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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

Não basta ler Arendt, necessário se torna compreender a diferença entre o falso e o verdadeiro, facto e ficção.

 

Na cratera do vulcão do mundo em que vivemos, reside um grave recuo do humanismo que devemos estancar.

Damo-nos conta de processos de desintegração intelectual a todos os níveis e as elites não aprendem com os fracassos desde que a ruína tomou posse da sua história.

Não se aguarda sequer um projeto de alternativa clara.

Tal como as florestas dos trópicos quando confrontadas com a brutalidade que as desprezou, o sistema que suporta os seres, arrisca tornar-se não-renovável.

Não basta ler Arendt, necessário se torna compreender a diferença entre o falso e o verdadeiro, facto e ficção.

Nos anos 30 o que tornava as pessoas recetivas às notícias falsas, fora a solidão como bem analisou Arendt: «a experiência de não pertencer de todo ao mundo, que está entre as experiências mais radicais e desesperadas do homem». Afinal, este, o tipo de solidão que se continua a sentir e, curiosamente, numa sociedade ligada em rede, exatamente quando «a banalidade do mal» referida por Arendt é hoje realidade cunhada nos quatro cantos do mundo.

Vive-se no estilo de vida burocrático desta modernidade que faz das pessoas engrenagens de máquinas administrativas, desumanizando-as.

Rebobina-se a história com o objetivo de um controlo mental pandémico através da desinformação, numa investida única de uma estupidez que não encontra resistência.

Julian Huxley em 1957 usou pela primeira vez o termo «transumanismo», que definiu como: «O homem a permanecer homem, mas a transcender-se a si mesmo, ao tomar consciência de novas possibilidades da e para a sua natureza humana.» Nos anos 80, nomeadamente, as pessoas que trabalhavam em nanotecnologia e IA, reformularam o transumanismo numa tentativa de adaptar o humanismo a um mundo de novas possibilidades, problema a que estas mesmas pessoas se esquivaram de resolver.

Francis Fukuyama declarou ser o transumanismo «a ideia mais perigosa do mundo» e acrescente-se que no seu raciocínio esteve também presente que, ao se criar desigualdades biológicas - exemplificando através dos braços biónicos -, enfraquece-se a universalidade da essência humana, e, portanto, igualmente o mesmo sucede à nossa pretensão a direitos universais iguais.

Contudo, a liberdade é possível em conjunto com progressos tecnológicos, e o transumanismo tornou-se residualíssimo no seu movimento.

Tem-se levantado o debate do pós-humanismo e a criação de pós-humanos, tendo em conta o mundo da engenharia genética, sendo indispensável não esquecermos que ele pode ter um poderoso contributo se a ética o não descuidar. Ainda que a questão se mantenha:

Como preservarmos o que faz de nós humanos? Como preservarmos o humanismo sem as reduções que o tornaram essencial?

Encontraremos capacidades de cooperação e inovação face a um futuro promissor, sem aceitarmos a deportação para o gargalo da cratera do vulcão, que suga o humanismo que projeta futuros de inequívoca luz?

Não passará tudo pelo sentir da solidariedade por oposição «ao eu único.»?

Ou ainda como não destruir os sinais do que somos, sem termos de nos preparar para contar histórias, como se vencidos já fomos?


Teresa Bracinha Vieira