção geográfica, em que a fixação das suas fronteiras tem mais a ver com a fixação de um recorte político, cultural e civilizacional, que geográfico.     

 

15.07.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício