Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

SINGULAR NOSTALGIA

rainha isabel ii.png

 

Queira-se ou não, é uma época que termina. É o retrato de um tempo que passa para os arquivos da memória. E invocamos uma fotografia de 1953, de Winston Churchill junto da jovem Rainha Isabel, num cumprimento respeitoso, mas familiar. Apercebemo-nos da dignidade de um sentido paternal, símbolo de uma tradição que encontra a atualidade. Com a morte da Rainha Isabel II ficam-nos muitas lembranças, muitos acontecimentos, numa zona de penumbra e de perigoso risco de esquecimento. A memória que tenho mais forte e mais antiga da Rainha é a da Avenida da Liberdade e do imponente cortejo na visita oficial de fevereiro de 1957.

 

É a imagem de um conto verdadeiro que jamais esquecerei. Depois, tenho de recordar o entusiasmo da minha família, em especial da parte anglófona, com um século, pelo menos, de crença liberal, no sentido democrático. Recebi, assim, com estupefação e angústia a notícia do Brexit, pelo qual a Europa Atlântica foi fortemente afetada. Não falo agora da antiga aliança luso-britânica e dos seus claros e escuros, mas tenho bem presente a vitória da causa do nosso rei D. Pedro IV, incentivada pela chegada ao governo britânico do partido Whig de Lord Charles Gray e pela Monarquia de Julho de 1830 do Rei Luís Filipe de Orleães, em França. Há mil lembranças históricas – e se digo que corremos o risco de um esquecimento perigoso, é porque a incerteza do momento que coincide com a morte de Isabel II pode fazer-nos esquecer o longo período de paz que coincidiu com o reinado da soberana desaparecida.

 

O cenário de guerra, a crise económica e o risco pandémico, que hoje vivemos, deixa-nos num caminho de dúvida, de temor e de incerteza, que afeta a Europa e o mundo. Perante a situação atual, a Europa precisa do Reino Unido e Portugal e a Península Ibérica terão tudo a ganhar se preservarmos a vertente atlântica. E precisamos da coragem serena de quem, no decurso do último conflito mundial, se alistou no exército como condutora de pesados e mecânica de automóveis. Numa vida difícil e plena de contratempos, mas também com momentos exaltantes, o que encontrámos sempre na Rainha foi a coerência e o estrito respeito do Estado de direito, da justiça e dos direitos fundamentais.  Memória e vontade afirmaram-se de um modo natural. Longe de qualquer melancolia, a recordação que fica da Rainha Isabel II é da coragem, da simplicidade, do serviço público, do cuidado, da serenidade, do exemplo. Precisamos de memória que preserve a paz, e o exemplo da Rainha que agora nos deixa, depois do mais longo reinado, de que temos memória, merece atenção. O século XX foi um tempo de tragédia e destruição, que nada fazia prever, como afirmou Stefan Zweig, a que sucedeu um tempo de trinta gloriosos anos de paz, de cooperação e de desenvolvimento. Montesquieu ensinou-nos que só o poder limita o poder – e, através do exemplo da Rainha Isabel II, sabemos que tudo começa na consciência das fronteiras da ação. Nada sabemos sobre o que nos reserva o futuro. O rei Carlos III terá uma palavra a dizer, nos estritos limites dos seus poderes constitucionais – e será o caminho adotado por sua mãe a referência fundamental. Como diria Shakespeare: “É melhor ser rei do teu silêncio do que escravo das tuas palavras”.

GOM