Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


A casa como barreira entre o eu e a sociedade.


A casa Rietveld-Schröder em Utrecht, construída em 1924 e destinada a uma família constituída por uma mãe e três filhos ainda é hoje uma revolução aos olhos de quem a visita. Decidida a terminar com o velho e com o passado ainda é uma casa que faz nascer um indivíduo novo e livre. Tal como Gerrit Rietveld (1888-1964) diz: vamos construir casas espaçosas e simples! A generosidade espacial de uma casa, o direto acesso à natureza e a eficiente satisfação das necessidades quotidianas eram prioridades nos projetos de Rietveld - só assim o indivíduo não sentirá necessidade de se alienar e de sair para ir ao encontro de sol, de ar e de verde.


O vanguardismo afirmado nas casas de Gerrit Rieveld só foi possível graças aos seus clientes privados, que não receavam a mudança. Rietveld refere-se aos seus clientes como sendo sempre capazes de o corrigir e criticar apontando sempre o projeto em direção à vida. Foi Truus Schröder que permitiu a construção da casa Rietveld-Schröder, mas também trabalhou com o arquitcto em muitos outros projetos (até 1964), inclusivamente nos edifícios de habitação da rua contígua, Erasmuslaan.


A casa Rietveld-Schröder foi o primeiro projeto de habitação de Gerrit Rietveld. Até então o arquitecto desenhava mobília e algumas frentes de loja. A famosa cadeira vermelha, azul e amarela foi concebido em 1918. Em 1919, Rietveld foi convidado por Theo Van Doesburg a colaborar na revista De Stijl. Em 1920, Rietveld mobilou um apartamento num edifício de habitação desenhado por J.J.P. Oud. A influência dos pintores De Stijl, tais como Bart van der Leck e Piet Mondrian, estimulou Rietveld no uso das cores primárias (vermelho, amarelo, azul em combinação com preto, branco e diversos tons de cinzento). Embora Rietveld usasse cor em seu em todo o seu trabalho, no final dos anos 20, as cores primárias passaram a incluir uma mistura de branco, o que as tornou mais pastel.


“Let’s build houses that are well-spaced and simple; otherwise I’ll always free my home in search of Nature.” Rietveld 1930


Na opinião de Rietveld, importante, no desenho de uma casa, é dar espaço para que o ser humano se aperfeiçoe a si próprio. Todos conduzem uma vida árdua em sociedade, por isso Rietveld pensa que numa casa tudo tem de ser conveniente, amplo e higiénico, para que nada consuma demasiada tempo.


“We need a house that satisfies the necessary conditions of life as efficiently as possible, and which requires no maintenance; a simple machine for living, which is always reliable and which renders our lives independent of outside help. We must be able to save time and money for our personal enthusiasms and studies.” Rietveld 1930


Rietveld considera que as ações essenciais quotidianas como comer, beber, dormir e lavar são muito desinteressantes e por isso devem ser resolvidas economicamente com a ajuda de meios eficazes e mecânicos. Ora, a casa Rietveld-Schröder tenta concretizar todos estes requisitos de maneira a que todas as ações repetidas e diárias estejam contidas, controladas e acessíveis. E assim Rietveld deseja tornar os habitantes das suas casas livres e mais humanos. Rietveld deseja tornar claro o que realmente importa. Na sua opinião, a sociedade lança e descarrega tantas impressões e opiniões que o indivíduo pouco mais faz do que se submeter a essas ideias passivamente, sem consegue processar e experienciar tudo de maneira ativa. Rietveld escreve que tudo na vida acontece de forma simultânea e por isso a atenção dispersa-se e o olhar torna-se vago. Todavia uma casa (e a casa Schröder tenta responder a isso ativamente) deve ajudar a ver, a olhar claramente e a estimular ativamente todas as impressões sensoriais.


A casa (e qualquer casa de Rietveld) não será primordialmente um lugar de repouso mas antes um lugar de descoberta - a descoberta do eu que se dá longe do fluxo das impressões passivas. A casa é por excelência o lugar de ação - o eu poderá ser realmente ativo, ao fazer tudo aquilo que o seu livre arbítrio e toda a sua atenção determinar.


A casa Rietveld-Schröder revela o espaço contínuo. No interior, a compartimentação do primeiro andar tem a capacidade de desaparecer, de ser efémera e de se dissolver dentro das paredes exteriores. Através da abertura ampla das janelas eliminam-se cantos e arestas, permitindo a fusão com as árvores que rodeiam a casa. Ao agregarem-se todas as ações principais num só andar, Rietveld coloca toda a atenção na possibilidade de se poder viver dentro, à volta e entre. A flexibilidade do espaço permite a concretização da simultaneidade de comportamentos, a dispersão de energias, sobreposição de velocidades, abertura e vastidão, mas também admite a contenção dos movimentos e a fragmentação dos gestos.


A casa Rietveld-Schröder prova que o espaço de uma casa, para além de mecânico e eficiente (e isso verifica-se no andar térreo, que inclui a cozinha, zona de serviço e escritórios), deve ser a barreira entre o eu e a sociedade e a sua corrente de impressões passivas. Uma casa deve por isso, para Rietveld, ser a medida de referência de todas as experiências de cada ser. A casa Rietveld-Schröder consegue assim determinar um modo de viver e de ver o mundo.


“A good architect must be able to restrain himself (…) The aim isn’t to build large, tall structures, apply splendid materials or create genial forms and compositions. In architecture, the aim is to find the best fitting curve - this is trade jargon - which means the most to complete possible harmony of function material and structure.”, Rietveld 1930


Ana Ruepp