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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO

  


VII. APARECE O ZÉ POVINHO…

 

Sabemos pela carta de Fradique sobre o extraordinário Pacheco, que esteve a um passo de ser nobilitado, não fora o seu inesperado decesso, e que esteve sepultado no Alto de S. João, num mausoléu, onde por sugestão do inefável conselheiro Acácio foi esculpida uma figura de Portugal chorando o Génio, graças a uma sentida carta publicada no “Diário de Notícias”, bem como ao contributo generoso de um conjunto de amigos e leitores. Todavia, anos passados, quando me aprestei a deixar um ramo de gerberas na base de tão gloriosa invocação, para lembrar a excelsa figura de Pacheco, deparei-me (eu disse alguém, mas, de facto, fui eu mesmo testemunha desse infausto momento), encontrei com surpresa um vil buraco e uma tabuleta anunciando a construção de um outro jazigo. Ora, ficou-me então a dúvida sobre onde se quedaria o pedaço de pedra de lioz que representava a glorificação do ex-futuro marquês de Pacheco. E lembro a estupefação de Fradique quando perante a viúva do ilustre finado, pouco mais encontrou do que uma vaga indiferença: «Meses depois da morte de Pacheco, encontrei a sua viúva, em Sintra, na casa do dr. Videira. É uma mulher (asseguram amigos meus) de excelente inteligência e bondade. Cumprindo um dever de português, lamentei diante da ilustre e afável senhora, a perda irreparável que era sua e da pátria. Mas quando, comovido, aludi ao imenso talento de Pacheco, a viúva de Pacheco ergueu num brusco espanto, os olhos que conservara baixos – e um fugidio, triste, quase apiedado sorriso arregaçou-lhe os cantos da boca pálida… Eterno desacordo dos destinos humanos! Aquela mediana senhora nunca compreendera aquele imenso talento!». Relatarei sumariamente que aconteceu nas minhas aturadas diligências para saber do destino da estátua “Portugal chorando o Génio”. De facto, sumiu a peça calcária. Os serviços municipais informaram-me que um canteiro de Campo de Ourique levou os despojos já danificados, para a sua oficina da rua Ferreira Borges. No registo que havia nos serviços do cemitério, dizia-se que havia dois fragmentos – um corpo e uma cabeça. Cheguei à fala de um velho mestre da cantaria em causa. Já se não lembrava bem do sucedido, tinha vaga ideia. Era uma estatueta de pouco valor, que se encontrava em mau estado. Ficou surpreendido com o título – não se apercebeu nem de sombra de Portugal e muito menos de génio… Depois, disse-me que tinham aproveitado as pedras para reparação de um antigo jazigo nos Prazeres. Todas? Não. Faltou a cabeça, que ficou esquecida e sem uso no fundo do armazém. Tentei ver se a encontrava. O canteiro não sabia, porém, onde tinham ido parar os pertences da loja. Mas um belo dia, recebi uma chamada de um telefone desconhecido. Era o mestre canteiro, que vivia em Montelavar, próximo de Pero Pinheiro e me disse que lhe parecia ter encontrado a misteriosa cabeça da estátua do Pacheco, que tinha com ele. Fiquei orgulhoso com a descoberta e dispus-me a ir a Montelavar, ver o achado. E assim fui ao encontro do senhor Canário (era seu nome). Mas, quando vi a cabeça, caiu-me o coração aos pés. Seria possível? O que ali estava era um Zé Povinho trocista, mal-amanhado. O mestre ficou desalentado por não ver o meu entusiasmo, e eu fiquei sem palavras… E assim saí de Montelavar talvez entendendo a viúva do Pacheco. O mistério não parava ali.  


Agostinho de Morais


>> Pedras no meio do caminho no Facebook  

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE DAVID TELES PEREIRA


Rua Adamczewski


Na distante memória, a estreita rua Adamczewski
contorna o olhar até se abrir em direcção ao cemitério
que fica no cimo da colina, onde as crianças brincam
aos castelos numa árvore sem pássaros.


Aqui a sombra da morte é tão presente quanto a do fim de tarde;
felizmente ainda mal passámos do meio-dia e os velhos
bebem aguardente de ervas no café à espera de quase tudo,
menos do grito de uma flor que aguarda um destino.
Mas eis que ele soa e o nosso tempo altera-se,


como se de ouvido encostado ao chão pudéssemos
associar o triunfo das formigas ao dos nossos antepassados
a caminhar lado a lado pela Rua Adamczewski acima
em direcção ao cemitério, de braços dados, enquanto cantam
Se não são os mortos que nos guardam,
porque é que os deitamos aqui em cima?


In Criatura nº 4, 2009


Adamczewski Street


In a distant memory, narrow Adamczewski Street
goes round our eyes until it opens into
the graveyard on top of the hill, where children play
king of the castle in a birdless tree.


Here the shadow of death is as present as that of the afternoon;
luckily it’s barely past midday and the old folks
drink herb brandy at the café expecting almost anything
but the scream of a flower that hopes for a destiny.
But we hear it and our time is changed,


as if we were able, ear to the ground,
to associate the triumph of the ants with that of our ancestors
as they walked side by side, arm in arm up Adamczewski Street
towards the graveyard, singing
If it isn’t the dead who guard us,
why do we lay them there?


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese